Grupos de Trabalho (GT)
GT 036: Cidades: espaço construído e formas de habitar
Coordenação
Urpi Montoya Uriarte (UFBA), Rolf Malungo Ribeiro de Souza (UFF)
Debatedor(a)
Priscila Tavares dos Santos (UNIFACVEST)
Resumo:
Este GT visa reunir pesquisas centradas na relação entre espaço construído, formas de habitar e cidade. Conjuntos habitacionais construídos pelo Estado, moradias autoconstruídas por seus habitantes (recentes ou consolidadas como bairros populares), ocupações organizadas por movimentos sociais ou cortiços, becos ou avenidas, entre outros, podem ser considerados formas que promovem certos conteúdos ou modos de habitar. A virtualidade da forma, entretanto, se concretiza de maneiras particulares pela influência de fatores tais como o regime de ocupação, tempo de permanência, história do lugar, relações de vizinhança, presença do comércio de drogas, características etárias, de classe, gênero, raça, religião etc. Por sua vez, as formas de habitar que emergem produzem um tipo de espaço urbano específico, que é necessário apreender e compreender para nomear ou caracterizar tipos de cidades. Assim, procura-se no espaço deste GT, propiciar o encontro e discussão de pesquisas em torno dos conceitos de habitar, produção do espaço e fazer cidade que, a partir de dados etnográficos, possam contribuir na proposta de políticas habitacionais formuladas desde as particularidades locais e baseadas no que os habitantes julguem serem os aspectos mais importantes a serem considerados e almejados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alison Douglas da Silva (UNICAMP), Rafael Afonso da Silva (UNICAMP)
Resumo: A comunidade Nelson Mandela é um movimento social que reivindica o direito à moradia. O movimento começou em 2016, com a ocupação de um território sem função social no sudoeste de Campinas-SP. Após reintegração de posse em 2017, o movimento se rearticulou politicamente para uma nova ocupação, próxima ao Distrito Industrial. Entre 2017 e 2022, embora sempre pressionado por ameaças de reintegração de posse, o movimento conseguiu resistir e iniciar diálogo com o poder público municipal e a Companhia de Habitação Popular de Campinas, a Cohab, o que, em dezembro de 2022, culminou em um acordo para a materialização do Residencial Nelson Mandela e a entrega de casas-embrião (uma moradia de 15m², com banheiro e um cômodo) para cada núcleo familiar. Atualmente, são 105 famílias no Residencial.
Este trabalho é fruto de uma pesquisa etnográfica que se situa na interface entre a Saúde Coletiva e a Antropologia Urbana e na qual tentamos mapear práticas de cuidado à saúde criadas/mobilizadas pelos sujeitos que habitam esse território, para além das ofertadas pela rede de atenção à saúde municipal, e compreender sua articulação com os modos de vida e interação, com especial atenção aos modos de habitação e suas arquiteturas (dinâmicas espaciais).
Os resultados preliminares evidenciam produção expressiva de práticas de cuidado, realizadas de forma autônoma pelos sujeitos: práticas curativas por meio do uso de plantas medicinais; estratégias comunitárias de troca e compartilhamento (de alimentos, remédios, saberes terapêuticos etc.); estratégias de uso e regulação comum do espaço (criação de espaços de convívio, prática esportiva e lazer; acordos coletivos de zeladoria do território e manejo do lixo etc.); dentre outras.
Os resultados colocam em evidência também uma avaliação negativa da comunidade em relação aos serviços públicos de saúde. Denúncias de racismo, intolerância religiosa, estigma de peso, violência obstétrica, dentre outras formas de violência são frequentes na fala dos moradores.
O impacto da mudança para as casas-embrião é ambivalente. Ao mesmo tempo que representa a realização de um sonho e traz segurança para as famílias - eliminando os estressores relacionados à ameaça constante de reintegração de posse e perda de moradia -, produzindo assim ressonâncias positivas para a saúde das pessoas, a reorganização comunitária e o uso do espaço também implica em conflitos entre os sujeitos. Além disso, a arquitetura das casas e de sua distribuição espacial, planejada sem participação da comunidade, projeta uma territorialidade, favorecendo certos modos de interação entre as pessoas e entre elas e o ambiente que repercute na tendência à individualização do modo de vida, já estimulada pela tendência à desmobilização da vida política após a ocupação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ana Carolina Ricco Uranga (PUCRS)
Resumo: O cenário habitacional brasileiro apresenta diversas nuances sobre as condições precárias de morar. No entanto, a responsabilidade por esses domicílios é assumida majoritariamente por mulheres que compartilham atribuições comuns, sendo elas as chefes de família. De acordo com a Fundação João Pinheiro (FJP), 62% do déficit habitacional, conforme levantamento do IBGE no período de 2014 a 2019, é composto por mulheres como pessoa de referência, vivendo em arranjos familiares monoparentais (mães solo). Outro indicador relevante refere-se à participação feminina nos índices de precariedade habitacional na região sudeste, alcançando 67,5% dos domicílios nesse mesmo período.
Nesse contexto, este trabalho concentra-se na tipologia habitacional das palafitas, em particular no aglomerado de palafitas que compõem a favela Dique da Vila Gilda, situada na zona noroeste de Santos/SP. A pesquisa baseia-se na coleta de relatos autobiográficos de moradoras dessa comunidade, realizados em junho de 2023.
