Grupos de Trabalho (GT)
GT 037: Corpo, reprodução e moralidades: disputas de direitos e resistência à onda conservadora
Coordenação
Naara Lúcia de Albuquerque Luna (UFRRJ), Rozeli Maria Porto (UFRN)
Debatedor(a)
Marcelo Tavares Natividade (NEPP-DH-UFRJ), Tatiane dos Santos Duarte (UNB), Rachel Aisengart Menezes (IESC/UFRJ)
Resumo:
O país continua sob impacto do avanço do conservadorismo no Estado e na sociedade. Embora as eleições para presidente em 2022 tenham arejado os embates, o discurso da defesa da família, restrita a um único modelo pouco mudou, sendo associado à defesa de liberdades individuais, como a de crença religiosa. Há mobilização após o desmonte das políticas públicas voltadas ao segmento LGBT e a direitos reprodutivos no governo anterior. Grupos conservadores cerceiam o debate público sobre questões referentes a gênero e sexualidade, englobado na categoria de acusação “ideologia de gênero”. Agentes religiosos envolvidos no aparelho de Estado e no Legislativo, além de empreendedores morais, especialmente do campo religioso, buscam influir na opinião pública e nas políticas de governo. O valor da liberdade individual é acionado para defender o direito da liberdade religiosa a fim de impor posições LGBTfóbicas e contra os direitos das mulheres, alegando a defesa da família. O GT pretende dar continuidade ao debate iniciado em anos anteriores na RBA, acolhendo trabalhos que problematizam as articulações entre diferentes moralidades, discursos religiosos e pânicos morais. Aborto, reprodução assistida, adoção por casais de mesmo sexo, transgeneridade, reconhecimento do nome social, parto humanizado, são questões de interesse. O objetivo é verificar percepções de sexo, gênero e família, sustentados no interior de tais tensões e impactos no acesso a direitos e às políticas públicas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Adriana Angerami (UFSC)
Resumo: Entre os meses de junho e setembro de 2023, acompanhei o cotidiano de duas escolas cívico-militares localizadas em Santa Catarina com o objetivo de sistematizar, a partir de dados sensíveis do cotidiano, que tipo de cultura escolar tem sido produzida nesses contextos, além de descrever de forma analítica as ritualísticas e representações morais que permeiam o respectivo programa. O Programa Nacional de Escolas Cívico-militares (Pecim) foi instituído durante o Governo Bolsonaro (2019 - 2022), em correlação a outras mobilizações e disputas em torno de políticas educacionais com fundamentos conservadores, a exemplo da reivindicação do modelo homeschooling, subtrair abordagens que considerem as religiões de matriz africana e cosmologias indígenas, reforçando o racismo religioso, o movimento nacional Escola Sem Partido que corrobora com o pânico moral em torno da ideologia de gênero e o debate e as proibições em torno da linguagem neutra nas escolas. Um aspecto comum entre esses movimentos é a maneira como a instituição família ganha centralidade e significado moral. Na própria regulamentação do Pecim, à família é destinado o papel decisório na aderência ao modelo cívico-militar, assim como para a gestão escolar e corpo docente. Nas interações cotidianas, os monitores-militares homens cis, oriundos da reserva das forças armadas brasileiras, interlocutores preferenciais da pesquisa passam a ser os mediadores entre a escola e a casa, representando os supostos interesses da família junto à escola e promovendo a assimilação de determinados "valores. Associada a esta atuação, a figura masculina do militar nas escolas, tomada como referencial de autoridade para o corpo discente, ganha contornos particulares: ora acionada como essencial para suprir eventuais lacunas familiares, reproduzindo uma certa concepção de família; ora tomada como o amigo da turma, figura acolhedora que escuta e dialoga. É possível notar que a concepção central de família acionada pelos interlocutores do campo vai ao encontro de uma lógica familista que reforça convenções de gênero heteronormativas refletindo, em alguma medida, na formação (ou manutenção) de mentalidades consonantes a um modelo de valores conservadores. As reflexões apresentadas neste trabalho buscam levantar subsídios que contribuam com os debates contemporâneos sobre as disputas travadas no campo educacional em interface com as mobilizações de caráter conservador, tendo como foco analítico compreender os sentidos e os usos da categoria família no contexto das escolas cívico-militares.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alessandra Brigo (Università Cà Foscari)
Resumo: A prática do aborto farmacológico existe desde antes da epidemia de COVID-19. No final dos anos 1980, o potencial abortivo do fármaco foi relatado no Brasil e foi adotado informalmente primeiro pelas mulheres e depois por profissionais de saúde em muitos outros países do mundo onde a interrupção da gravidez era ilegal. A partir do final dos anos 1980, o uso combinado de mifepristona e misoprostol começou a entrar nos protocolos adotados nos serviços de aborto em muitos contextos em que esse procedimento era legalizado. A metodologia farmacológica autogerida representa, nos tempos contemporâneos, o instrumento através do qual o processo de aborto está passando por uma trajetória de reapropriação de conhecimentos, experiências, narrativas e compartilhamento por pessoas grávidas em muitos contextos.
