Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 036: Cidades: espaço construído e formas de habitar
Da Ocupação às Casas-Embrião: Projetos de Vida e Produção de Saúde na comunidade Nelson Mandela em Campinas-SP
A comunidade Nelson Mandela é um movimento social que reivindica o direito à moradia. O movimento começou em 2016, com a ocupação de um território sem função social no sudoeste de Campinas-SP. Após reintegração de posse em 2017, o movimento se rearticulou politicamente para uma nova ocupação, próxima ao Distrito Industrial. Entre 2017 e 2022, embora sempre pressionado por ameaças de reintegração de posse, o movimento conseguiu resistir e iniciar diálogo com o poder público municipal e a Companhia de Habitação Popular de Campinas, a Cohab, o que, em dezembro de 2022, culminou em um acordo para a materialização do Residencial Nelson Mandela e a entrega de casas-embrião (uma moradia de 15m², com banheiro e um cômodo) para cada núcleo familiar. Atualmente, são 105 famílias no Residencial.
Este trabalho é fruto de uma pesquisa etnográfica que se situa na interface entre a Saúde Coletiva e a Antropologia Urbana e na qual tentamos mapear práticas de cuidado à saúde criadas/mobilizadas pelos sujeitos que habitam esse território, para além das ofertadas pela rede de atenção à saúde municipal, e compreender sua articulação com os modos de vida e interação, com especial atenção aos modos de habitação e suas arquiteturas (dinâmicas espaciais).
Os resultados preliminares evidenciam produção expressiva de práticas de cuidado, realizadas de forma autônoma pelos sujeitos: práticas curativas por meio do uso de plantas medicinais; estratégias comunitárias de troca e compartilhamento (de alimentos, remédios, saberes terapêuticos etc.); estratégias de uso e regulação comum do espaço (criação de espaços de convívio, prática esportiva e lazer; acordos coletivos de zeladoria do território e manejo do lixo etc.); dentre outras.
Os resultados colocam em evidência também uma avaliação negativa da comunidade em relação aos serviços públicos de saúde. Denúncias de racismo, intolerância religiosa, estigma de peso, violência obstétrica, dentre outras formas de violência são frequentes na fala dos moradores.
O impacto da mudança para as casas-embrião é ambivalente. Ao mesmo tempo que representa a realização de um sonho e traz segurança para as famílias - eliminando os estressores relacionados à ameaça constante de reintegração de posse e perda de moradia -, produzindo assim ressonâncias positivas para a saúde das pessoas, a reorganização comunitária e o uso do espaço também implica em conflitos entre os sujeitos. Além disso, a arquitetura das casas e de sua distribuição espacial, planejada sem participação da comunidade, projeta uma territorialidade, favorecendo certos modos de interação entre as pessoas e entre elas e o ambiente que repercute na tendência à individualização do modo de vida, já estimulada pela tendência à desmobilização da vida política após a ocupação.