ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 083: Patrimônios culturais e meio ambiente: pensando a proteção de modos de vida e territórios de povos e comunidades tradicionais
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Coordenação
Ana Flávia Moreira Santos (UFMG), Luciana Gonçalves de Carvalho (UFOPA)
Debatedor(a)
Ana Carolina Carvalho de Almeida Nascimento (Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular), Aderval Costa Filho (UFMG), Joana Ramalho Ortigão Corrêa (UFRJ)

Resumo:
A CF 1988 consagrou entre seus princípios o reconhecimento da pluralidade étnica, social, racial e cultural, estabelecendo o direito à permanência e salvaguarda dos modos de ser, viver, fazer e expressar dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira, bem como o direito de grupos específicos às terras tradicionalmente ocupadas. Contudo, entre avanços, recuos e desmanches, as políticas e rotinas administrativas voltadas para a instituição formal de territórios étnicos, para a salvaguarda de bens culturais e para a garantia de acesso ao meio ambiente equilibrado não alcançaram a proteção efetiva das práticas territorializadas que entrelaçam pessoas, culturas e ambientes. O GT colocará em diálogo pesquisas sobre direitos de povos e comunidades tradicionais, buscando refletir acerca das possíveis confluências - mas também dos limites e contradições - entre políticas identitárias, patrimoniais e ambientais. Procuraremos evidenciar essas interfaces nas estratégias de resistência aos modos de apropriação hegemônica do espaço, que esvaziam sentidos, práticas e o lastro histórico dos territórios. Serão bem-vindos trabalhos de caráter etnográfico sobre processos de reconhecimento de identidades e territórios, patrimonialização, conflitos ambientais, biodiversidade, que mostrem o tensionamento entre instrumentos normativos, a aplicação de políticas de salvaguarda, e a efetiva proteção aos territórios, aos saberes e às estratégias de vida de povos e comunidades tradicionais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Patrimônio cultural em licenciamentos ambientais: alguns casos em Minas Gerais
Ana Flávia Moreira Santos (UFMG)
Resumo: Pretendo fazer uma análise do modo como o patrimônio cultural vem sendo tratado no contexto de licenciamentos ambientais em Minas Gerais, recuperando casos mais antigos, como o da UHE Irapé, que envolveu a remoção da comunidade remanescente de quilombo de Porto Corís, como situações mais recentes envolvendo empreendimentos minerários no Espinhaço. Buscaremos pensar como, no contexto dos licenciamentos, a categoria patrimônio tem sido utilizada de modo a desconectar as práticas culturais de suas dimensões territoriais e ambientais, contribuindo para o que vimos chamando de "desmaterialização" do mundo social. Estratégias que visam a desconstituição de reivindicações em torno ao reconhecimento de sujeitos coletivos de direito e de formas diversas de ocupação territorial, e que, junto à restrição crescente das categorias espaciais do licencimento (áreas direta e indiretamente afetadas, etc), convergem para a insegurança, a expropriação e a negação do dano.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Questões sobre processos de patrimonialização das agri-culturas e os direitos às formas de vida das comunidades tradicionais do Espinhaço: como a Comunidade de Raiz nos ajuda a pensar
Ana Paula Lessa Belone (UFF)
Resumo: Comunidades localizadas na região da Serra do Espinhaço Meridional, em Minas Gerais, que se autorreconhecem como apanhadoras de flores sempre-vivas e algumas delas também como quilombolas, caso da Comunidade Raiz a qual venho atuando especificamente em meu doutorado, conquistaram o reconhecimento como patrimônio agrícola mundial concedido pelo programa Globally Important Agricultural Heritage Systems (GIAHS) da FAO/ONU, título até então inédito no Brasil. Este programa se baseia nas noções de "paisagens esteticamente impressionantes", "biodiversidade agrícola", "ecossistemas resilientes" e "valioso patrimônio cultural", para operar formas de vida de comunidades sob a categoria de "sistema agrícola tradicional". Derivado diretamente deste processo de patrimonialização a nível internacional, este "sistema agrícola tradicional" também foi objeto de reconhecimento por parte do estado de Minas Gerais como patrimônio cultural imaterial, sendo que a partir deste logrou-se efetivar, como ação de salvaguarda, a elaboração do relatório de identificação e delimitação territorial (RTID) da Comunidade de Raiz. Tem-se observado nos últimos anos, que grupos etnicamente diferenciados vem acionando cada vez mais as políticas patrimoniais como estratégia de luta por garantia de direitos coletivos aos territórios tradicionalmente ocupados e aos direitos de reprodução social da diferença, sobretudo, frente a casos de conflitos deflagrados seja por projetos de conservação ambiental, seja por projetos de desenvolvimento econômico, tal como ocorre nos contextos das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas. Assim, a partir de um olhar voltado à Comunidade Raiz e às políticas patrimoniais que reconheceram seus modos de vida, pretendo refletir sobre processos mais amplos de reconhecimento étnico, mostrando como comunidades vêm se movimentando, organizando e acionando as instâncias nacionais e supranacionais para acessar direitos que se vinculam às condições mínimas para sua reprodução social.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
OS ENCANTADOS SUBIRAM O RIO: apagamentos, territorialidades e proteção ao patrimônio ancestral em Comunidades Quilombolas da Bahia.