O acesso à interrupção da gravidez farmacológica em estabelecimento de saúde pode ser dificultado por uma série de barreiras. Por conta do isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19, alguns países onde o aborto já era legalizado optaram pela realização do aborto farmacológico, com o uso de misoprostol e mifepristona, na casa das mulheres.
A criminalização do aborto e a extrema dificuldade de acesso às vias legais na América Latina e Caribe coincidiram com o desenvolvimento de coletivas feministas que acompanham as pessoas gestantes que necessitam abortar. Graças ao trabalho dessas coletivas, o número de mortes maternas por abortos ilegais e inseguros diminuiu drasticamente ao longo dos anos. Diferentemente de outros contextos latino-americanos, as redes brasileiras de acompanhamento ao aborto operam em um contexto particularmente hostil e criminalizado.
A pesquisa indagou os efeitos da pandemia da COVID-19 no trabalho dessas coletivas com dados coletados a partir de entrevistas realizadas em 2021 com acompanhantes no Brasil. Apesar das dificuldades, as redes continuaram a operar durante a pandemia, criando comunidades online e permitindo o acesso ao aborto autogerido atraves do acompanhamento.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Álex Kalil Alves (UNIFESP)
Resumo: O avanço conservador no cenário político brasileiro, após as eleições presidenciais de 2018, foi marcado pela ascensão de movimentos conservadores e o acirramento de debates públicos sobre gênero, sexualidade e direitos reprodutivos. A presente proposta propõe uma investigação acerca dos avanços desses grupos no campo legislativo com projetos de leis que visam conter o avanço das políticas de gênero e sexualidade. Para isto, será apresentado um levantamento das proposições legislativas na Assembleia Legislativa de São Paulo, entre 2019 e 2022 que visam limitar os avanços de tais políticas. A partir deste levantamento, este trabalho propõe analisar a articulação de atores e categorias em tais proposições, identificando como o uso de categorias como as de ideologia de gênero e família são articuladas e ressignificadas por esses atores nestas proposições.
A análise realizada por este estudo identificou 34 projetos de lei com este teor e destaca uma série de temas recorrentes nessas proposições, incluindo restrições ao reconhecimento da identidade de gênero, oposição à educação sexual inclusiva. proibição de terapias de afirmação de gênero para menores, limitações ao uso de banheiros públicos conforme a identidade de gênero, a imposição de conceitos tradicionais sobre planejamento familiar e a contestação do uso de linguagem neutra ou inclusiva. Emerge também a preocupação com a "proteção do nascituro", refletindo tentativas de restringir direitos reprodutivos, inclusive o acesso a procedimentos de aborto legal. Este levantamento ajuda a compreender de forma abrangente como as noções de ideologia de gênero e família são reformuladas pelos parlamentares, revelando a complexa relação entre discursos e categorias advindas do religioso e a esfera legislativa. Este fenômeno a ser analisado por este estudo visa destacar a complexidade das estratégias políticas advindas dos setores conservadores da sociedade, suas articulações e estratégias para se inserir na disputa mais ampla pela agenda governamental dos Direitos Humanos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Anna Carolina Horstmann Amorim (UEMS)
Resumo: O campo de estudos sobre parentesco, em sua conexão com relações de gênero e sexualidade tem produzido, especialmente para os contextos urbanos contemporâneos, importantes discussões sobre famílias e parentalidades, sobretudo sobre as homo/lesbo/transparentalidades. É na esteira destas discussões que este trabalho se insere. Pretende pensar como, no seio de famílias formadas por mulheres lésbicas cisgenênero, se produz a dupla maternidade, ou seja, a maternidade partilhada por duas mulheres cisgênero. Atenta, em específico, para famílias lesboparentais e suas lutas para verem reconhecidas, com mesmo peso, legitimidade e legalidade, as duas maternidades. Neste sentido, analisa quais são os dispositivos implicados na mediação da produção destas dupla maternidades, com especial atenção ao Direito e suas normativas que determinam modelos e filiações possível e dispõem sobre outras regras que incidem sobre reconhecimento das maternidades, regras em grande medida heterociscentradas. Em especial, este artigo analisa o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro do dia 13 de março de 2024 a respeito da possibilidade de concessão de licença maternidade para mãe não gestante em relação de união estável com outra mulher, configurando, portanto, uma relação não heterossexual. A partir deste julgamento traçamos debates sobre famílias, e modelos heterociscentrados de família e filiação no Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fabiana Jordão Martinez (UFCat)
Resumo: Este trabalho é fruto de uma extensa pesquisa que desde 2015 vem mapeando os feminismos no ciberespaço, sua dinamica de atuação, segmentação em vertentes, bem como detectando o surgimento e crescimento de grupos auto intitulados feministas radicais (MARTINEZ, 2019; 2021).