O objetivo é compreender primeiramente, por meio de levantamentos bibliográficos, os processos sociais e urbanos que contribuem para a feminização do déficit habitacional, abordando questões interseccionais relacionadas ao gênero. O embasamento teórico busca fundamentar interpretações extraídas dos relatos autobiográficos, os quais foram coletados por meio de procedimentos de pesquisa biográfica interpretativa. Por fim, pretende-se discutir como o método das narrativas biográficas pode contribuir para a formulação de políticas habitacionais mais eficazes, que compreendam as necessidades de grupos específicos a partir da capacidade interpretativa dos indivíduos sobre sua vida cotidiana.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Antonia Eliane Lobo Carneiro (UFMA)
Resumo: O presente trabalho traz um estudo de caso do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), mais especificamente de um dos seus muitos empreendimentos: o Conjunto Habitacional Jardim Aulidia ou Pé na Cova (como é conhecido, por sua vizinhança a um cemitério), na cidade de Açailândia, no Maranhão. Destinados a beneficiários dentro do recorte denominado pelo programa de faixa 1 (famílias com renda entre zero a R$ 2.640,00), os imóveis recebem subsídios diretos de até 95% do seu preço e são financiados sem juros no prazo de 120 meses. O bairro tem aproximadamente 2.500 metros, estando a 2,5 km do centro da cidade, composto por quase 2.000 (duas mil) casas. A pesquisa iniciou em abril de 2022 com a observação flutuante (PÉTONNET, 1982) a fim de obter as primeiras informações, que possibilitassem descobrir as regras implícitas que movimentavam o Conjunto habitacional. Em 2023, adotando a observação participante, em uma perspectiva de perto e de dentro (MAGNANI, 2002), assim como, a referência bibliográfica de Eckert e Rocha (2001), foi possível maior aproximação com nossos interlocutores de modo que pudéssemos conhecer, analisar e compreender como ocorrem as relações, uso e apropriação do lócus, assim como as nuances das políticas de moradia inseridas no bairro. Ademais, as referências metodológicas possibilitaram perceber no cenário a segregação socioespacial (BOURDIEU, 2008), referindo-se ao território onde está situado o conjunto, assim como, a presença de estereótipos dentro e fora do bairro, os estigmas (GOFFMAN, 1975) que são características que sobressaem negativamente sobre determinado grupo ou indivíduo. As observações junto aos conceitos teóricos permitiram identificar usos e apropriações do espaço a partir da análise das relações sociais dos atores que residem no conjunto habitacional, de modo, que possibilitou compreender como são desenvolvidas as dinâmicas sociais do bairro nesse primeiro momento.
Palavras chave: Conjunto habitacional - Programa Minha Casa Minha Vida - Açailândia Moradia
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Beatriz Carolina Dara Neves Saldanha (UFG)
Resumo: A pesquisa propõe compreender a situação socioespacial dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (Faixa 1) na Região Metropolitana de Goiânia, questionando as relações entre o Fazer-Cidade e o Direito à Cidade a partir da ideia entre Marginalidade e Centralidade articulada sob interesses econômicos e políticos e a defesa do direito à moradia. A partir da necessidade de entender a organização e o processo habitacional oferecido pelo Programa e as condições dos modos de vida. A ideia de habitar um espaço vai além de uma simples ocupação, é a produção da vida e da constituição do ser social. Pensando a Cidade como um corpo diverso, visualiza-se vários interesses que apesar de, muitas vezes, opostos, são o que de fato mantem e perpetuam relações políticas e de poder. Não fugindo de uma lógica capitalista que estrutura os espaços sociais como campos de produção econômicos, disputas por conquistas de territórios, nos centros urbanos acabam formalizando um grande acordo entre setores públicos e privados que determinam o que vem a ser o centro/centralidade e a margem/marginalidade, entendido na maioria das cidades como espaços elitizados e espaços precarizados, facilmente observáveis através da segregação geográfica e de desigualdades. No Brasil o programa Minha Casa Minha Vida surge como um importante motor político e econômico para a formação social urbana, incentivo por meio do Governo Federal que capacita, ainda mais, o setor habitacional como meio estabilizador da economia. A metodologia utilizada durante a pesquisa foi desenvolvida através do trabalho de campo e aplicação de questionários nos empreendimentos selecionados do Programa Minha Casa Minha Vida juntamente com o levantamento bibliográfico, reuniões presenciais e virtuais, para a compreensão da produção de moradia observada na Região Metropolitana de Goiânia. As cidades visitadas foram Aparecida de Goiânia, Senador Canedo, Guapó, Goiânia, Bela Vista de Goiás e Hidrolândia, entre setembro e novembro de 2019. A partir da ramificação geoespacial, o olhar atento às marginalidades inaugura o principal ponto de partida dos estudos urbanos/da cidade, revelando os atores sociais e políticos e a construção de paisagens que moldam características sociais necessárias para o entendimento da totalidade do que constitui Cidade, do papel das pessoas em suas transformações e de problemáticas que se entrelaçam em um ambiente conflituoso e múltiplo.
Palavras-chave: Urbanização, Fazer-Cidade, Empreendimentos, Moradia
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Carlos Filadelfo (UFPI)
Resumo: Esta proposta busca trazer algumas reflexões etnográficas sobre práticas de resistência entre movimentos de luta por moradia na cidade de São Paulo. Embora muitos estudos sobre movimentos sociais tratem do tema, a categoria resistência muitas vezes acaba por refletir analiticamente uma polarização dicotômica e acirrada entre Estado e movimentos sociais de pontos de vista externos ao desses agentes sociais, a partir da qual pouco compreendemos sobre como essas coletividades são produzidas processual e situacionalmente e, mais importante, como tantos esforços de resistência são empreendidos e perseverados abarcando conjuntos tão heterogêneos e, por vezes, conflituosos de pessoas.
Portanto, procuro discutir aqui como as famílias integrantes de um movimento de moradia específico, a Leste I, refletem sobre práticas de resistência principalmente a partir dos sentidos incutidos no termo luta. Esse movimento social urbano articula famílias de baixa renda com o objetivo de obterem atendimento definitivo por programas habitacionais públicos na zona leste paulistana. Busca principalmente conquistar e obter terrenos para construção de moradias por meio de mutirões autogestionários com financiamento público e mão de obra das próprias famílias no controle e execução das obras.
Em geral, são as dificuldades familiares e habitacionais anteriores, associadas ao sonho de se ter uma casa própria, espaço de autonomia, independência, liberdade, tranquilidade financeira e, no caso de famílias com filhos, possibilidades de oferta de melhores condições de vida aos filhos do que os pais tiveram, que levam à procura da Leste I.
Em vez de se analisar os movimentos de moradia e a participação de suas famílias apenas a partir de conceitos como cidadania, direitos e democracia, que em geral sempre pressupõem normatividades, idealizações e avaliações sobre como os movimentos de moradia devem ser e agir, quais seus alcances e limites, a descrição etnográfica atenta aos processos concretos mostra como eles são mais dinâmicos e incapazes de serem apreendidos apenas por esses conceitos ou de serem facilmente classificáveis e tipologizados.