Andrea Lima Duarte Coutinho (Pesquisadora), Cristiane Sobrinho Costa (Rede Makaia)
Resumo: O presente trabalho traz, a partir das experiências e vivências das autoras em processos de regularização fundiária e ambiental com Comunidades Quilombolas da Bahia, reflexões sobre os apagamentos das memórias ancestrais, os danos patrimoniais materiais, imateriais e ambientais e as diversas violências e violações que se apresentam como ameaças aos modos de vida e aos territórios de povos e comunidades tradicionais. As reflexões que emergiram dessas experiências buscam compreender, a partir de um olhar engajado, as interfaces necessárias entre os Direitos patrimoniais e Direitos territoriais em Comunidades Tradicionais Quilombolas. Esta abordagem se concentra nas narrativas, memórias e conversações que emergiram durante a construção de metodologias comunitárias e participativas dos Quilombos envolvidos com os processos de regularização supracitados. Entre as metodologias utilizadas estão: cartografia social, Etnozoneamento, narrativas biográficas individuais e dos grupos, oficinas de saberes e memórias, entre outras. Nesse relato apresentaremos elementos que suscitam as interfaces do racismo, que se impõe historicamente sobre essas populações. No bojo dessas violações nota-se a permanente presença de frentes de expansão do capitalismo e dos projetos neocolonialistas empreendidos por empresas nacionais, internacionais, poder público e a crescente expansão religiosa pentecostal. Ao final apresentaremos propostas para ações relacionadas à proteção e salvaguarda dos Patrimônios em Comunidades Quilombolas, tendo como base as perspectivas dos quilombos envolvidos, assim como os novos marcos regulatórios, tanto a Portaria IPHAN Nº 135, de 20 de novembro de 2023, que dispõe sobre a regulamentação do procedimento para a declaração do tombamento de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, como o Decreto Nº 11.786, de 20 de novembro de 2023 que Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, em especial o Art. 8º que enfatiza a pesquisa participativa e a difusão dos conhecimentos ancestrais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Aiyé é terra sagrada: Povos de matriz africana, as feridas e curas nos territórios tradicionais
Beatriz Borges Bastos (Aedas)
Resumo: A pesquisa perpassa na compreensão da territorialidade para os povos de matriz africana, os impactos e violações que vêm sofrendo em seus respectivos territórios de identidade a partir da impossibilidade da realização dos seus rituais sagrados. Apesar das barreiras impostas pelo contexto colonial, de genocídio e epistemicídio da população e cultura negras, imposição de padrões culturais, linguísticos, sociais, ritualísticos, estéticos, alimentares e performáticos brancos e hegemônicos, esses povos resistem com características próprias. Além de resistirem, buscam subterfúgios através de suas práticas para curar o mundo, curar de uma ferida que é colonial e trouxe marcas e marcos históricos, ranços da colonialidade e de lógicas capitalistas que seguem oprimindo uma parcela (maior) da população.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Na Confluência da Roça: a construção das Políticas de Salvaguarda a partir do Conselho da Roça do Sistema Agrícola Tradicional do Alto Rio Negro
Ediane Hirle (IPHAN)
Resumo: O objetivo deste artigo é refletir sobre caminhos outros, capazes de criar confluências na roça indígena, reflorestada através das experiências e saberes ancestrais, associados ao que, no processo de patrimonialização institucional do IPHAN, é nominado como Sistema Agrícola Tradicional do Alto Rio Negro. Em 2014, foi formado o Conselho da Roça, com o propósito de pensar a gestão, os limites, as possibilidades e os impactos das Políticas de Salvaguarda. Esse é um importante instrumento de participação social, capaz de abrir espaço para que as narrativas do mundo indígena ressoem no Estado. Na busca de uma epistemologia, a partir das ideias de Mestre Nego Bispo em diálogo com as reflexões da antropóloga nativa Francy Baniwa e das contribuições de Elisângela, representante do Coletivo de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro. Esta pesquisa convida a pensar as práticas coletivas presentes nas roças, nas danças, nos cantos e nos mitos transmitidos através da memória, bem como nas relações ontológicas com a terra e as plantas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Status das mulheres e a produção de pano marcado do povo Mandjaku, Guiné-Bissau: temas emergentes a partir do ingresso de jovens guineenses nas universidades
Ericânia Almeida Gomes (UNILAB), Natalia Cabanillas (UNILAB)
Resumo: O pano marcado é o um artefato cultural da Guiné-Bissau, usados nas grandes festividades e rituais de passagem da etnia Mandjaku. Estes panos são produzidos exclusivamente por mulheres, através de marcas (bordados) sobre um pano de pinti, cujas cores e formas transmitem mensagens relativos ao contexto do ritual no qual serão utilizados. Atualmente na Guiné-Bissau, o pano marcado tornou-se fenômeno no país por fortes aderença das outras etnias e inclusive a sua inclusão nas cerimônias do Estado. A partir do acceso de jovens estudantes guineenses no âmbito académico, já existem trabalhos acadêmicos sobre os panos de pinti, objeto produzido prioritariamente por homens e muito popularizado; porém, os panos marcados -apesar de serem mais importantes- ainda não tem sido objeto de pesquisa. Este trabalho estuda os significados e usos rituais do pano marcado, e como, através da sua produção, as mulheres Mandjaku constroem um status social de reconhecimento, uma fonte de renda e uma associação com as atividades espirituais da comunidade Mandjaku. Foram realizadas até agora três entrevistas em profundidades em 2022 e quatro em 2024 através de redes sociais e de forma presencial na cidade de Fortaleza, com mulheres mandjaku originárias de Caio, que moram em Guiné-Bissau ou na diáspora no Brasil. As entrevistas foram conduzidas nas línguas crioulo e mandjaku, dependendo da preferência da entrevistada. Entre os resultados preliminares podemos afirmar que a produção de pano marcado visibiliza e