Neste trabalho, analiso o movimento feminista crítico de gênero, seu crescimento, formas de mobilização e disputas em torno da categoria mulher. Movimento feminista crítico de gênero é uma uma categoria híbrida, êmica e ética, e uma estratégia metodológica para descrever um fenômeno ideológico e político amplo e pulverizado pelo ciberespaço. Em primeiro lugar, ela permite que seja feita uma distinção entre os diversos movimentos antigênero que têm surgido nos últimos anos, de caráter neo conservador que visam restaurar a diferença sexual como manutenção do status quo patriarcal (BIROLI, MACHADO e VAGGIONE, 2020) e aqueles que surgem no seio do movimento feminista, de caráter mais laico e progressista visando a autonomia das mulheres através da reconstituição da categoria mulher com base no sexo (corpo e diferença sexual) como forma do que acreditam ser a manutenção e proteção de direitos já conquistados. Em segundo lugar, esta categoria permite descrever um fenômeno, que embora intríseco ao Feminismo Radical, extrapola suas fronteiras, através de uma onda crescente e maciça de conscientização sobre a necessidade da reconstituição da categoria mulher como um sujeito político ontológico centrado na diferença sexual.
Em primeiro lugar, descrevo o movimento feminista crítico de gênero através do caso da página do Ministério das Mulheres na plataforma Instagram, que desde seu início tem sido alvo de uma da estratégia sob a acusação de de não se pautarem em uma definição precisa de mulher; ou ainda, sobre se esquivar em relação ao uso da categoria mulher ou menina em suas propagandas. Em seguida, analiso as disputas em torno da categoria mulher através da epistemologia que rege o movimento crítico de gênero, que seguindo a tendência da chamada virada materialista das teorias críticas irá operacionalizar uma disputa sobre a categoria mulher, tecendo críticas ao stablishment acadêmico, onde predominam o conceito de gênero, as teorias queer e pós estruturalistas. Analiso também as formas de mobilização e a dinâmica de atuação do campo e exploro os motivos do seu crescimento através das falas de ativistas em um survey aplicado em 2020. Por fim, exploro como as reivindicações e supostas colisões de direito estão sendo organizadas e pautadas pelo movimento através de alguns dos instrumentos produzidos neste campo e voltados a produção de políticas sociais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fatima Regina Cecchetto (FIOCRUZ), Jacqueline de Oliveira Muniz (UFF), Sandro Cozza Sayão (UFPE)
Resumo: O projeto de (in)segurança pública levado a cabo pelo Bolsonarismo é o tema desse artigo. Aqui, buscou-se acessar o sistema de ideias que fornece sentido para as práticas construídas no ponto de encontro entre gênero, família, religião e o regime do medo. Situa as tensões e disputas de sentido em torno dos avanços conquistados pelos coletivos feministas e da população LGBTQIA+. Explora os usos do binarismo de gênero, do neoconservadorismo religioso e da lógica tutelar hiperautoritária para a legitimação de projetos de poder antidemocráticos que insurgem no ideário político brasileiro. Tudo isso justificado por narrativas que falam em nome de valores familiares e que põem em circulação uma ordem social particularizada pela moral e pelo bons costumes da entidade genérica família brasileira com suas marcas branca, cristã, patriarcal e heteronormativa. Uma narrativa que instrumentaliza como necessária a cruzada vigilante dos bons contra os maus e, por sua vez, o recrudescimento da violência e da barbárie contra os sujeitos sociais historicamente colocados no final da fila de ingresso no cercado da cidadania tutelada. Em especial, aqueles que são inscritos e se reconhecem nas agendas públicas ligadas à igualdade de gênero, diversidade sexual, questões indígenas e raciais, defesa social e proteção da dignidade humana. No trânsito argumentativo aqui proposto, ressaltamos o que nos parece ser uma manobra política astuta: permitir que a certos grupos deformarem a concepção de segurança pública como um bem coletivo em uma visão particularista da proteção, zoneando-a a um determinado contexto ideológico em cujo eixo gravita a desfiguração da democracia e do próprio Estado de Direito.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gleisson Roger de Paula Coêlho (UFMT)