As resistências dos movimentos de moradia são assim complexificadas ao considerarmos que são traduzidas em conflitos entre temporalidades distintas, nas quais o tempo subjetivo e variável de espera do atendimento, de participação das reuniões, de ocupações, manifestações e outras atividades combativas, são produzidos por e produzem reputações, atributos e moralidades da luta, tidos como indispensáveis para a conquista da casa própria por meio do movimento. Para tanto, questões relativas a parentesco, gênero, corpo e produção de pessoas tendem a ser acionadas para legitimar e justificar um engajamento longo e que exige muita perseverança.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Celina Moreira Mesquita Mercio Figueira (UFRJ), Rachel Aisengart Menezes (IESC/UFRJ)
Resumo: A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma doença rara hereditária autossômica recessiva, caracterizada pela não sintetização da proteína SMN1, crucial à manutenção das células motoras. No século XXI, é a condição genética com maior probabilidade de morte infantil, sobretudo na forma grave (tipo I), com sinais/sintomas manifestados antes dos seis meses e expectativa de vida de dois anos. Sem tratamento específico até 2016, a AME é destacada na mídia devido às gramáticas de direitos em torno do Zolgensma, terapia gênica da empresa Novartis. Aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em agosto de 2020 e capaz de modificar o DNA pela fabricação de um gene funcional, o acesso ao medicamento "mais caro do mundo" está afinado às reflexões sobre valor da vida humana, biopolítica dos nascimentos e constituição da família moderno contemporânea. A abordagem etnográfica do dossiê "O remédio de seis milhões e a pergunta: salvar uma vida ou a saúde pública?", produzido pelo portal UOL em julho de 2022, denuncia o valor econômico e emocional da criança no modelo de "família conjugal" monogâmica e formada por pai, mãe e filhos. Aplicada às doenças raras e deficiências, a reprodução estratificada endossa éticas seletivas, ao condicionar dinâmicas de família a assimetrias de cuidado referidas a ideários 'sustentáveis' de atenção à saúde. A lógica de eficiência autoriza a capitalização da vida em si, a disciplinarização e mercantilização do corpo feminino e seus produtos, por serviços e tecnologias dirigidos a nascimentos saudáveis. O viés antropológico feminista reforça os debates sobre governança reprodutiva e controle populacional, e ilumina regimes morais. As políticas públicas em torno da AME apontam a fragilidade e fluidez das definições de pessoa, parentesco e limites de vida, com base em discussões bioéticas de aborto, reprodução assistida e aconselhamento genético. A ênfase na linguagem numérica premissa da noção de raridade, de comprovação do investimento financeiro em medicamentos órfãos e da mortalidade não é acidental. Agrupados em esquemas de (des)investimento, as qualificações médico-Estatais hierarquizam as vidas, contraditam as teorias jurídicas de semelhança entre os seres e desvelam hiatos no caráter universal de cidadania. As economias discursivas de quantificação da AME instrumentalizam e obliteram trajetórias de família à margem das políticas reprodutivas, ao passo que justificam inequidades na distribuição de recursos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Clara de Assis Soares Nunes (UFPI)
Resumo: Este trabalho irá tratar sobre como foram retratados eventos críticos (Das, 2020) que permearam o surgimento da Ocupação Residencial Beira Rio, localizada na cidade de Teresina, no Piauí. Em Abril de 2023, poucos dias depois de cerca de quarenta famílias ocuparem um território que até então é propriedade da Prefeitura de Teresina, no Facebook do coletivo OPA que a ocupação está vinculada - em vídeo é relatado por uma liderança da ocupação, que durante o amanhecer as famílias foram surpreendidas por agentes da Prefeitura, promovendo despejo ilegal sem reintegração de posse ou ordem de despejo, A liderança é Taís, uma mulher cis, mãe e negra, diz que os agentes do estado se utilizaram de violência, destruíram as barracas, apreenderam os instrumentos de trabalho das famílias (destinados ao trabalho de limpeza do terreno da ocupação) e quando os moradores questionaram sobre esse ato, foram respondidos com deboche e racismo. Um dia após este evento critico (Das, 2020) as famílias da ocupação organizaram junto à OPA, sindicatos e coletivos políticos um protesto por direito à moradia que resultou na repressão policial e prisão de Taís, esse ato foi noticiado em portais jornalísticos regionais de Teresina. O cerne deste trabalho é a disputa de discursos políticos (e midiáticos) com base em duas matérias sobre o protesto da ocupação em contraposição ao que foi disponibilizado em uma plataforma de comunicação popular e colaborativa acerca do mesmo, e como meses após os moradores da ocupação decidiram criar um Instagram para comunicar os seus itinerários, mutirões em prol do território e mobilizações políticas. Para tanto, me utilizarei enquanto aporte metodológico e teórico Foucault (2008), Caldeira (2000), Deleuze (2006) Das (2020) Paterniani (2016, 2022), e Agier (2011)
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Claudia Wolff Swatowiski (UFU)
Resumo: Nesta comunicação, me proponho a examinar dinâmicas de produção da cidade partir de uma ocupação urbana localizada em Uberlândia, Minas Gerais, e organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Com base em pesquisa de campo de longa duração, discuto as transformações da paisagem (Ingold) considerando desde as ações empenhadas pelos ocupantes para estabelecimento de um loteamento em um terreno situado nas margens da cidade, passando pelas negociações em torno das possibilidades de uso dos 700 lotes que atualmente compõem a ocupação, até as dificuldades e tensões que atravessam a construção de espaços coletivos. Neste processo de fazer-cidade (Agier) em que os ocupantes são os principais agentes de produção do urbano, analiso as alianças e disputas entre diferentes atores sociais, especialmente agentes religiosos e movimentos sociais de luta pela moradia. Chamo a atenção para o entrelaçamento de pertencimentos, para as relações de gênero e para os múltiplos arranjos feitos diante de um conjunto de condições de possibilidade, que se apresentam e se materializam na paisagem ao longo desse processo de produção de um bairro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
FRANCISCO PEREIRA NETO (UFPEL)
Resumo: Nesta proposta pretendo refletir sobre os desafios que se colocam para os moradores do MCMV no processo de constituir as unidades habitacionais como lugares de moradia. Estes desafios envolvem, de início, se relacionar com a organização do espaço arquitetônico proposto pelas normas estabelecidas pela política habitacional, que a grosso modo seguem uma lógica condominial. Como o público alvo desta política pública são pessoas de famílias de baixa renda, algumas dificuldades se colocam, desde os compromissos com o pagamento de taxas de condomínio, de água e de luz; a ocupação de apartamentos, com uma área fixa definida, dificultando a adaptação dos espaços de moradia às necessidades decorrentes das transformações na vida das pessoas e de suas famílias; a presença de grupos de tráfico de drogas nos condomínios e a insegurança que a situação provoca. Esse estudo parte dos dados etnográficos produzidos em uma pesquisa em andamento sobre os processos de pós-ocupação de empreendimentos do programa habitacional Minha Casa Minha Vida (faixa 1) na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul.