reforça o papel das mulheres Mandjaku nas comunidades, desde que estes artefatos são indispensáveis nos diversos rituais, desde casamento até investidura do regulo. Este tipo de pano não é encontrado no mercado, e é comercializado apenas entre a produtora e quem solicita o trabalho, usualmente uma pessoa da família ou da vizinhança da produtora. Também podemos afirmar que possui um papel económico na vida das mulheres que marcam o pano, pois elas o reconhecem como um ingresso complementar de relevância e que lhes permite enfrentar pagamentos de taxas de educação, entre outras coisas. Embora na bibliografia académica sobre os povos mandjaku e sobre Guiné Bissau há um consenso em considerar os povos mandjaku como patriarcais, este trabalho discute a ideia de que são povos unívoca ou absolutamente patriarcais. Assim, esta pesquisa discute as formas nas quais as mulheres mandjaku constroem status e são reconhecidas através de atividades tradicionais, dos seus vínculos e participação na construção da religiosidade das comunidades às quais pertencem. O pano marcado simboliza ancestralidade e resistência de um povo que tem a oralidade como base dos seus ensinamentos e que os mantém vivos também através de linhas femininas de transmissão para gerações futuras.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Notas sobre o patrimônio afro-quilombola: um estudo etnográfico na comunidade de Alto Alegre, Horizonte-CE
Ester Araújo Lima da Silva (UFG)
Resumo: Este trabalho visa explorar reflexões iniciais sobre a concepção do conceito de patrimônio afro-quilombola”, considerando-o enquanto um movimento que se insere no campo de disputas na guerra das denominações”, no sentido de contrariar (SANTOS, 2015) à lógica colonial do conceito de patrimônio”. Este tema é central no desenvolvimento da pesquisa de doutorado em andamento, sendo investigado sob a perspectiva das experiências e dos modos de vida na comunidade quilombola de Alto Alegre, localizada no município de Horizonte, Ceará. Com base em uma abordagem etnográfica somada às investigações conduzidas durante um pré-campo de pesquisa realizado em novembro de 2023, nos debruçamos a analisar as mobilizações comunitárias na realização das atividades em celebração à Semana da Consciência Negra intitulada Quilombo Ancestralidade Viva em Nós”. Ao longo deste evento, escolhido como tema representativo das inúmeras atividades desenvolvidas na ocasião, emergiram discussões significativas que servirão como aporte reflexivo-teórico para o embasamento da tese. Assim, a partir dessa experiência, objetivamos abordar de forma ampla a dimensão da preservação da vida como patrimônio afro-quilombola, uma temática que se destacou durante as atividades. Além disso, pretendemos explorar outros elementos, como estratégias de fortalecimento identitário, memórias e contra a cultura (ABU-LUGHOD, 2020) e Ser afetado (FAVRET-SAADA, 2005) vivenciadas no trabalho de campo. Palavras-chave: Patrimônio Afro-Quilombola. Etnografia. Quilombo de Alto Alegre. Ceará.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os sistemas agrícolas tradicionais como estratégia de salvaguarda dos territórios Vazanteiros no Médio São Francisco mineiro
Fabio Dias dos Santos (UNIMONTES)
Resumo: Em oposição a uma agricultura de base extrativista e subordinada ao capital internacional, os sistemas agrícolas tradicionais (SAT´s) de distintos grupos étnicos têm assumido relevância nas políticas voltadas para segurança alimentar, desenvolvimento rural e patrimônio cultural. Casos específicos, se referem ao SAT das Apanhadoras de Flores Sempre Viva (MG), reconhecido pela FAO como parte dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM) e das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira (RJ) e do Rio Negro (AM), reconhecidos pelo IPHAN enquanto Patrimonio Cultural Brasileiro. No Médio rio São Francisco mineiro, as comunidades tradicionais vazanteiras, identificadas pelos de fora como "gentes do rio" e "povos das águas e terras crescentes”, em referência ao modo de vida construído na relação com este rio e ao manejo de suas ilhas e terras altas, teve seu SAT premiado pela EMBRAPA (2019) e processo de seu reconhecimento enquanto patrimônio cultural imaterial aberto pelo IEPHA-MG (2023). Cabe ressaltar, o contexto de conflitos ambientais e territoriais de longa duração, vivenciados por estes grupos que envolvem, violência, esbulho e confinamento nas margens e ilhas do rio São Francisco. Conjuntura decorrente das políticas de desenvolvimento econômico e ambientais, que se referem às disputas de seus territórios tradicionais ocupados (TTO) com o agronegócio e unidades de conservação. Portanto, o presente estudo buscará refletir sobre as estratégias de resistência, utilizadas pelas comunidades vazanteiras do rio São Francisco, no diálogo com os dispositivos normativos do campo patrimonial, tendo como foco seu SAT. Para tanto, utilizamos de revisão bibliográfica, análise documental e trabalho de campo etnográfico.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Radicalidade e inovação em áreas protegidas no Brasil? Retomadas em terras indígenas e territórios de uso comum à luz da conservação convivial (um projeto)
Henyo Trindade Barretto Filho (UNB)
Resumo: Trata-se de um projeto de pesquisa em andamento, que visa etnografar comparativamente iniciativas radicais e inovadoras de consolidação de áreas protegidas (no caso, terras indígenas e territórios de uso comum de comunidades ribeirinhas) e de conquista de direitos territoriais, à luz da conservação convivial e de alguns subcampos da antropologia, notadamente os estudos sobre ciência e técnica. A conservação convivial se apresenta como uma abordagem à conservação da diversidade biológica e cultural que leva a sério não só as extinções de espécies em cascata, mas também as pressões estruturais do nosso sistema econômico e as violentas realidades socioecológicas e políticas cada vez mais autoritárias em que vivemos. Trata-se um conjunto de princípios de gestão e uma abordagem pós-capitalista à conservação que tenta promover a equidade radical, a transformação estrutural e a justiça ambiental, baseados na noção de