Resumo: Assumir-se gay ou bissexual, não é algo simples, afinal diferentemente de pessoas que se relacionam com alguém do mesmo sexo, não é preciso sair do armário e muito menos que sejam discretas para não correrem o risco de serem excluídas seja em seu ambiente familiar ou social. Porém, antes de assumir uma orientação afetiva sexual que não a heterossexual perante a sociedade é necessária a autoaceitação, em que se manifestam episódios de dúvidas, crises, isolamento, perspectivas de cura. Dessa maneira, estratégias em torno do segredo sobre a orientação afetiva sexual e/ou relação conjugal, como o fato de não frequentar o meio gay, podem contribuem de alguma forma para a construção de uma imagem pública de respeitabilidade e autoaceitação. Entretanto, pensar em questões como homoconjugalidade e casamento entre pessoas do mesmo sexo, em um país que existe uma lacuna legislativa, é algo que merece atenção, afinal tal vínculo afetivo-sexual, além de desafiar uma heterossexualidade compulsória, faz com que seja necessária uma nova perspectiva para compreender essas relações sociais, que sempre estiveram presentes, mas que por motivos diversos foram ignoradas. E ainda que não exista no Brasil uma lei que possibilite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como a aprovada na Argentina, em 15 de julho de 2010, depois do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132/2008 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277/2009 do Distrito Federal, em 05 de maio de 2011, tornou-se possível a celebração do casamento, que entre 2013 a 2021 somavam 66.514 (sessenta e seis mil, quinhentos e quatorze) casamentos entre cônjuges do mesmo sexo. Assim, inicialmente se abordará questões relacionadas ao reconhecimento da possibilidade do casamento entre casais do mesmo sexo, posteriormente se trará alguns dos resultados de minha pesquisa de mestrado realizada na capital de Mato Grosso entre 2020 e 2022, com homens em relações afetiva/sexual com alguém do mesmo sexo, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso UFMT, e por fim, analisar o PL 5167/09, apensado ao PL 580/07, que visa proibir a celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Trata-se de um recorte de um estudo etnográfico realizado em Cuiabá/MT, complementado com a analise da legislação e literatura pertinentes ao tema.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Rodrigues Vieira (Psicóloga), Rogerio Lopes Azize (UERJ), Marina Fisher Nucci (UERJ)
Resumo: Em 2016, um acontecimento científico no Brasil ganhou notoriedade ao redor do mundo: o primeiro caso de nascimento após um transplante de útero. Além da gestação e de um artigo publicado no The Lancet pelos pesquisadores, o procedimento de caráter experimental gerou também debates importantes sobre o tema: do imenso fascínio biotecnológico a duras críticas éticas. O procedimento, voltado para mulheres que nasceram sem útero, já ocorreu em outros países, mas o Brasil foi pioneiro ao utilizar o útero de uma doadora falecida e por ter alcançado um nascimento após o transplante.
Nosso objetivo foi identificar e analisar artigos científicos que vêm sendo publicados no Brasil e no mundo, que abordam o caso do transplante uterino realizado por uma equipe de pesquisa brasileira. Analisamos como estes discursos se constituem, como se posicionam no campo das novas tecnologias reprodutivas.
Selecionamos 13 artigos, por sua grande relevância no campo médico-científico, e os documentos foram localizados no PudMed, através da combinação entre os termos Transplant, Uterus e Brazil. Partimos da perspectiva dos estudos sociais da ciência e identificamos um crescimento significativo das publicações dos últimos 10 anos, o que nos parece ser animado pelos resultados considerados positivos dos ensaios clínicos que vêm sendo conduzidos.
Tratando-se de uma tecnologia ainda experimental, os artigos tendem a retomar o que nos soa como os mitos de origem do procedimento, recuperando historicamente as primeiras tentativas de transplante, as técnicas utilizadas e aplicando os critérios de sucesso cirúrgicos. O ufanismo científico que surge nas publicações anuncia o procedimento como o começo de uma nova era, apontando para uma revolução na lida com questões de tecnologia reprodutiva e apresentado também como uma esperança aos corpos sem útero. É constante também o debate sobre a dimensão ética deste tipo de transplante efêmero, já que o útero transplantado é retirado logo após o nascimento do bebê. Nesta direção, o debate envereda para os limites de intervenções que não tem como objetivo a extensão da vida, lançando mão do valor nebuloso da qualidade de vida.
A noção de natureza enquanto algo instável que precisa ser produzida ou assegurada pela medicina coloca em voga um tensionamento entre noções de natureza e artifício, que vislumbra outros caminhos para as denominadas novas tecnologias reprodutivas. A escolha pela maternidade através de um processo biológico desenvolvido dentro do próprio corpo destaca um uso da ciência que se ancora em argumentos morais. A problemática que se coloca nos remete aos limites borrados entre natureza e cultura e ao valor atribuído neste contexto à experiência de uma gestação (termo êmico).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Kallile Sacha da Silva Araújo (UFRN)
Resumo: Este artigo versa a respeito da destransição de gênero da ex-travesti Catty Lares, considerando para tanto, o atravessamento religioso como mobilizador do processo destransicional, a partir do discurso de encontro e noivado com Cristo. Nesse diapasão, busco arquitetar possibilidades teóricas para pensar tal experiência, a partir da etnografia realizada no ciberespaço, com a costura teórica que atravessa as temáticas de gênero, travestilidade, corporalidade, violência, biopoder e suas categorias conceituais tangenciais.
