Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 037: Corpo, reprodução e moralidades: disputas de direitos e resistência à onda conservadora
Suspeição e moralidades no atendimento a mulheres vítimas de violência sexual que optam por realizar a interrupção de gestação: reflexões a partir da experiência de um estágio em Psicologia
Discutir aborto no Brasil é sinônimo de intensas e calorosas disputas narrativas, devido ao conservadorismo dominante em nossa sociedade. Apesar disso, o aborto mantém-se como uma das principais causas de morte materna no país (BRASIL, 2021). Essa questão não é diferente quando se trata da interrupção prevista em lei, regulamentada desde 1940, por meio do decreto de lei nº 2.848, que prevê o aborto em caso de estupro e risco de vida para a gestante. Contudo, é apenas na década de 80 que o primeiro serviço público de aborto legal é inaugurado no país (SOARES, 2003). Já nos anos 2000 surgem as notas técnicas que regulamentam estes serviços, são elas a de Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes (2012) e Atenção Humanizada ao Abortamento (2011). Esses documentos também trazem importantes orientações sobre como deve se dar a prática dos profissionais nesses espaços, frisando a necessidade de realizar uma escuta ativa e manter uma postura acolhedora, sem julgamentos e juízos de valor. No entanto, o dia a dia nesses equipamentos tem se mostrado distante dessas normativas, apresentando uma assistência permeada por moralismos, julgamentos, falta de capacitação e conhecimentos acerca dos documentos legais (MOREIRA et al., 2020; SILVA et al. 2020; GONZAGA, 2022). Este trabalho visa discutir sobre a prática de trabalhadores de um serviço de referência para o abortamento legal na cidade de Belo Horizonte, a partir de uma experiência de estágio supervisionado de psicologia. Para isso, iremos nos debruçar sobre os diários de campo, produzidos pelas alunas, durante a disciplina, utilizando-se das lentes do feminismo negro e da psicologia feminista. Nestes diários foram registradas falas, cenas e acontecimentos da rotina de trabalho do local. Elegemos duas situações, onde é evidente a suspeição, por parte de trabalhadoras, em relação aos relatos das mulheres que buscam atendimento. A partir da análise desses materiais foi possível identificar discursos moralistas em relação a escolha da mulher pelo aborto e, principlamente, descrença sobre as falas das pacientes, indo de encontro a outros estudos já realizados sobre a questão (LIMA, 2015; LOPES, 2022). Essas condutas punitivistas podem ser lidas como violências institucionais cometidas em espaços de saúde que deveriam exercer o cuidado e o acolhimento. Acreditamos que este comportamento é um reflexo da maneira como temos tratado o aborto no Brasil. Sendo necessária e urgente a busca por capacitação desses profissionais sempre alinhada com a luta pela legalização e descriminalização do aborto em nosso país.