Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 037: Corpo, reprodução e moralidades: disputas de direitos e resistência à onda conservadora
Família, escola e militares: concepções familistas produzidas em escolas cívico-militares
Entre os meses de junho e setembro de 2023, acompanhei o cotidiano de duas escolas cívico-militares localizadas em Santa Catarina com o objetivo de sistematizar, a partir de dados sensíveis do cotidiano, que tipo de cultura escolar tem sido produzida nesses contextos, além de descrever de forma analítica as ritualísticas e representações morais que permeiam o respectivo programa. O Programa Nacional de Escolas Cívico-militares (Pecim) foi instituído durante o Governo Bolsonaro (2019 - 2022), em correlação a outras mobilizações e disputas em torno de políticas educacionais com fundamentos conservadores, a exemplo da reivindicação do modelo homeschooling, subtrair abordagens que considerem as religiões de matriz africana e cosmologias indígenas, reforçando o racismo religioso, o movimento nacional Escola Sem Partido que corrobora com o pânico moral em torno da ideologia de gênero e o debate e as proibições em torno da linguagem neutra nas escolas. Um aspecto comum entre esses movimentos é a maneira como a instituição família ganha centralidade e significado moral. Na própria regulamentação do Pecim, à família é destinado o papel decisório na aderência ao modelo cívico-militar, assim como para a gestão escolar e corpo docente. Nas interações cotidianas, os monitores-militares homens cis, oriundos da reserva das forças armadas brasileiras, interlocutores preferenciais da pesquisa passam a ser os mediadores entre a escola e a casa, representando os supostos interesses da família junto à escola e promovendo a assimilação de determinados "valores. Associada a esta atuação, a figura masculina do militar nas escolas, tomada como referencial de autoridade para o corpo discente, ganha contornos particulares: ora acionada como essencial para suprir eventuais lacunas familiares, reproduzindo uma certa concepção de família; ora tomada como o amigo da turma, figura acolhedora que escuta e dialoga. É possível notar que a concepção central de família acionada pelos interlocutores do campo vai ao encontro de uma lógica familista que reforça convenções de gênero heteronormativas refletindo, em alguma medida, na formação (ou manutenção) de mentalidades consonantes a um modelo de valores conservadores. As reflexões apresentadas neste trabalho buscam levantar subsídios que contribuam com os debates contemporâneos sobre as disputas travadas no campo educacional em interface com as mobilizações de caráter conservador, tendo como foco analítico compreender os sentidos e os usos da categoria família no contexto das escolas cívico-militares.
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