Os condomínios populares, até por sua expressão quantitativa através dos investimentos do MCMV, passam a fazer parte da paisagem das regiões periféricas das cidades e se colocam como um espaço e uma lógica que compõe a criação das dinâmicas de habitação popular nas cidades brasileiras. Para tratar desta presença nos bairros periféricos, pretendemos abordar os condomínios como uma construção de ideias e valores objetivadas na edificação dos prédios de apartamentos, mas que expressa sua realidade ao ser inscrita num território, propondo definições de modo de vida, ao mesmo tempo que sofre resistências que abrem possibilidade para a redefinição nos elementos que revelam os modos de habitar nas periferias das cidades. Sua incorporação como espaço de moradia popular redefine espaços periféricos que se configuraram historicamente, predominantemente, através da lógica da autoconstrução em terrenos negociados ou ocupados em regiões de pouco interesse do mercado imobiliário. Os condomínios populares (ou de trabalhadores) como projeto de modernização das cidades estão presentes desde a primeira metade do século XX, porém, a abrangência do investimento do MCMV consolida essa presença nas periferias das cidades brasileiras, propondo mudanças na vida dos citadinos destas regiões. Diante desta nova condição das relações socioespaciais, nos perguntamos o que ela pode dizer sobre a conformação das cidades, os valores e os significados que a referenciam.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jéssica Neves Lôro (UERJ)
Resumo: Na cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, no nordeste brasileiro, a implementação de um grande projeto urbano adentrou a vida de moradores de 8 comunidades situadas na região da Avenida Beira Rio, ao longo do Rio Jaguaribe, a saber, o Programa João Pessoa Sustentável (PJPS). O PJPS é resultado de um empréstimo concedido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), juntamente com a Caixa Econômica Federal (CAIXA) e a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) e faz parte da Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES). Entre as atuações do Programa na área está a realocação de cerca de 700 famílias e a construção de novos conjuntos habitacionais. Assim como obras de urbanização como pavimentação, iluminação pública, drenagem e construção do Parque Linear do Rio Jaguaribe (BID, 2014; PMJP, 2022).
Neste trabalho, a partir de uma etnografia que está sendo realizada em uma das comunidades atingidas, busco construir analiticamente a ideia do habitar e neste caso também a possibilidade de remoção enquanto chaves para se pensar pobreza, violência, assim como a casa como objetivo e construção de vida. Algumas das famílias que estão marcadas para serem removidas vivem na comunidade há mais de 50 anos, passaram por um longo processo de construção e reconstrução de suas casas, saindo da taipa e chegando na alvenaria, em sua maioria possuem quintal com plantas e criação de animais e becos para passagem de ar, além de pequenos comércios na frente de algumas das casas.
Me inspiro nos textos de Veena Das para pensar o anúncio da remoção ou a sua possibilidade, enquanto um evento crítico (Das, 1995) no qual podemos pensá-lo como uma violência que ocorre em sua "descida" ao cotidiano (Das, 2020), no qual essas mudanças abruptas no cotidiano, também chamadas por Vianna e Magalhães (2019) de "desfazimentos da vida", geram uma incerteza em relação ao futuro e ao sentimento de pertencimento à comunidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia (UFS)
Resumo: A presente comunicação trata da experiência vivida junto à ocupação João Mulungu, localizada em um prédio da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no centro de Aracaju, capital de Sergipe. A ocupação é coordenada pelas famílias do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que desde março de 2022 sustenta no local a bandeira que enquanto morar dignamente for um privilégio, ocupar é um direito. A apresentação é centrada em observações e passagens junto às famílias, desde a entrada no prédio abandonado, com foco nos pontos de tensão surgidos nas assembleias (e as tretas diárias), mas também na camaradagem entre as famílias e na formação política dos militantes e moradores. Pretende abordar os desdobramentos da investigação policial, conduzida pela Polícia Federal, o desenrolar da ação judicial de reintegração de posse (e questões como a função social da propriedade, a lei do Despejo Zero, etc) e as tentativas de intimidação de moradores e apoiadores da ocupação João Mulungu. Busca discutir o cotidiano da luta do MLB por moradia digna e pelo direito à cidade, e como o movimento leva à prática suas propostas para a reforma urbana, seu questionamento à sagrada propriedade privada capitalista e seu confronto com a ordem estabelecida. Por fim, pretende também refletir sobre os desafios e embates surgidos durante a pesquisa em um contexto de aberta perseguição ideológica na administração pública e do uso dos recursos e instrumentos públicos na tentativa de criminalização dos movimentos sociais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luiz Henrique Prado Campos (UERJ)
Resumo: Este texto é fruto de uma tese em andamento e tem como proposta discutir processos de construção de puxadinhos em um conjunto habitacional. Aqui minha intenção é argumentar sobre a potência dos puxadinhos para pensar processos de produção da cidade a partir das transformações da casa e do cotidiano da vida doméstica. A partir de trabalho de campo etnográfico nos prédios do Conjunto Habitacional Maria Antonieta Mello Azevedo - popularmente conhecido como Conjunto Palmital - , localizado no município de Santa Luzia, Região Metropolitana de Belo Horizonte, o objetivo desta apresentação é a reflexão e desconstrução sobre a representação da ideia da ausência de planejamento nos processos de fazer cidade pelas camadas mais pobres, ideia essa historicamente presente nos estudos urbanos. Por meio da ênfase em trajetórias de arranjos familiares, reveladores de planos e projetos de vida que vinculam casa e trabalho na transformação do espaço urbano e suas dinâmicas, argumento que a construção de puxadinhos envolvem cálculos e negociações cotidianas sofisticadas revelando-os como parte dos planos de vida que fazem a cidade na relação entre a gestão da vida doméstica e a vida coletiva em conjuntos habitacionais. Configura-se assim uma paisagem urbana de convivência entre os planos da política habitacional e a vida social dessa política transformada pela autoconstrução, em um conjunto habitacional projetado e construído na transição dos anos 1970-80 pela Cohab-MG no seio das políticas de remoção de favelas de BH e da política habitacional do BNH.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcos Vinícius Guidotti Silva (UFSCAR)