A escolha metodológica da etnografia no ciberespaço reforça a utilização das imagens registradas no Instagram e vídeos publicados diariamente para fornecer a perspectiva imagético-descritiva da mudança, atrelada aos discursos do neopentecostalismo, percebendo como essa destransição chega à plataforma, sob a forma de quais discursos esse processo é trazido a público e quais as implicações de poder e/ou religiosas estão embaraçadas nisso.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Larissa Maués Pelúcio Silva (UNESP)
Resumo: Nesta apresentação discuto a menstruação como um tema tecnopolítico, considerando formação de grupos de ativismo menstrual em países sul-americanos e o crescente extrativismo de dados biológicos e fisiológicos que ocorre por meio de aplicativos móveis para o monitoramento do ciclo menstrual. O campo investigativo desdobra-se em uma etnografia de plataforma e multiterritorializada com frentes digitais e outras presenciais no território. No ambiente online a atenção investigativa recai sobre o Flo Period & Ovulation Tracker, aplicativo para o controle menstrual, um dos mais populares menstruapps do mercado, soma-se à observação participativa no perfil na plataforma Instagram do projeto colombiano Escuela de Educación Menstrual Emanciapadas, dedicado à educação e ao ativismo menstrual. Emanciapadas deriva de outro projeto, o Princesa Menstruantes, ambos pensados como espaço de produção de conhecimento sobre menstraução e saúde de pessoas que menstruam. A menstruação é tratada em sua dimensão política, decolonial e emancipatória, a partir de cursos, apostilas e realizacão anual do Encuentro Latino Americano de educación, salud y activismo menstruales. Além de acompanhar sistematicamente as atividades dos citados projetos, realizo imersão descritiva na arquitetura do Flo a fim de compreender quais são os valores de gênero, sexualidade e saúde com os quais operam. Os dados obtidos até o momento estão sendo analisados e discutidos a partir dos aportes dos estudos feministas, dos estudos de gênero e dos estudos de plataformas, informados por discussões decoloniais sobre extrativismo de dados e datificação da vida, inspirada na Teoria Ator-Rede.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lorena de Brito Marcelino Pereira (UFMG), Paula Rita Bacellar Gonzaga (UFMG)
Resumo: Discutir aborto no Brasil é sinônimo de intensas e calorosas disputas narrativas, devido ao conservadorismo dominante em nossa sociedade. Apesar disso, o aborto mantém-se como uma das principais causas de morte materna no país (BRASIL, 2021). Essa questão não é diferente quando se trata da interrupção prevista em lei, regulamentada desde 1940, por meio do decreto de lei nº 2.848, que prevê o aborto em caso de estupro e risco de vida para a gestante. Contudo, é apenas na década de 80 que o primeiro serviço público de aborto legal é inaugurado no país (SOARES, 2003). Já nos anos 2000 surgem as notas técnicas que regulamentam estes serviços, são elas a de Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes (2012) e Atenção Humanizada ao Abortamento (2011). Esses documentos também trazem importantes orientações sobre como deve se dar a prática dos profissionais nesses espaços, frisando a necessidade de realizar uma escuta ativa e manter uma postura acolhedora, sem julgamentos e juízos de valor. No entanto, o dia a dia nesses equipamentos tem se mostrado distante dessas normativas, apresentando uma assistência permeada por moralismos, julgamentos, falta de capacitação e conhecimentos acerca dos documentos legais (MOREIRA et al., 2020; SILVA et al. 2020; GONZAGA, 2022). Este trabalho visa discutir sobre a prática de trabalhadores de um serviço de referência para o abortamento legal na cidade de Belo Horizonte, a partir de uma experiência de estágio supervisionado de psicologia. Para isso, iremos nos debruçar sobre os diários de campo, produzidos pelas alunas, durante a disciplina, utilizando-se das lentes do feminismo negro e da psicologia feminista. Nestes diários foram registradas falas, cenas e acontecimentos da rotina de trabalho do local. Elegemos duas situações, onde é evidente a suspeição, por parte de trabalhadoras, em relação aos relatos das mulheres que buscam atendimento. A partir da análise desses materiais foi possível identificar discursos moralistas em relação a escolha da mulher pelo aborto e, principlamente, descrença sobre as falas das pacientes, indo de encontro a outros estudos já realizados sobre a questão (LIMA, 2015; LOPES, 2022). Essas condutas punitivistas podem ser lidas como violências institucionais cometidas em espaços de saúde que deveriam exercer o cuidado e o acolhimento. Acreditamos que este comportamento é um reflexo da maneira como temos tratado o aborto no Brasil. Sendo necessária e urgente a busca por capacitação desses profissionais sempre alinhada com a luta pela legalização e descriminalização do aborto em nosso país.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Magna Karol Alves de Paiva (UFPR)
