Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 037: Corpo, reprodução e moralidades: disputas de direitos e resistência à onda conservadora
Entre ciborgues e deusas, a ficção da medicina: Uma discussão sobre transplante uterino no Brasil a partir de publicações científicas.
Em 2016, um acontecimento científico no Brasil ganhou notoriedade ao redor do mundo: o primeiro caso de nascimento após um transplante de útero. Além da gestação e de um artigo publicado no The Lancet pelos pesquisadores, o procedimento de caráter experimental gerou também debates importantes sobre o tema: do imenso fascínio biotecnológico a duras críticas éticas. O procedimento, voltado para mulheres que nasceram sem útero, já ocorreu em outros países, mas o Brasil foi pioneiro ao utilizar o útero de uma doadora falecida e por ter alcançado um nascimento após o transplante.
Nosso objetivo foi identificar e analisar artigos científicos que vêm sendo publicados no Brasil e no mundo, que abordam o caso do transplante uterino realizado por uma equipe de pesquisa brasileira. Analisamos como estes discursos se constituem, como se posicionam no campo das novas tecnologias reprodutivas.
Selecionamos 13 artigos, por sua grande relevância no campo médico-científico, e os documentos foram localizados no PudMed, através da combinação entre os termos Transplant, Uterus e Brazil. Partimos da perspectiva dos estudos sociais da ciência e identificamos um crescimento significativo das publicações dos últimos 10 anos, o que nos parece ser animado pelos resultados considerados positivos dos ensaios clínicos que vêm sendo conduzidos.
Tratando-se de uma tecnologia ainda experimental, os artigos tendem a retomar o que nos soa como os mitos de origem do procedimento, recuperando historicamente as primeiras tentativas de transplante, as técnicas utilizadas e aplicando os critérios de sucesso cirúrgicos. O ufanismo científico que surge nas publicações anuncia o procedimento como o começo de uma nova era, apontando para uma revolução na lida com questões de tecnologia reprodutiva e apresentado também como uma esperança aos corpos sem útero. É constante também o debate sobre a dimensão ética deste tipo de transplante efêmero, já que o útero transplantado é retirado logo após o nascimento do bebê. Nesta direção, o debate envereda para os limites de intervenções que não tem como objetivo a extensão da vida, lançando mão do valor nebuloso da qualidade de vida.
A noção de natureza enquanto algo instável que precisa ser produzida ou assegurada pela medicina coloca em voga um tensionamento entre noções de natureza e artifício, que vislumbra outros caminhos para as denominadas novas tecnologias reprodutivas. A escolha pela maternidade através de um processo biológico desenvolvido dentro do próprio corpo destaca um uso da ciência que se ancora em argumentos morais. A problemática que se coloca nos remete aos limites borrados entre natureza e cultura e ao valor atribuído neste contexto à experiência de uma gestação (termo êmico).
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