Resumo: A periferia de São Paulo, ao cabo da história das ideias do urbano, foi descrita e pensada como um problema fundamentado no trinômio: loteamento irregular-clandestino/casa própria/autoconstrução. O tipo de negócio, de moradia e mão de obra inerentes a esse trinômio serviu de base para a produção dos objetos e descrições da pesquisa social em São Paulo, desde 1976. Dessa maneira, a habitação na periferia tem sido compreendida sob os termos da ilegalidade, precariedade e vulnerabilidade. No entanto, essa compreensão também fundamentou o desenvolvimento de políticas habitacionais como o Programa de Urbanização de Favelas que é apresentado como o que há de mais progressista no combate à vulnerabilidade e precariedade habitacional no Brasil. Contudo, tendo morado numa área de intervenção desse programa e realizando um trabalho de campo nessa área, compreendi que os moradores da periferia de São Paulo apresentam outros sentidos para suas habitações além da ilegalidade, precariedade e vulnerabilidade. Dessa maneira, proponho apresentar etnograficamente os sentidos da habitação e ocupação da periferia que as lutas por moradia de meus interlocutores e parentes me ensinaram. Também almejo passar a visão etnográfica de como o entendimento da habitação descrito por pesquisadores e urbanistas tem gerado complexidades para as lutas e para a habitação da população periférica de São Paulo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Alice Magalhães da Silva Batista (UFMG)
Resumo: Este trabalho, parte de minha dissertação, aborda a audiência pública de votação do Projeto de Lei 54/2021, de Belo Horizonte, que buscava proibir o uso da linguagem neutra nas escolas da capital, ocorrida em abril de 2023. Acompanhei o evento junto a integrantes do coletivo de mães de pessoas LGBTQIA+, Mães pela Liberdade, com as quais realizei minha pesquisa de mestrado. No presente trabalho, argumento como disputas em torno de gênero e sexualidade eram permeadas por estratégias discursivas similares adotadas por atores com posições distintas em relação ao assunto, os quais recorriam a categorias morais e emocionais semelhantes. A minha proposta é pensar como concepções de gênero formuladas naquele contexto estavam imbricadas a narrativas sobre direitos, moralidades e família, e como argumentos distintos recorriam a essas categorias para se fazerem ininteligíveis. A família era especialmente acionada, seja em falas em que a linguagem neutra era considerada uma ameaça a tal instituição ou sobre como ela era uma demanda de pessoas trans e seus familiares. Assim, abordo como nesse embate de ações e reações, gênero e sexualidade eram disputados a partir de categorias emocionais e morais que traziam a família e em minha pesquisa a maternidade de forma acentuada como instância central de legitimação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Carolina Lins Mendonça (UFPE)
Resumo: Este estudo busca o aprofundamento acerca da complexidade urbana brasileira através da análise e qualificação dos aspectos socioeconômicos, históricos e políticos que esculpiram a paisagem das cidades, com foco especial no contexto do Recife/PE e na atuação do Programa de Saneamento Integrado da Bacia do Beberibe (PAC-Beberibe). Investigamos como as mulheres beneficiárias desse programa percebem moradia e direito à cidade, destacando as questões de gênero presentes nessa experiência. A pesquisa discute, a partir das narrativas das mulheres, portanto, como a experiência de gênero opera as percepções e noções sobre moradia. Para alcançar esse objetivo, adotamos uma abordagem qualitativa e utilizamos uma perspectiva teórica de gênero para compreender nosso objeto de estudo. Além disso, combinamos diferentes fontes de dados, incluindo observação participante, análise documental, pesquisa bibliográfica e entrevistas semiestruturadas com seis beneficiárias do programa. A pesquisa também discute o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como uma resposta do governo brasileiro aos problemas de precariedade urbana. No entanto, ressalta que os projetos habitacionais do PAC, ao serem implementados em locais distantes dos centros urbanos, tiveram um impacto negativo, especialmente nas mulheres. Conforme apontado pelas interlocutoras, a implementação da política foi marcada por contradições, pois, embora tenha sido apresentada com o propósito de superar os níveis de precariedade urbanística, a subsequente realocação nos conjuntos habitacionais não assegurou a devida compensação e, de fato, dificultou as condições de moradia previamente identificadas na área de intervenção do programa. Conforme apresentado nos relatos das interlocutoras, o desejo de retorno às condições de moradia anteriores à implementação desta política evidencia uma ferida histórica que o PAC, através do eixo de Urbanização de Assentamentos Precários, objetivava reparar. Nesse sentido, para além de um desdobramento reflexivo das pesquisas anteriores (Mendonça, 2018; 2021), o resumo ora proposto emerge, por sua vez, em uma cadeia discursiva que aponta que cenários como este não são exceção, mas parecem permear as políticas urbanas brasileiras com recorrentes episódios de produção e de reprodução de precariedade, cuja consequência é a manutenção de uma experiência de casa e de cidade desestruturada e historicamente em crise. Como efeito, compreendemos - levando em consideração os impactos do PAC-Beberibe na vida de suas beneficiárias, nossas interlocutoras - que a perspectiva de gênero precisa compor e fundamentar o instrumental estruturante das políticas habitacionais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Michelle Lima Domingues (UFF)
Resumo: Esse trabalho é resultado dos projetos de pesquisa Lutas pela Moradia no Centro da Cidade, financiado pela National Science Foundation, finalizado em 2021, e Direito à moradia: os princípios político-pedagógicos de organização comunitária e de luta pela moradia popular na cidade do Rio de Janeiro, em andamento e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro. Por meio deles procurou-se compreender processos de luta pelo direito à moradia na cidade do Rio de Janeiro, em espaços imbricados por disputas pelo território, cujos demandantes, coletivamente organizados, são trabalhadores (as), em geral informais e precarizados. Tendo em vista importante cenário de correlações de força, pretendeu-se estudar, de forma comparativa, diferentes experiências de organização e resistência comunitária com a finalidade de nestes espaços permanecer, sob a perspectiva dos valores das famílias organizadas com este propósito.