Resumo: O avanço do conservadorismo no Brasil cerceia debates públicos de gênero, direitos sexuais e reprodutivos e dos movimentos LGBT. Nos espaços das mídias digitais e redes sociais, crescem polarizações e divergências, pelos grupos pró vida, de um lado, que são contra o aborto, utilizando estratégias de pânico moral para pautar o aborto legal e ilegal no Brasil. De um outro, temos os pró aborto, que lutam para que as mulheres tenham autonomia para decidir sobre o seu próprio corpo, ter acesso ao aborto legal garantido pela lei, e que o aborto seja descriminalizado e legalizado no Brasil. Ambos movimentos, utilizam das mídias digitais e redes sociais para divulgação e compartilhamento sobre o aborto. Porém, evidenciamos que os movimentos a favor do aborto utilizam métodos com base na ciência e na garantia do acesso aos direitos das mulheres, que compreendem, o acesso ao aborto legal sem estigmas e com segurança. Com base nisso, o ativismo digital a favor do aborto se fortaleceu e formou redes com ativistas na causa do acesso ao aborto legal e ilegal. Buscando ajudar as mulheres a acessarem ao aborto de maneira segura e confiável. Tentando mediar o acesso frente a omissão do Estado ao aborto legal. Usando as mídias como ferramentas para ajudar as mulheres a conseguirem realizar o aborto legal. Essas redes utilizam técnicas de compartilhamentos, publicações e campanhas para falar do aborto com base em dados científicos e que consigam chegar as mulheres do Brasil, como de todo o mundo. Diante disso, a questão central desse trabalho é entender como essas redes utilizam de estratégias morais para pautar a descriminalização do aborto no Brasil. Partindo do pressuposto, que esses sites e redes são performativos, já que oferecem uma estrutura conectiva que as conduz na rede, mostrando suas sociabilidades e moralidades. Essa rede ela envia pílulas abortivas, como compartilha notícias, atualizações sobre o aborto cientificamente respaldado, e ajuda as mulheres a realizarem o aborto medicamentoso seguro via telemedicina. Compreendendo que essa rede se alia as outras via Twitter, Instagram para pautar o aborto legal e ilegal de forma segura. Com base nos relatos produzidos pelas mulheres nessa rede, serão analisadas as experiências sobre o aborto, repertórios e negociações que essas mulheres buscaram para realizarem o aborto, e como essa rede utiliza de estratégias morais para debater o aborto nas mídias digitais e redes sociais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nathália Pacífico de Carvalho (UFMG), Guilherme Lamperti Thomazi (USP), Cristiane da Silva Cabral (USP)
Resumo: O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking dos países com maiores índices de violência letal contra pessoas trans e travestis no mundo, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Os atos e expressões de violência constituem uma ameaça real em todos os domínios da vida dos indivíduos que não se conformam com as normas cis-heteronormativas enraizadas na sociedade, desde assassinatos, insultos, a restrições de acesso a espaços públicos e privados. A juventude engloba um período de múltiplos processos, incluindo a auto-descoberta, a experimentação sexual e emocional, a construção da identidade, a educação e a possibilidade de entrar no mercado de trabalho, entre outros. Esse trabalho tem como objetivo analisar as experiências e formas de violência que vitimizam jovens trans, travestis e não-binários em diferentes centros urbanos do Brasil. Os dados são provenientes do estudo multicêntrico "Jovens da era digital", realizado em 2022, e que entrevistou 194 jovens de 16 a 24 anos em 4 capitais brasileiras: Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo a respeito de suas trajetórias afetivo-sexuais, práticas contraceptivas e experiências reprodutivas. A pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e os respectivos comités de ética em investigação afiliados às instituições participantes. O corpus deste estudo é constituído por entrevistas realizadas com duas mulheres trans, uma travesti, dois indivíduos não-binários, um homem trans e uma pessoa com fluidez de gênero - definições fornecidas pelos participantes. Dentre os participantes, três relataram ter sido vítimas de violência sexual praticada por parceiros, familiares ou desconhecidos. A violência intrafamiliar foi narrada por cinco dos sete indivíduos entrevistados, manifestando-se em ameaças de expulsão, restrição de liberdade, vigilância e desrespeito aos nomes ou pronomes escolhidos. O medo de discriminação por parte das famílias dos parceiros das pessoas entrevistadas também surgiu, levando a situações como a não aceitação dos parceiros trans pela família do parceiro e a imposição de sigilo na relação. Durante a juventude, os grupos de pares assumem maior importância nas interacções sociais, sendo o espaço online uma das formas de se ligarem. Jovens trans relataram encontrar na internet, contudo, uma "terra sem lei", onde se tornam alvos de interações extremamente violentas relativas às suas existências. Dentro das vivências dos jovens trans, o medo e a violência são realidades quotidianas constantes. A família é percepcionada como um ambiente inóspito marcado pela pouca ou nenhuma aceitação das suas identidades.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paula Andréa Gomes Bortolin (UNICAMP)
Resumo: Essa pesquisa tem como recorte empírico a atuação do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) do Governo Bolsonaro. Centramos nossa análise no desempenho e nas formas de apresentação desse órgão, tendo em vista que é nessa arena que a moralidade relativa à categoria de família e seus correlatos (sexualidade, identidade de gênero e reprodução) é amplamente manejada. Dessa forma, propomos analisar a intersecção entre moral e política, a fim de compreender como essa última organiza e é organizada pela categoria de família. À vista disso, descreveremos e analisaremos as estratégias utilizadas por esse órgão federal para implantar uma noção de família conservadora como um ponto regulador dos direitos humanos no Brasil. O mapeamento das ações e dos discursos efetuados pela instituição evidenciou que a organização do campo dos direitos humanos, por meio da centralidade dada às relações familiares, foi uma potente estratégia para promover no Executivo Federal uma política antigênero. Em outras palavras, apontamos que a promoção dos vínculos familiares nas políticas e ações criadas pelo governo Bolsonaro produziu um esvaziamento do debate institucional acerca de temas que rompem com a noção tradicional de família, como a desconstrução dos papéis de gênero, a promoção da diversidade sexual e de gênero, e a descriminalização do aborto. Apesar da derrota de Bolsonaro à reeleição, o bolsonarismo avançou no Congresso Nacional com o auxílio da eleição de um número significativo de candidaturas vinculadas às pautas conservadoras e de extrema-direita. Nesse sentido, pretendemos discutir as contribuições deixadas pelo MMFDH ao ativismo conservador, atuante na arena política, contrário às demandas de gênero e à diversidade sexual.