ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 009: Antropologia da Economia
Casas em circuito: deslocados pela guerra síria e comida em São Paulo
Natalia Neme Carvalhosa (Fiocruz)
O trabalho discutirá as configurações múltiplas das casas e suas relacionalidades ao se converterem e se reconverterem simultaneamente em local de consumo e de produção no que denomino de circuito das comidas com deslocados pela guerra síria em São Paulo. Diante das dispendiosas condições de abertura e manutenção de restaurantes, dos valores elevados de aluguéis e custo de vida em São Paulo, as casas (alugadas) tornam-se espaços e meios estratégicos de produção de comidas. A partir desse cenário, argumento que o esforço teórico de reconhecimento dos tipos de trabalho para além da fábrica, pelo trabalho reprodutivo nas casas, trazem avanços para o entendimento do trabalho feminino, mas, quando privilegiam contextos específicos norte-americanos ou eurocentrados, acabam por reforçar a dicotomia entre espaços produtivos e reprodutivos. O entendimento de cálculos econômicos para além da circunscrição do dinheiro em si, isto é, de uma economia imanente, que não está à parte em uma formalidade restrita, nos permite ir além de esquemas analíticos que ratificam espaços e relações em uma dicotomia entre produção e consumo. Em contexto brasileiro, etnografias sobre transformações nas relações sociais em áreas rurais no Nordeste Brasileiro ao longo dos anos 1970, nas discussões sobre trabalho familiar e economia camponesa inspiradas em Chayanov e Bourdieu, já apontavam reflexões nesse sentido. As mesmas mostravam que, embora nem sempre as mulheres fossem remuneradas com o dinheiro valorizado socialmente pelos homens na comercialização dos produtos agrícolas, suas atividades eram fundamentais para o funcionamento das trocas produtivas. Partindo dessas contribuições, baseio-me em estudos que revelam campos inventivos de valores, inclusive dentro das casas - em vez de visões homogeneizadoras sobre dinheiro - e que identificam a sobreposição de espaços de produção, consumo e armazenamento nas múltiplas formas de conversão da casa. Somado a esses, argumento que pensar a partir das relacionalidades das casas ajuda a compreender a construção ativa de um novo cotidiano através da comida. As receitas canalizam memórias, “referências”, “metonímias imaginadas” de afetos constantemente atualizados em rituais que envolviam produções coletivas de comidas pelos meus interlocutores na Síria. Por sua vez, as relacionalidades das casas nos permitem acessar as “matérias primas” mnemônicas/sensoriais basilares para a formação dos cardápios e como as mulheres assumem maior centralidade nas encruzilhadas cotidianas em torno do controle dos alimentos e ganhavam maior poder na obtenção de renda familiar.