A partir dos anos 2000, podemos perceber a inclusão de famílias de baixa renda como beneficiárias de programas habitacionais federais e para o caso que aqui interessa, mediadas por organizações do campo da reforma urbana, como movimentos sociais de luta pela moradia, entre outras, que no início dos anos 90 formularam a proposta de um Fundo Nacional de Moradia Popular, ao que se seguiu a proposição de um sistema de autogestão dos projetos de moradia de interesse social. Abriu-se a possibilidade de entendimento de ações regulares de intervenção social que requerem da sociedade civil organizada e famílias objetivadas nos projetos, a aprendizagem de novas habilidades e conhecimentos para o acesso a financiamentos mediados por diretrizes e normativas institucionais.
Proponho apresentar um dos casos etnográficos estudados para retratar esse processo de engajamento de um grupo de famílias para viabilização de uma vida digna na cidade do Rio de Janeiro, via participação no programa habitacional MCMV-Entidades. Esse grupo constitui o projeto Quilombo da Gamboa, localizado no bairro de mesmo nome e composto no ano de 2015 por 116 famílias beneficiárias, a maioria representada por mulheres. O projeto, cancelado no final de 2018 e reapresentado em 2023, deriva da ocupação Guerreiras Urbanas, surgida em 2006 em um prédio abandonado pela Companhia Docas do Rio de Janeiro, cujos integrantes constituem hoje parte do grupo de famílias que se reúne nos terrenos cedidos pela Superintendência de Patrimônio da União e pela Companhia de desenvolvimento Urbano da Região do Porto. O grupo foi originalmente representado pelos movimentos sociais União por Moradia Popular do Rio de Janeiro e Central de Movimentos Populares e pela ONG Centro de Defesa dos Direitos Humanos Centro Rubião. Atualmente é associado apenas à Central de Movimentos Populares.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Michely Alvarenga de Amorim (UNB)
Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa etnográfica realizada na região administrativa de Sol Nascente, localizada na periferia do Distrito Federal considerada a maior favela do Brasil, segundo dados do Censo do IBGE, realizado em 2022 , que teve como objetivo analisar algumas implicações que perpassam a luta e conquista da casa própria no referido contexto. Partindo da proposta de Michel Agier (2015:492) de pensar a cidade a partir de espaços precários à margem, tendo em vista que a forma ocupação tornou-se mundialmente uma das maneiras para os mais pobres de fazerem reconhecer seu direito de estar ali, busquei verificar questões que permeiam as dinâmicas de lutas coletivas por moradia e os efeitos da conquista sobre a vida das famílias beneficiadas. A análise inicia revelando o contexto de formação do Distrito Federal que se deu a partir de invasões e da marginalização das classes populares em cidades dormitório popularmente denominadas cidades-satélites e oficialmente designadas regiões administrativas. Em seguida trato sobre alguns modos pelos quais os interessados empenham-se na obtenção dos lotes e, como a conquista de um pedaço de terra repercute na vida dos membros da comunidade. Fato que nos possibilita refletir sobre como a destinação de lotes realizada pelo Estado não representa a garantia efetiva do direito à moradia; e, na sequência, destaco o modo pelo qual a obtenção/construção da casa própria pode assumir outros valores.
Por fim, diante da primeira conquista, por si só, se mostrar insuficiente para a concretização do sonho da casa própria, abordo sobre a efetivação da luta de algumas das minhas interlocutoras. Neste sentido, tratadas ao longo deste trabalho, as categorias lote, barraco e casa dizem respeito à processos de um mesmo elemento. Cabe destacar que, no decorrer do ensaio, a questão do parentesco transparece enquanto tópico sensível no que tange ao morar junto.
Em síntese, argumento que a obtenção da casa própria é aspecto central na vida das pessoas de baixa renda e que, para a realização desse projeto, ainda que por meio de política pública de habitação governamental, é imprescindível que uma série de redes sejam acionadas, dentre elas destaco a atuação de movimentos sociais de luta por moradia regionais e nacional (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Milene Morais Ferreira (UFPB), Flávia Ferreira Pires (UFPB), Marco Aurélio Paz Tella (PPGA/UFPB)
Resumo: O presente trabalho resulta de uma tese de doutorado em andamento, desenvolvida através do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba (PPGA/UFPB) com financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ). De modo geral, a tese tem como objetivo principal compreender como se constituem os espaços públicos voltados para o lazer infantil, desde a sua concepção estrutural até as práticas sociais dos grupos geracionais que os vivenciam, com ênfase nas crianças. Desse modo, pretende-se refletir sobre a produção social do espaço, a partir de uma geração que, apesar de não atuar no planejamento urbano, impacta diretamente nos espaços que são construídos nas cidades, mobilizando outras gerações de múltiplas formas. Neste recorte, abordaremos a relação do espaço público com o consumo, compreendendo que este aspecto direciona os sujeitos a certo tipo de vivência espaço-temporal e que esta também é ressignificada mediante a atuação. O objetivo é elaborar uma reflexão sobre a forma com que o consumo tem perpassado a experiência dos espaços públicos das cidades que são voltados para o lazer, principalmente no que se refere ao público infantil. A pesquisa de campo foi realizada no Parque Solon de Lucena, em João Pessoa, capital do estado da Paraíba. O parque, que também é conhecido como Parque da Lagoa, em decorrência da lagoa que acompanha sua extensão, fica localizado no centro da cidade, atraindo principalmente crianças e famílias que moram nas áreas periféricas, por serem os bairros mais próximos da região. Contudo, ainda consegue ampliar o alcance, em decorrência da facilidade de acesso ao espaço pelo transporte público que atua com várias linhas transitando por lá. Trata-se de uma pesquisa etnográfica, que conta com o aporte de registros em diário de campo, conversas informais com crianças e adultos responsáveis e observação participante, durante toda a programação elaborada em referência ao mês das crianças, em outubro de 2023. Consideramos, para a análise, as experiências das crianças que frequentam o espaço, bem como a de suas famílias. Os resultados preliminares apontam que os gastos relacionados à ida ao local tem sido um dos maiores empecilhos para o uso mais recorrente do espaço, tendo em vista os diversos dispositivos privativos que se encontram alojados em sua estrutura, cuja utilização está condicionada ao pagamento de uma taxa individual, o que significa que os parques públicos infantis parecem estar sendo moldados pela atividade econômica intrínseca às interações sociais presentes nos contextos urbanos, associadas às experiências de lazer das crianças.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nayara Alvim Machado (USP)