ferramenta convivial de Ivan Illich. As duas situações a serem abordadas são: (i) a área de retomada (hoje aldeia) Mãe Terra do povo Terena da Terra Indígena Cachoeirinha, no município de Miranda, em Mato Grosso do Sul, como movimento autônomo que visa conquistar o reconhecimento oficial do seu direito à terra e que está na origem da organização indígena Caianas; e (ii) a iniciativa, surgida em 2012, fruto da mobilização de uma rede de atores da sociedade civil, do movimento social e da esfera pública, de regularizar a situação fundiária de comunidades ribeirinhas no estado do Amazonas por meio de termos de concessão de direito real de uso coletivo para associações comunitárias situadas fora de áreas protegidas, sob a categoria de territórios de uso comum. A pesquisa vem sendo conduzida de modo colaborativo, respectivamente, com a organização indígena Terena Caianas (Coletivo Ambientalista Indígena de Ação para Natureza, Agroecologia e Sustentabilidade) e com a equipe do Programa de Ordenamento Territorial da ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil, coletivos protagonistas de ambas as iniciativas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As encruzilhadas do Bará do Mercado de Pelotas (RS)
Isabel Soares Campos (Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos)
Resumo: Atualmente, segundo estudos, há no estado do Rio Grande do Sul mais de 60 mil terreiros em atividade. Em Pelotas (RS), cidade considerada berço destas religiões no estado, há mais de duas mil casas religiosas de matrizes africanas. A presença significativa das religiões afro-brasileiras no contexto rio-grandense e pelotense é expressada na diversidade cultural africana que produz e reproduz o tecido social sulino. O Mercado Público é um território considerado referência simbólica fundamental para as comunidades tradicionais de terreiro e para manutenção de suas práticas sagradas, referindo-se tanto às memórias e narrativas que conectam a construção do mercado aos ancestrais escravizados, quanto pelo fato do mercado ser lugar de domínio do Orixá Bará. Em Pelotas, o Bará foi (re)assentado em 2012 no Mercado Público, ocasionando ataques racistas às sacerdotisas que estavam conduzindo o ritual religioso. Em 2015 e 2016, ocorreram as primeiras manifestações públicas em homenagem ao orixá Bará na cidade. Em 2019, a cidade recebeu a doação de uma escultura do Bará Lodê, retomando-se a manifestação religiosa denominada "Procissão ao Pai Bará", a qual ocorreu nos anos seguintes (2020-2021) a partir de um novo formato virtual devido ao contexto de pandemia. Outro marco importante de reconhecimento da relação entre o Mercado Público e as Tradições das Matrizes Africanas em Pelotas foi a instalação do adesivo na encruzilhada central, em julho de 2021, de modo a reafirmar sua territorialização. No adesivo há a ilustração de sete chaves e correntes que representam o elo de ligação ao Orixá Bará, mas também simbolizando a função do Orixá em abrir e fechar caminhos. Em junho de 2021 foi autorizada a demarcação do centro do Mercado Público com o adesivo referenciado ao Orixá Bará. No ano seguinte foi aprovada a Lei Municipal 7.025/2220 que institui oficialmente o dia do Orixá Bará a ser celebrado no Município de Pelotas no dia 13 de junho. Nesse sentido, o presente estudo propõe tomar o caso do Bará do Mercado de Pelotas e o seu processo de patrimonialização, iniciado em 2023 através de solicitação do Conselho Municipal do Povo de Terreiro para tratar acerca dos desafios que se encruzilharam no caminho para o reconhecimento do bem cultural como patrimônio imaterial do estado do Rio Grande do Sul.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cadeias de Valor de plantas medicinais e de produtos da sociobiodiversidade: o desafio da inclusão produtiva de povos e comunidades tradicionais nos biomas brasileiros
Joseane Carvalho Costa (MDA), Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu (UNIRIO)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo realizar o levantamento das economias simbólicas a serem identificadas em 31 empreendimentos de povos e comunidades tradicionais mapeados pelo projeto Articulafito, com vistas a produzir subsídios que possam orientar a formulação de políticas públicas voltadas à inclusão produtiva, tendo em vista os bens materiais e imateriais envolvidos nesses processos produtivos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Controvérsias envolvendo o Parque Nacional da Serra da Canastra e os canastreiros: uma etnografia do conflito socioambiental
Juliana Mota Diniz (Instituto de Desenvolvimento Regenerativo)
Resumo: Este trabalho busca compreender através de uma abordagem etnográfica o conflito socioambiental que acontece na Serra da Canastra envolvendo a população local, os canastreiros, e o Parque Nacional da Serra da Canastra sob a gestão do ICMBio. Esse conflito surge com a sobreposição do território tradicional dos canastreiros pela Unidade de Conservação, produzindo implicações definidoras nas vidas das famílias desapropriadas e no modo de vida da população local, e segue se desdobrando nos dias atuais uma vez que, devido ao fato de que o PNSC não teve a totalidade da área prevista pelo seu decreto de criação regularizada, está em curso medidas de desapropriação. O foco da etnografia é a relação entre os canastreiros e a gestão local do ICMBio com ênfase nas transformações vividas no território com a criação e ampliação do PNSC, nas mudanças experimentadas nas dinâmicas dessa relação e nas perspectivas de futuro apontadas por ela. A etnografia é apoiada por uma revisão bibliográfica da literatura antropológica que discute as imbricações entre a criação e o manejo de UCs, as perspectivas de desenvolvimento do Estado e de empreendimentos econômicos hegemônicos, os sistemas de conhecimento e modos de vida das populações tradicionais e as possibilidades que eles apresentam na busca de um pós-desenvolvimento e bem viver. As problemáticas descobertas pelos trabalhos que também abordam esse conflito e pela experiência no campo etnográfico envolvem, sobretudo, a dívida histórica do Estado e órgãos ambientais com os canastreiros devido ao