Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 037: Corpo, reprodução e moralidades: disputas de direitos e resistência à onda conservadora
Negociações e testagens em torno da seguridade do DIU de cobre no Brasil desde 1960 vistas a partir de uma perspectiva etnográfica
Tifani Isabele de Fraga Medeiros (PPGAS UFRGS)
O dispositivo intrauterino (DIU) com cobre é um método contraceptivo politicamente versátil e disputado em várias escalas de governança reprodutiva. Ele passou por várias redefinições a partir do anos 1960 sob a influência do Population Council, conselho do qual a pesquisadora Chikako Takeshita argumenta ser a coluna vertebral do dispositivo. A história de co-configuração de diferentes modelos de dispositivos, usuárias e tecnologias nos processos de desenvolvimento e de aprovação dos modelos levou em conta formas de gerir fluidos corporais como a menstruação - ora entendida como anormal sob a influência do DIU de cobre, por conta deste aumentar seu fluxo; ora outra, interpretada como desnecessária por mulheres designadas para serem usuárias do DIU hormonal, o qual suprime o fluxo menstrual. Os diversos testes clínicos com modelos de DIUs levaram em conta também outros indicativos centrais para a observação de sua eficácia e aceitação, como: fluidos correntes no canal vaginal, os quais indicariam inflamação pélvica, e fluidos invisíveis como o ferro na corrente sanguínea. Este último é ainda mais relevante pelo pressuposto de que mulheres da América do Sul são mais propensas a terem anemia, ao mesmo tempo que precisam ter sua fertilidade controlada. No Brasil, três médicos figuram no histórico de agenciamentos de disputas pela seguridade e aceitação do DIU: Anibal Faúndes, Elsimar Coutinho e Amaury Teixeira Leite Andrade. O primeiro, um dos fundadores do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e defensor da ampla distribuição de dispositivos intrauterinos. O segundo, personagem central da história dos métodos anticonceptivos e um dos desenvolvedores do DIU hormonal, propagando o argumento da inutilidade da menstruação. O terceiro, menos conhecido publicamente, mas figura chave, pois foi pesquisador da OMS em projetos sobre diversos modelos de DIUs por 24 anos, e um dos responsáveis pela testagem de alguns modelos europeus no Brasil, atuando a maior parte de sua vida em Juiz de Fora (MG). Este trabalho faz parte da minha pesquisa de mestrado, a qual baseio minha análise a partir dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia na interface com os estudos sobre gênero e sexualidade. A metodologia da qual utilizo é a etnografia de documentos, sendo minha principal fonte os artigos e ensaios biomédicos, assim como conferências, livros e entrevistas. O meu objeto de pesquisa é sobre como as disputas políticas permeiam as restrições e recomendações de e para usuárias do DIU de cobre no Brasil. Ao trazer à tona o trabalho dos médicos citados, pretendo situar o Brasil e a América Latina na relação entre as normas globais e locais de saúde, que interferem no acesso da saúde reprodutiva e na co-configuração de corpos, tecnologias e matéria.