Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 036: Cidades: espaço construído e formas de habitar
"Só pode entrar quem for essencial" Desafios da regulamentação da profissão de doula no Brasil
Para além de profissionais do parto, as doulas têm se conformado como importantes agentes de defesa de um conjunto específico de direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Desde 2013, diversos estados e municípios brasileiros têm sancionado a Lei da Doula, que legislam permitindo sua entrada em hospitais e casas de parto. O escopo gravídico e puerperal, porém, não é o único contexto em que atuam. A doulagem pode ser estendida ao contexto da adoção, da fertilização in vitro, dos cuidados paliativos, do divórcio e até da morte. Apesar da amplitude da atuação nos mais variados contextos da reprodução ou de finalizações de ciclos de vida, a profissão ainda não é regulamentada. A doula trabalha durante jornadas imprevisíveis e incalculáveis. Isso significa que o chamado para um atendimento pode vir a qualquer momento do dia, durando longos períodos, muitas vezes sem intervalos para descanso. O tempo de um trabalho de parto é extremamente particular e pode variar de poucas horas a dias inteiros. A jornada de uma doula é fisicamente exauriente e emocionalmente complexa, por envolver forte vínculo empático com a pessoa que está sendo atendida.
O requerimento de leis e políticas públicas que garantam o exercício da profissão e o acesso à assistência de uma doula se faz necessária em decorrência de um cenário que ainda não reconhece a categoria como profissional da saúde, somado ao tenso cenário de violência e racismo obstétrico no Brasil .Tais desafios se tornaram mais ostensivos durante a pandemia de Covid-19, considerando o impedimento da entrada dessas profissionais nas unidades institucionalizadas de saúde, sob o pretexto de não fazerem parte da equipe essencial.
Os impactos da pandemia somados à precarização do acesso a direitos sociais amplificaram um processo já existente de reconfiguração das relações entre cuidado, gênero, raça, classe e mercado de trabalho formal. Seja pelo isolamento social justamente imposto pelas políticas sanitárias, e consequente sobrecarga de funções domésticas e de cuidado, seja pelo aumento da demanda de profissionais da saúde, impelido pela alta de casos de COVID-19, é imprescindível reconhecer que passamos (ou deveríamos ter passado) a admitir as profissões vindas das áreas de enfermagem, cuidado com idosos, bebês, crianças e/ou pessoas com deficiências, trabalho doméstico, dentre outras, como funções essenciais para a manutenção da vida em sociedade.
Este trabalho, portanto, busca contribuir com a discussão do acesso à saúde sexual e reprodutiva, por meio de políticas públicas, por meio de uma etnografia feita entre doulas, trabalhadoras e usuárias do SUS e da rede privada, dentro do contexto da mobilização pela aprovação do PL 3946/2021, que regulamenta a profissão e o acesso à doula, via SUS, em todo o país.