autoritarismo, truculência e violações de direitos cometidas nos processos de criação e ampliação do Parque; o arcaísmo da política ambiental que insiste em um modelo de conservação de muros e cercas que infringe os direitos territoriais das populações locais e contraria as evidências de que as populações tradicionais e seus modos de vida são responsáveis pelo estado de conservação da biodiversidade em que se encontram os territórios antes de se tornarem áreas protegidas e são, por isso, potencialmente aliadas no manejo destas áreas; o contraditório alinhamento da política ambiental com a lógica desenvolvimentista, especialmente do agronegócio e da mineração, através das medidas compensatórias de isenção de reserva legal e de impactos ambientais e sociais causados por grandes empreendimentos; os riscos em relação à continuidade do modo de vida dos canastreiros devido à sua desterritorialização e excesso de regulação sobre suas práticas produtivas; e a assimetria na disputa de interesses e saberes, técnico-científicos e tradicionais-locais, no contexto dos processos de patrimonialização ambiental através do Parque e de patrimonialização cultural através da regulamentação da produção do queijo canastra.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As ações de salvaguarda do carimbó em Alter do Chão/PA e sua interface com o turismo
Luciana Barroso Costa França (UFOPA)
Resumo: O carimbó é uma das mais importantes referências da cultura paraense, que remonta – de acordo com diversos pesquisadores – ao século XVII, numa junção de elementos de dança e ritmos negros, indígenas e europeus. Desde que foi reconhecido pelo IPHAN como patrimônio cultural imaterial do Brasil, em 2014, ele tem conquistado um espaço cada vez maior. O Dossiê de Registro do Carimbó então elaborado reconhecia na região de Santarém apenas um grupo que se apresentava esporadicamente. Mas o processo de patrimonialização, que envolveu um forte movimento da sociedade civil, contagiou as pessoas que se dedicavam ao carimbó e que, até então, não se viam muito reconhecidas e valorizadas como artistas e responsáveis por trazer a público essa importante expressão da cultura popular local. De lá pra cá, nesse mesmo período em que Alter do Chão passou a se destacar como um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil, nasceram outros grupos e eventos de carimbó regulares, atendendo ao chamado de realizarem também a salvaguarda desse patrimônio. A região do Oeste do Pará, que pouco foi considerada como um lugar que abrigasse movimentos de carimbó à época da elaboração do INRC pelo IPHAN, ganhou destaque nesse universo e, nos últimos anos, toda uma rede de músicos, dançarinos, compositores, figurinistas, cenógrafos e artesãos locais se engajou no ofício de fazer acontecer o carimbó. Este trabalho pretende descrever esse movimento e sua relação com a crescente demanda por um turismo cultural na região.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O conflito ambiental envolvendo a identificação das áreas da União no rio São Francisco no Norte de Gerais: direitos étnicos, diálogos interculturais, engajamento e luta política.
Luciana Maria Monteiro Ribeiro (UNIMONTES), Elisa Cotta de Araújo (Colabora)
Resumo: O objetivo é trazer elementos para compreensão do conflito ambiental e territorial envolvendo a identificação das áreas da União, na bacia média do rio São Francisco, Norte de Minas Gerais. As terras inundáveis deste rio são consideradas de acordo com a legislação federal terras públicas da união e áreas de proteção permanente. Por um lado, reivindicadas como parte das terras tradicionalmente ocupadas por grupos de pescadores, vazanteiros e quilombolas, e por outro, por agentes ligados a empresas agropecuárias e corporações financeiras, que atuam com base numa lógica privatista. Em contexto recente, o setor agropecuário tem se articulado junto à bancada ruralista no congresso nacional para influenciar os atos de estado que visam regularizar as formas de acesso e usos dos terrenos marginais ao rio São Francisco. Desde os anos de 2008, pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA) têm realizado pesquisas etnográficas e assessoria junto a estes grupos que veem se mobilizarando na luta por reconhecimento de seus direitos étnicos na região. A elaboração de relatórios antropológicos realizados a partir da cooperação técnica, com instituições de estado, com objetivo de subsidiar ações de reconhecimento territorial, contribuíram para pequenos avanços nos processos administrativos e reconfiguração dos conflitos e agência do agronegócio na região. Tal conjuntura, somada à publicação de ato de reconhecimento territorial do Quilombo da Lapinha, no ano de 2023, é apontada por agentes pastorais e lideranças comunitárias como marco temporal no acirramento das tensões nas áreas de estudo. Os vínculos de pesquisa com os grupos nos levaram a uma experiência de uma antropologia multissituada, ao acompanhá-los nas arenas onde os embates pela legitimidade da posse e domínio das terras marginais ao rio São Francisco acontecem. Nesta comunicação buscamos descrever as iniciativas de mobilização dos grupos, na tentativa de efetivação de políticas públicas de infra-estrutura, educação e saúde para criar condições de permanência nos seus lugares de vida, frente às contestações dos direitos coletivos por parte de seus antagonistas - fazendeiros, empresas agropecuárias, entidades patronais, poder público municipal. Trazemos as indagações dos sujeitos sociais ao refletirem sobre a trajetória de luta, o campo político, o contexto de violências e a ambiguidade do estado. Buscamos refletir sobre a responsabilidade social do pesquisador, engajamentos ético-políticos envolvidos na produção de conhecimentos antropológicos e avaliar as condições de ameaça ou salvaguarda dos territórios tradicionais no médio São Francisco, e como a correlação de forças se atualiza na dinâmica do conflito diante das mudanças do cenário político nacional e internacional.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cemitério dos Escravos como Patrimônio Quilombola: reconhecendo diversidades e seus modos de viver, saber e relacionar.
