ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 036: Cidades: espaço construído e formas de habitar
“O sistema produz os pobres e depois quer escondê-los”: Disputas em torno do habitar as ruas paulistanas
Padre Júlio Lancellotti tem atuado por décadas como um ferrenho defensor dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade social, especialmente as que se encontram em situação de rua na capital paulista. Em sua atuação cotidiana e pública, a expressão da hostilidade à hospitalidade tem sido evocada recorrentemente para fomentar, em quem o acompanha, uma sensibilidade que seja capaz de perceber como as cidades podem ser agressivas às pessoas desde os seus detalhes e propor um novo olhar para a produção do espaço, que preze pelo valor de uso e não pela preeminência do seu valor de troca. Nessa perspectiva que impera a imposição do concebido sobre o vivido, o sacerdote questiona: esse sistema, o neoliberalismo, esse capitalismo liberal exacerbado, ligado à meritocracia, ligado à competição, isso não tem futuro, isso é de morte. E os pobres vão morrer. É o que o Papa Francisco chama de descartáveis. É uma população que está aí para morrer mesmo: é deliberadamente descartada pelo sistema”. O religioso mobiliza ações cotidianas de assistência às pessoas em situação de rua na zona leste de São Paulo, onde atua como pároco, e também estimula o debate de garantia e cumprimento da função social dos espaços, tendo inspirado a criação de uma lei federal para coibir as instalações consideradas antipobres”, que promovem a espoliação do uso das cidades por esses sujeitos tidos como indesejáveis. Além da regulamentação da Lei Padre Júlio Lancellotti em 21 de dezembro de 2022, foi lançado no dia 11 de dezembro de 2023 o Plano Ruas Visíveis Pelo Direito ao Futuro da População em Situação de Rua colocando a prioridade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania o enfrentamento a violação dos direitos das pessoas em situação de rua. Apesar dos desafios cotidianos para garantir este fim afinal, estamos num país cuja justiça preza sobretudo pelo direito de propriedade , o padre considera que a Lei e as suas ações públicas podem despertar nas pessoas um estranhamento para com a estratégias ocultas em torno das paisagens urbanas. Ao partir de tais considerações, o trabalho buscará refletir, por meio da etnografia, como as ações inscritas enquanto uma Pedagogia Urbana eventualmente podem produzir, por um lado, a conformação de políticas públicas de promoção do direito à cidade e, por outro, validar outras formas de viver a cidade a partir das condições de pessoas tidas como indesejáveis. Vislumbra-se ampliar as problematizações sobre as intenções e consequências da arquitetura hostil e da aporofobia na cidade de São Paulo, lócus do presente estudo, evidenciado um conjunto de situações concretas que são sintomáticas da tentativa de controle dos espaços urbanos e das pessoas vulneráveis, como aquelas que se encontram em situação de rua.