Resumo: Padre Júlio Lancellotti tem atuado por décadas como um ferrenho defensor dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade social, especialmente as que se encontram em situação de rua na capital paulista. Em sua atuação cotidiana e pública, a expressão da hostilidade à hospitalidade tem sido evocada recorrentemente para fomentar, em quem o acompanha, uma sensibilidade que seja capaz de perceber como as cidades podem ser agressivas às pessoas desde os seus detalhes e propor um novo olhar para a produção do espaço, que preze pelo valor de uso e não pela preeminência do seu valor de troca. Nessa perspectiva que impera a imposição do concebido sobre o vivido, o sacerdote questiona: esse sistema, o neoliberalismo, esse capitalismo liberal exacerbado, ligado à meritocracia, ligado à competição, isso não tem futuro, isso é de morte. E os pobres vão morrer. É o que o Papa Francisco chama de descartáveis. É uma população que está aí para morrer mesmo: é deliberadamente descartada pelo sistema. O religioso mobiliza ações cotidianas de assistência às pessoas em situação de rua na zona leste de São Paulo, onde atua como pároco, e também estimula o debate de garantia e cumprimento da função social dos espaços, tendo inspirado a criação de uma lei federal para coibir as instalações consideradas antipobres, que promovem a espoliação do uso das cidades por esses sujeitos tidos como indesejáveis. Além da regulamentação da Lei Padre Júlio Lancellotti em 21 de dezembro de 2022, foi lançado no dia 11 de dezembro de 2023 o Plano Ruas Visíveis Pelo Direito ao Futuro da População em Situação de Rua colocando a prioridade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania o enfrentamento a violação dos direitos das pessoas em situação de rua. Apesar dos desafios cotidianos para garantir este fim afinal, estamos num país cuja justiça preza sobretudo pelo direito de propriedade , o padre considera que a Lei e as suas ações públicas podem despertar nas pessoas um estranhamento para com a estratégias ocultas em torno das paisagens urbanas. Ao partir de tais considerações, o trabalho buscará refletir, por meio da etnografia, como as ações inscritas enquanto uma Pedagogia Urbana eventualmente podem produzir, por um lado, a conformação de políticas públicas de promoção do direito à cidade e, por outro, validar outras formas de viver a cidade a partir das condições de pessoas tidas como indesejáveis. Vislumbra-se ampliar as problematizações sobre as intenções e consequências da arquitetura hostil e da aporofobia na cidade de São Paulo, lócus do presente estudo, evidenciado um conjunto de situações concretas que são sintomáticas da tentativa de controle dos espaços urbanos e das pessoas vulneráveis, como aquelas que se encontram em situação de rua.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nina Acacio Oliveira de Souza (UFRGS)
Resumo: Essa apresentação tem como cerne uma discussão sobre múltiplas temporalidades no processo de construção de uma vizinhança, em um terreno híbrido, próxima da área Central da cidade de Santana/Amapá. Ao utilizar do material etnográfico que deu origem a minha dissertação de mestrado, lanço olhares para como as dinâmicas ligadas a autoconstrução das casas perpassa as relações entre vizinhos e, também, processos mais amplos de urbanização na Amazônia, em especial tratando das especificidades das cidades amapaenses. A partir das mudanças proporcionadas por uma intensa remodelação do espaço, das formas de socialidade e das materialidades das casas, compreendo que as alterações na paisagem dialogam com as histórias de vida das pessoas que habitam a região, participando de um processo contínuo de fazer-cidade (Agier, 2015), mas também de produção de outros sentidos para o que é a experiência urbana. Assim, o enfoque analítico dessa comunicação perpassa o entendimento dos modos de habitar espaços, casas e cidades em outros interstícios e representações, contribuindo, de algum modo, para um olhar mais apurado acerca das cidades amazônicas e sua gente.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paulo Henrique Ferreira de Freitas (UNB)
Resumo: Esta pesquisa identifica, corporifica e apresenta esboços de cartografias, narrativas e fotografias do espaço urbano sob as margens das praias periféricas de Fortaleza (CE) com foco na Praia do Poço da Draga. Parte de uma compreensão física e existencial do Atlântico Negro interpretado por pesquisadores (as) que se debruçam sobre a construção das diásporas negro - africanas para abordar experiências construídas e modificadas pela presença negra em cidades litorâneas, especificamente aqui, Fortaleza. A abordagem do campo de pesquisa foi realizada através da observação participante, realização de entrevistas e por meio de colaborações de jovens artistas negros (as) das areas da música, poesia e artes visuais de Fortaleza, que evidencia representações de sociabilidades, relações de pertencimentos e transgressões de jovens negros (as) na cidade e nos espaços urbanos. É possível nesta etnografia tornar visível um debate sobre juventudes negras em contextos plurais de suas experiências cotidianas em relação ao direito à cidade e mais especificamente, direito à praia e ao lazer, arte e cultura, não esgotado à interpretações sobre o genocídio da juventude negra como conceito estrito às violações de direitos em abordagens policiais, extermínio e encarceramento em massa praticados pelo Estado brasileiro contra jovens negros (as), mas preenchendo lacunas e silêncios em torno do racismo e suas estratégias de manutenção do poder nas grandes cidades brasileiras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Shirley Alves Torquato (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS), Beatriz Fernandes Coelho Gomes (UFF)
Resumo: Esta apresentação tem como objetivo construir uma reflexão sobre a importância e limites do trabalho técnico social na condução das políticas públicas voltadas para a habitação. O problema do déficit habitacional no Rio de Janeiro fato que remonta ao processo de urbanização do país é um dos grandes responsáveis e motivadores para se pensar as políticas públicas voltadas para a habitação de interesse social. Invariavelmente anunciados como grande solução de um problema social crônico de nosso país, em especial dos grandes centros como o Rio de Janeiro, projetos e programas de governo que têm como foco mitigar ou mesmo eliminar este problema, incorrem reiteradamente nos mesmos erros: pensam a habitação em separado das demais esferas sociais, e, consequentemente, os propósitos iniciais não são alcançados e, não raramente, são descontinuados, deixando todo o ônus à população que deveria ser assistida. O resultado que se observa é a periferização de espaços urbanos, levando determinados segmentos da população à uma segregação socioespacial que frustra, ou mesmo impede os cidadãos de exercerem seus direitos à cidade. Reforçando uma representação negativa construída pelos mais pobres com relação à cidade e ao poder público. A descontinuidade de políticas públicas nesse viés, uma tônica que perpassa todos os