Lúnia Costa Dias (UFSC), Luiz Henrique Prado Campos (UERJ), Glaucon Durães da Silva Santos (PUC MINAS)
Resumo: No dia 20 de novembro de 2023 o IPHAN lançou a portaria nº135 com vistas a regulamentar o artigo 216 da Constituição Federal, no que diz respeito aos processos de tombamento e salvaguarda do Patrimônio Quilombola. Nesta comunicação pretendemos analisar desafios e potências deste dispositivo na garantia de direitos dos povos e comunidades tradicionais a promoção e salvaguarda de suas histórias, memórias, seus modos de viver, saber e se relacionar. Tomamos o patrimônio como ponto focal nas disputas em torno da implantação de um megaprojeto de infraestrutura urbana de mobilidade proposto pelo governo do estado de Minas Gerais a partir de acordo firmado com a mineradora Vale S.A., o Rodoanel ou Rodominério, como tem sido nomeado por movimentos sociais da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com previsão anunciada de início das obras ainda neste ano de 2024, o projeto coleciona ações civis públicas que denunciam a violação do direito à consulta prévia livre informada e esclarecida aos povos e comunidades tradicionais da região, como previsto pela Convenção 169 da OIT. O projeto é majoritariamente financiado por recursos do acordo de reparação firmado com a Vale S.A. pelo desastre crime de Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, com 272 mortes, somados a recursos de um leilão - este também alvo de denúncias - ocorrido em agosto de 2022. Dentre os territórios rasgados pelo projeto do Rodominério está o Cemitério dos Escravos, localizado no município de Santa Luzia. Território ancestral e de memória do Quilombo de Pinhões, o cemitério é patrimônio cultural material tombado em esfera municipal (2008). Propomos, a partir de análise do dossiê de tombamento e de apontamentos etnográficos das relações do Quilombo de Pinhões e de povos e comunidade de tradições de matriz africana da região com o Cemitério dos Escravos, produzir reflexões sobre os modos de tombamento do cemitério, arranjos da política de patrimônio executada no município de Santa Luzia, e, os modos, relações, saberes, desses povos com o Cemitério e as políticas de patrimônio, elencando desafios e potencialidades da política, sobretudo a partir da portaria supracitada, nas disputas em torno dos ditos projetos de infraestrutura de desenvolvimento e na garantia e efetivação de direitos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O cerrado na demanda pela patrimonialização do ofício de raizeira/o
Marilia Amaral (Iphan)
Resumo: O objetivo do trabalho é compreender a narrativa construída em torno do bioma Cerrado e o peso da dimensão ambiental na demanda pela patrimonialização do ofício de raizeira e raizeiro do cerrado, a qual ainda não foi concluída, estando atualmente em andamento. A candidatura em questão foi proposta formalmente em 2006, quando a Associação Pacari, movimento que se autodenomina rede socioambiental formada por integrantes da sociedade civil que trabalham com saúde comunitária, cultura e meio ambiente”, acionou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a fim de obter o reconhecimento do ofício como patrimônio cultural brasileiro. Nos documentos referentes à candidatura, a associação define da seguinte maneira a atividade: os raizeiros e raizeiras do cerrado são especialistas no uso sustentável das plantas medicinais e na preparação e indicação de remédios caseiros”, detendo conhecimentos tradicionais sobre a identificação das plantas, a compreensão de seu ambiente, manejo sustentável, a maneira correta de coletar as partes usadas de cada planta, indicação e uso das plantas medicinais”. Por meio da pesquisa, é possível perceber que o bioma Cerrado e a preservação ambiental ocupam posições de destaque nessa candidatura a patrimônio cultural, conferindo unidade à diversidade de perfis de raizeiras e raizeiros, distribuídos pelos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Maranhão. O ofício representa um modo alternativo de gestão da ecologia e o movimento pela sua patrimonialização significa uma aproximação em relação aos setores não só do meio ambiente, mas também da cultura, em busca de legitimidade para desempenhar a atividade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Não podemos deixar ela cair": memória, resistência e disputas em torno da Igreja de Santo Antônio, em Paracatu de Baixo, Mariana/MG
Maryellen Milena de Lima (UFMG)
Resumo: O rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, provocou danos incomensuráveis ao longo do Rio Doce, como a destruição de territórios enquanto base da reprodução social, cultural e econômica de comunidades tradicionais e camponesas (Zhouri et al, 2016). A maioria das famílias que foram desterritorializadas dos seus locais de moradia está vivendo na sede urbana de Mariana. Essa é a situação vivenciada pelos moradores da comunidade de Paracatu de Baixo. A vida provisória (Lima, 2018) é marcada pela luta para recomposição dos territórios, recursos, estratégias e projetos. Além disso, em concomitância ao enfrentamento de um processo institucionalizado, burocratizado e disciplinador, que os obriga a lutarem por um novo lugar, os atingidos lidam com o descaso relacionado à conservação e à manutenção das edificações que não cederam após o rompimento da barragem e que permanecem representando espaços importantes para encontros e compartilhamentos entre vizinhos e parentes, como é o caso da Igreja de Santo Antônio - tombada em nível municipal conforme deliberação do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Mariana (COMPAT), em 2016. A preservação da igreja de