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Priscilla Braga Beltrame (UFPE), Marion Teodósio de Quadros (UFPE)
Resumo: O trabalho a ser apresentado é um dos resultados da pesquisa de doutorado realizado no Programa de Pós-Graduação de Antropologia da UFPE, com orientação da profa dra Marion Teodósio Quadros, no grupo de pesquisadores(as) do FAGES (Núcleo de Família, Gênero e Sexualidade). A apresentação no GT e o artigo submetido têm por base a referida tese, com o recorte específico das percepções de gênero de grupos conservadores e seu impacto para o acesso das mulheres aos direitos de cidadania. Estudos a respeito da criminalização do aborto comprovam que essa política, além de não funcionar para a redução do número de abortos, é responsável pela alta da taxa de mortalidade materna e falta de respeito à autonomia sexual e reprodutiva das mulheres, sendo um obstáculo para o acesso aos direitos de cidadania. Sabe-se ainda que a manutenção da criminalização do aborto, devido à pressão no poder legislativo de políticos representantes de propostas da extrema direita atreladas a uma noção de religião fundamentalista, tem a intenção, por meio do controle da sexualidade e da reprodução das mulheres, de obter poder político e econômico em uma articulação entre elite econômica e grupos fundamentalistas religiosos. Na etnografia realizada o objetivo foi de apresentar as narrativas das trajetórias de aborto ilegal de mulheres residentes na cidade do Recife-PE. Foi construída com base em trabalho de campo na região metropolitana do Recife, ao longo de três anos (2000 a 2022), com mulheres com faixa etária entre 20 e 40 anos. A pesquisa foi realizada no contexto de aumento de conservadorismo e de tentativas de criminalizar os permissivos legais existentes, ampliando a criminalização e a negatividade que o aborto representa para a maior parte da sociedade brasileira. Por outro lado, as interlocutoras da pesquisa, mesmo em um contexto de ilegalidade da prática, decidiram interromper a gestação indesejada e, nas suas narrativas, demonstraram uma possível discordância do modelo de gênero hegemônico de maternidade (caracterizado pela maternidade compulsória), entendendo a maternidade como uma escolha. Uma das conclusões da pesquisa realizada no que diz respeito ao avanço de uma perspectiva conservadora é que o aborto enquanto prática cultural, tem como uma das bases de sua criminalização a falta de respeito à pluralidade cultural dos modelos de gênero, especialmente no que tange à maternidade e, consequentemente, da falta de respeito aos direitos de cidadania das mulheres. A proposta da participação no GT é de compartilhar alguns dos resultados da pesquisa com outras(os) pesquisadores(as) da área, especificamente do avanço do conservadorismo relacionado aos direitos reprodutivos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Stephania Gonçalves Klujsza (UFRJ), Jaqueline Teresinha Ferreira (UFRJ)
Resumo: Este trabalho diz respeito aos dados de pesquisa de pós-doutorado em andamento pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tem como tema a formação médica na residência em obstetrícia em duas maternidades públicas na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo é analisar como a formação do médico impacta na assistência e, consequentemente, no acesso aos direitos reprodutivos, levando em consideração o recorte de raça e classe. A pesquisa busca compreender como a formação de jovens médicos impacta na compreensão destes em relação ao cuidado, à humanização da assistência, violência obstétrica, altos índices de cesárea e a vacinação contra Covid-19 em gestantes. A metodologia desse trabalho conta com observação nas maternidades das reuniões clínicas, eventos internos e entrevistas com os residentes. Os achados pertinentes até agora apontam que os residentes reconhecem as inequidades nos serviços de saúde e buscam estar de acordo com as melhores práticas recomendadas pela OMS, mas esbarram em questões institucionais que consequentemente se apresentam como uma barreira para a efetivação de direitos das mulheres. Reconhecem as práticas compreendidas como violência obstétrica e a repudiam, no entanto, questionam os limites que a estabelecem. Outro achando interessante diz respeito ao incomodo apresentado pelos residentes com a relutância persistente das usuárias do serviço em aderirem a vacinação contra a Covid-19. Além disso, reconhecem que a melhoria da assistência durante o pré-natal, o consentimento livre e esclarecido para a realização de intervenções e a comunicação entre médico e paciente são as principais ferramentas para a melhoria do cuidado e da experiência das mulheres e meninas. Dessa forma, a formação do médico e a responsabilização do Estado aparecem como pontos chaves para assegurar que a assistência ao ciclo gravídico puerperal se concretize de forma digna.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tifani Isabele de Fraga Medeiros (PPGAS UFRGS)