governos, reforça o sentimento coletivo de que os programas são sempre eleitoreiros, que nunca dão em nada, ou, ainda, que servem apenas para desperdiçar o erário público. A comunicação apresentada é fruto da observação participante advinda da experiência de trabalho vivenciada na Subsecretaria Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro, durante o ano de 2022, onde, exercendo o cargo de Técnico Social, as autoras trabalharam no programa do governo formulado com base na Lei Federal 11.888/2008, mais conhecida como Lei de ATHIS Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social. Neste trabalho, a discussão será baseada nas observações fruto de uma experiência no Trabalho Social em um programa habitacional do estado do Rio de Janeiro, que ocorreu nos anos de 2021 e 2022. Desse modo, a proposta que se segue é uma breve reflexão realizada a partir da experiência empírica exigida pelo cargo exercido e das atividades e observações derivadas do locus privilegiado no campo, a saber, um escritório central localizado na Subsecretaria de governo e em 22 escritórios distribuídos em 22 favelas da capital e da região metropolitana do estado, que reuniam diferentes outros profissionais com o intuito de realizar melhorias habitacionais em residências de famílias com baixo Índice de Desenvolvimento Social - IDS.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Thaís Teles Rocha (UFMG)
Resumo: Para além de profissionais do parto, as doulas têm se conformado como importantes agentes de defesa de um conjunto específico de direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Desde 2013, diversos estados e municípios brasileiros têm sancionado a Lei da Doula, que legislam permitindo sua entrada em hospitais e casas de parto. O escopo gravídico e puerperal, porém, não é o único contexto em que atuam. A doulagem pode ser estendida ao contexto da adoção, da fertilização in vitro, dos cuidados paliativos, do divórcio e até da morte. Apesar da amplitude da atuação nos mais variados contextos da reprodução ou de finalizações de ciclos de vida, a profissão ainda não é regulamentada. A doula trabalha durante jornadas imprevisíveis e incalculáveis. Isso significa que o chamado para um atendimento pode vir a qualquer momento do dia, durando longos períodos, muitas vezes sem intervalos para descanso. O tempo de um trabalho de parto é extremamente particular e pode variar de poucas horas a dias inteiros. A jornada de uma doula é fisicamente exauriente e emocionalmente complexa, por envolver forte vínculo empático com a pessoa que está sendo atendida.
O requerimento de leis e políticas públicas que garantam o exercício da profissão e o acesso à assistência de uma doula se faz necessária em decorrência de um cenário que ainda não reconhece a categoria como profissional da saúde, somado ao tenso cenário de violência e racismo obstétrico no Brasil .Tais desafios se tornaram mais ostensivos durante a pandemia de Covid-19, considerando o impedimento da entrada dessas profissionais nas unidades institucionalizadas de saúde, sob o pretexto de não fazerem parte da equipe essencial.
Os impactos da pandemia somados à precarização do acesso a direitos sociais amplificaram um processo já existente de reconfiguração das relações entre cuidado, gênero, raça, classe e mercado de trabalho formal. Seja pelo isolamento social justamente imposto pelas políticas sanitárias, e consequente sobrecarga de funções domésticas e de cuidado, seja pelo aumento da demanda de profissionais da saúde, impelido pela alta de casos de COVID-19, é imprescindível reconhecer que passamos (ou deveríamos ter passado) a admitir as profissões vindas das áreas de enfermagem, cuidado com idosos, bebês, crianças e/ou pessoas com deficiências, trabalho doméstico, dentre outras, como funções essenciais para a manutenção da vida em sociedade.
Este trabalho, portanto, busca contribuir com a discussão do acesso à saúde sexual e reprodutiva, por meio de políticas públicas, por meio de uma etnografia feita entre doulas, trabalhadoras e usuárias do SUS e da rede privada, dentro do contexto da mobilização pela aprovação do PL 3946/2021, que regulamenta a profissão e o acesso à doula, via SUS, em todo o país.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Williane Juvencio Pontes (UFPB)
Resumo: Modos de fazer cidade encontram complexificação com a emergência do digital no cotidiano dos citadinos, contribuindo para a produção de formas de ser e estar no urbano e a construção de espaços para diversas práticas, usos e sentidos. Como pensar o processo de construção e as representações de um espaço ermo transformado em lugar de moradia e pertencimento, resultado do ajustamento de códigos morais e emotivos e de projetos individuais e coletivos agenciados através de disputas e alianças, apoiando-se no entrecruzamento do digital e do presencial? Busca-se analisar um espaço urbano e sua fabricação enquanto lugar, fruto de uma produção simbólica, com base nas interações presenciais e digitais na configuração em torno do imaginário social sobre a Comunidade do Timbó, situada na zona sul da cidade de João Pessoa - PB. O Timbó é uma comunidade periférica consolidada nos anos de 1980, fruto de um processo de ocupação, considerado irregular pela prefeitura municipal, de um espaço vazio deixado de lado pelo planejamento urbano que estava em voga, sendo ocupado por uma pobreza sem casa, composta de homens comuns pobres, para a construção de moradia para se estabelecer na cidade. A proposta visa pensar uma comunidade urbana, construída como periférica e atualmente situada em uma área de valorização imobiliária, em relação com a cidade que integra, compreendendo modos de ser e estar, de transformar espaços em lugares de pertença e de disputas. A ênfase se apoia na continuidade entre o digital e o presencial enquanto instâncias que constituem a vida cotidiana, de modo a apreender os agenciamentos nas duas instâncias para a fabricação de um Timbó comunitário, um lugar de expressões de maneiras de viver e sentir na capital paraibana. A construção de um lugar Timbó é um processo contínuo em que moradores, frequentadores, mídia e prefeitura integram o jogo comunicacional, configurado por códigos morais e emotivos. As elaborações da mídia são articuladas no jornal impresso, televisão e plataformas digitais, é uma instância hegemônica na constituição de um imaginário sobre a comunidade. A prefeitura sistematiza produções no site oficial e em matérias na mídia, veiculando intervenções da administração pública no Timbó. São produtos de fora, daqueles que não estão inseridos e não compartilham do cotidiano local. Os moradores e os frequentadores utilizam, principalmente, a rede social Instagram, com a administração de perfis coletivos e de acesso público, elaborando produções de dentro, daqueles que participam do cotidiano e possuem um vínculo com o lugar. São construções que colocam representações em tensão, contrastando imaginários negativos e positivos em constantes negociações e disputas na produção de sentidos sobre o lugar.
Palavras-chave: Lugar; Sentidos; Digital