Santo Antônio representa a manutenção da memória, dos afetos, da identidade e do cotidiano anteriormente compartilhado. Nesse horizonte, novas dinâmicas de reterritorialização parecem emergir e a religiosidade constitui outra forma de resistência e ressignificação dos territórios. Em um contexto em que suas condições de autonomia foram retiradas, é importante apontar que os esforços dos atingidos em manter a tradição estão alicerçados na contínua dinâmica reivindicativa exigida pelos agentes protagonistas da reparação dos danos. Neste horizonte, os atingidos foram excluídos do processo de elaboração do projeto da nova Igreja de Santo Antônio que está sendo construída no reassentamento da comunidade. Fato que provocou bastante inquietação e reivindicação para que a comunidade pudesse participar do processo de construção de algo que representasse a fé, o cuidado e a partilha entre o grupo, além da importância da formação da identificação com o novo lugar coletivo. Dessa forma, o objetivo da proposta é refletir sobre os esforços dos moradores de Paracatu de Baixo para a manutenção das práticas socioculturais em torno da Igreja de Santo Antônio e o surgimento de uma nova gramática da resistência (ZHOURI, 2019). Além disso, pretende-se tecer reflexões acerca da disputa relacionada ao desenvolvimento do projeto arquitetônico da nova igreja no reassentamento e as implicações para as práticas tradicionais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O papel do Observatório do Patrimônio Cultural do Sudeste na proteção e salvaguarda da região do Serro, MG, como território patrimonial”
Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu (UNIRIO), Íria de Carvalho e Borges (UNIRIO), Sabrina Dinola (UNIRIO), Bianca Rihan Pinheiro Amorim (UNIRIO), Joana Ramalho Ortigão Corrêa (UFRJ)
Resumo: A partir da atuação do Observatório do Patrimônio Cultural do Sudeste - plataforma digital (http://observatoriodopatrimonio.com.br/site ) criada com o intuito de formar uma rede de pesquisadores do campo do Patrimônio e contribuir para processos de proteção e salvaguarda de patrimônios culturais e ambientais no Sudeste brasileiro, focalizamos o caso do Serro, MG, região que abriga diferentes matizes patrimoniais, tanto materiais quanto imateriais. Procuramos identificar e assegurar o papel positivo das formas de proteção patrimonial, tanto no que tange ao aspecto jurídico quanto de formação de estratégias de salvaguarda às amplas e diversificadas formas patrimoniais existentes nesta região. O Serro é um município patrimonial, conhecido por ser a primeira cidade a possuir seu conjunto arquitetônico tombado pelo então SPHAN, em 1938. Além do patrimônio de pedra e cal”, o município abriga uma diversidade de patrimônios culturais da ordem do imaterial”, alguns registrados pelo IPHAN, outros inventariados ou em processos de registro, como as folias de reis, a festa de nossa senhora do rosário, cantos vissungos, entre outros. Esta multiplicidade de saberes e práticas tradicionais concentrados em um único território levou os pesquisadores do Observatório a cunhar o termo Território Patrimonial”, buscando chamar a atenção para um caso expressivo no campo patrimonial brasileiro, ou seja, um caso de uma rede patrimonial extensa, cujos detentores dependem da inter-relação com segmentos territoriais que se complementam e que se articulam de forma orgânica, seja no que diz respeito a formas de ocupação, ou a saberes relacionados ao meio-ambiente de uma vegetação de transição entre cerrado e mata atlântica. Entretanto, essa região, com uma multiplicidade de patrimônios interligados, vem enfrentando contínuo assédio de projetos de extração de minério de ferro por parte de grandes empresas mineradoras que podem colocar em risco uma dinâmica de equilíbrio delicado. Amplo debate vem sendo travado em diferentes instâncias e, especialmente, alguns movimentos sociais e mandatos parlamentares vem chamando a atenção para os danos irreversíveis que projetos minerários de grande porte podem causar à região e seus moradores. A presente proposta visa debater sobre o papel do Observatório como uma ferramenta digital, ancorada numa ampla participação de uma rede de pesquisadores e detentores no campo patrimonial, para mediar, colaborar e ancorar um debate articulando a sociedade civil, as universidades e agências governamentais, tendo em vista a defesa do Território Patrimonial do Serro e os direitos das populações que nele habitam no sentido da tomada de decisões e do protagonismo cidadão garantidos pela Constituição Brasileira.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Resistir ao longo do Jequitinhonha e em torno do Itambé: territorialidades quilombolas e a luta contra a mineração de ferro no Serro/MG:
Roberta Brangioni Fontes (UNIMONTES)
Resumo: As comunidades quilombolas do Serro/MG estão organizadas em um movimento contra a implantação da mineração de ferro no município, enfrentando empresas que tentam impor processos de licenciamento ambiental marcados por irregularidades e violação de direitos étnico-territoriais. O Serro como território livre de mineração é o mote da resistência, em defesa de seu patrimônio histórico-cultural, suas riquezas naturais e culturais, os territórios e modos de vida de suas seis comunidades quilombolas certificadas e outras em processos de certificação. Através da pesquisa de doutoramento em curso, estamos realizando uma etnografia desde o ano de 2019, sendo um dos objetivos compreender e analisar a luta das comunidades quilombolas do Serro/MG, através do estudo das territorialidades quilombolas. O trabalho de campo foi realizado em seis