Resumo: O dispositivo intrauterino (DIU) com cobre é um método contraceptivo politicamente versátil e disputado em várias escalas de governança reprodutiva. Ele passou por várias redefinições a partir do anos 1960 sob a influência do Population Council, conselho do qual a pesquisadora Chikako Takeshita argumenta ser a coluna vertebral do dispositivo. A história de co-configuração de diferentes modelos de dispositivos, usuárias e tecnologias nos processos de desenvolvimento e de aprovação dos modelos levou em conta formas de gerir fluidos corporais como a menstruação - ora entendida como anormal sob a influência do DIU de cobre, por conta deste aumentar seu fluxo; ora outra, interpretada como desnecessária por mulheres designadas para serem usuárias do DIU hormonal, o qual suprime o fluxo menstrual. Os diversos testes clínicos com modelos de DIUs levaram em conta também outros indicativos centrais para a observação de sua eficácia e aceitação, como: fluidos correntes no canal vaginal, os quais indicariam inflamação pélvica, e fluidos invisíveis como o ferro na corrente sanguínea. Este último é ainda mais relevante pelo pressuposto de que mulheres da América do Sul são mais propensas a terem anemia, ao mesmo tempo que precisam ter sua fertilidade controlada. No Brasil, três médicos figuram no histórico de agenciamentos de disputas pela seguridade e aceitação do DIU: Anibal Faúndes, Elsimar Coutinho e Amaury Teixeira Leite Andrade. O primeiro, um dos fundadores do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e defensor da ampla distribuição de dispositivos intrauterinos. O segundo, personagem central da história dos métodos anticonceptivos e um dos desenvolvedores do DIU hormonal, propagando o argumento da inutilidade da menstruação. O terceiro, menos conhecido publicamente, mas figura chave, pois foi pesquisador da OMS em projetos sobre diversos modelos de DIUs por 24 anos, e um dos responsáveis pela testagem de alguns modelos europeus no Brasil, atuando a maior parte de sua vida em Juiz de Fora (MG). Este trabalho faz parte da minha pesquisa de mestrado, a qual baseio minha análise a partir dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia na interface com os estudos sobre gênero e sexualidade. A metodologia da qual utilizo é a etnografia de documentos, sendo minha principal fonte os artigos e ensaios biomédicos, assim como conferências, livros e entrevistas. O meu objeto de pesquisa é sobre como as disputas políticas permeiam as restrições e recomendações de e para usuárias do DIU de cobre no Brasil. Ao trazer à tona o trabalho dos médicos citados, pretendo situar o Brasil e a América Latina na relação entre as normas globais e locais de saúde, que interferem no acesso da saúde reprodutiva e na co-configuração de corpos, tecnologias e matéria.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Yuri Alexandre Estevão Rezende (UFMG)
Resumo: Este estudo é um recorte da minha pesquisa de doutorado em andamento, dedicada à investigação dos usos e efeitos políticos da homofobia enquanto categoria em diversas conjunturas e, consequentemente, por diferentes atores ao longo dos últimos anos no país. Na esteira de quase quarenta anos de produção socioantropológica sobre o tema, minha abordagem não visa construir ou reiterar abstrações conceituais, mas objetiva seguir etnograficamente a vida social da homofobia. Inspirado pela etnografia realizada por Abu-Lughod (2011) ao acompanhar a "vida social dos direitos" nos mundos das mulheres muçulmanas, meu interesse é compreender como a categoria (homofobia) é produzida e opera no cotidiano a partir de uma variedade de contextos, que incluem desde coletivos e movimentos LGBT+ a instituições do Estado, fontes documentais, eventos, manifestações, controvérsias públicas e o cenário político brasileiro. Este último, o plano da política, é o que anima a proposta deste texto, uma vez que, influenciado pelo processo metodológico delineado pela antropóloga Naara Luna (2017), busco analisar os discursos de deputados(as) sobre homofobia disponíveis no portal da Câmara entre os anos de 2018 a 2023. Dar atenção a essas narrativas pode proporcionar uma compreensão mais nuançada do modo como agentes políticos têm se apropriado, tensionado e mobilizado essa categoria através de gramáticas morais, políticas e religiosas às quais aderem. Meu argumento é que tais práticas discursivas não operam meramente em uma lógica de negação da existência da homofobia, mas na sua relativização como um problema menor ou pouco incidente no tecido social brasileiro, principalmente por parte de lideranças que se autodenominam conservadoras do Congresso Nacional. E, por conseguinte, nas tentativas destes parlamentares em escrutinar, esvaziar ou relativizar a categoria na sua dimensão política, conceitual e jurídica (conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal em 2019). A exemplo, a afirmação em plenário, em 2019, do então deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) de que não existe uniformidade nas definições empregadas para homofobia e transfobia. Assim, o que pretendo investigar neste trabalho é como deputados(as) estão empenhados(as) em contorcer, enquadrar e cooptar os sentidos e significados do conceito, ao mesmo tempo em que o condicionam ou o contrapõem a noções de liberdade de expressão, religiosa e na defesa da família. O intuito com isso é apreender como o termo tem sido inserido e manejado no terreno da política nacional, especialmente no que diz respeito às controvérsias públicas e aos pânicos morais em torno do gênero e das sexualidades.