comunidades certificadas pela Fundação Palmares e em uma comunidade em processo de debate sobre sua certificação. A partir das vivências e diálogos, procuramos entender as relações emaranhadas entre pessoas, as águas, o cerrado, a mata, os campos rupestres, dinâmicas de trabalho, manifestações culturais e os valores que sustentam crenças, saberes e fazeres. Compreendemos que essas relações podem ser profundamente atingidas pela chegada dos empreendimentos de mineração de ferro. Para as comunidades quilombolas do Serro, o Rio Jequitinhonha e o Pico do Itambé, que estão ameaçados por projetos minerários, são referências não-humanas de afeto e sentido do sagrado, paz e beleza, presenças entrelaçadas à vida e história de sobrevivência, liberdade, resistência e produção da vida. Outro exemplo é a produção do artesanato feito com taquara na comunidade de Queimadas, que tradicionalmente é confeccionado a partir da coleta da taquara em áreas livres de mata ou em terrenos cujos proprietários permitiam a retirada por laços de solidariedade ou parentesco. Essa prática já vem sendo afetada pela especulação fundiária no entorno, em função da mineração, e aquisição de terras por fazendeiros que não permitem o acesso para retirada da taquara. Em relação à agricultura familiar e produção do queijo minas artesanal do Serro, moradores relatam que essas atividades têm sido atingidas por causa da diminuição de água, em função da abertura ilegal de uma estrada por parte da mineradora Herculano, em área onde existem nascentes importantes para a comunidade. O estudo das territorialidades tem revelado um complexo sistema do lugar”, baseado na riqueza ambiental e cultural dos modos de vida de comunidades tradicionais do Serro e apontam os limites das classificações fragmentadas e arbitrárias dos processos de licenciamento ambiental para abarcar a proteção desses modos de vida.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões preliminares sobre a salvaguarda do patrimônio imaterial em face às normativas do licenciamento ambiental para campo do patrimônio: antes e depois de 2015
Vanilza Jacundino Rodrigues (Instituto do Patrimonio Historico e Artístico Nacional - IPHAN)
Resumo: No ano de 2015, a partir da publicação da Portaria Interministerial 60/2015 (que trata dos procedimentos administrativos que estabelece a atuação dos órgãos e entidades públicas de âmbito federal nos processos de licenciamento ambiental) e da Instrução Normativa do IPHAN 001/2015 (que trata dos procedimentos relativos ao licenciamento ambiental no âmbito do patrimônio cultural nacional), o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN tornou-se efetivamente um dos órgãos federais intervenientes nos processos de licenciamento ambiental, em âmbito nacional e passou a abarcar todas às áreas do patrimônio, o edificado, o imaterial e o ferroviário (não somente com ênfase ao patrimônio arqueológico, como ocorria anteriormente) na análise destes processos. Esta atribuição tem como propósito proteger e salvaguardar o patrimônio cultural, quanto à possibilidade de ocorrência de impactos decorrentes da instalação e operação de diferentes empreendimentos. Contudo, nos momentos anteriores a 2015, o Instituto e suas Superintendências nos estados já atuavam amplamente nos processos de licenciamento ambiental. Com base em caso específico de Minas Gerais, pretende-se apresentar algumas reflexões preliminares, decorrentes da minha atuação nestes processos, como técnica do órgão, vinculada à área de patrimônio imaterial. Busca-se, portanto, trazer questões sobre as limitações da aplicação prática dos instrumentos normativos, no período anterior e posterior à publicação destes, em termos de princípios, critérios, formas e métodos de identificação e mapeamento dos bens culturais; de formas e entendimentos sobre a avaliação dos impactos e sobre a aplicação medidas de controle e mitigação, abordando alguns pontos coincidentes e contrastantes nos seus processos de aplicação, nos momentos distintos. Propõe-se, por fim, um exercício de reflexão sobre o modo como estas questões a serem abordadas podem ser válidas para pensar a atualização e revisão das normativas, no contexto atual.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pomerisch Ärbshaft: O processo de musealização da comunidade pomerana em Vila Pavão-ES
Vítor Ramlow de Souza (UFV)
Resumo: O projeto tem por objetivo estudar os debates intelectuais e políticos em torno da criação e manutenção do Museu Pomerano Franz Ramlow, em Vila Pavão, interior do Espírito Santo. Instalado em 2005 para ser um símbolo cultural da cidade, encontra-se atualmente interditado pela Defesa Civil. O projeto se justifica por três motivações: i) contribuir com os estudos sobre a migração e a cultura pomerana no Brasil; ii) somar-se aos debates sobre preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural nacional, com especial atenção aos museus; e iii) fomentar localmente o interesse sobre a vida do museu. Parte-se do pressuposto que o museu não é somente lugar de memória, mas também um dispositivo intercultural de reinvenção das tradições. O museu pomerano abrigava aulas do idioma, oficinas de culinária, música e artesanato, atuando como um portal entre a comunidade da Vila Pavão e uma revivida Pomerânia. Espera-se, com este estudo, dar a conhecer os desafios enfrentados por um grupo étnico minoritário no processo de musealização das suas pomerisch ärbschaft (heranças pomeranas), bem como construir junto à comunidade pomerana de Vila Pavão um espaço de colaboração tendo em vista qualificar o debate público sobre a preservação e revitalização do patrimônio cultural.