ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 083: Patrimônios culturais e meio ambiente: pensando a proteção de modos de vida e territórios de povos e comunidades tradicionais
Controvérsias envolvendo o Parque Nacional da Serra da Canastra e os canastreiros: uma etnografia do conflito socioambiental
Este trabalho busca compreender através de uma abordagem etnográfica o conflito socioambiental que acontece na Serra da Canastra envolvendo a população local, os canastreiros, e o Parque Nacional da Serra da Canastra sob a gestão do ICMBio. Esse conflito surge com a sobreposição do território tradicional dos canastreiros pela Unidade de Conservação, produzindo implicações definidoras nas vidas das famílias desapropriadas e no modo de vida da população local, e segue se desdobrando nos dias atuais uma vez que, devido ao fato de que o PNSC não teve a totalidade da área prevista pelo seu decreto de criação regularizada, está em curso medidas de desapropriação. O foco da etnografia é a relação entre os canastreiros e a gestão local do ICMBio com ênfase nas transformações vividas no território com a criação e ampliação do PNSC, nas mudanças experimentadas nas dinâmicas dessa relação e nas perspectivas de futuro apontadas por ela. A etnografia é apoiada por uma revisão bibliográfica da literatura antropológica que discute as imbricações entre a criação e o manejo de UCs, as perspectivas de desenvolvimento do Estado e de empreendimentos econômicos hegemônicos, os sistemas de conhecimento e modos de vida das populações tradicionais e as possibilidades que eles apresentam na busca de um pós-desenvolvimento e bem viver. As problemáticas descobertas pelos trabalhos que também abordam esse conflito e pela experiência no campo etnográfico envolvem, sobretudo, a dívida histórica do Estado e órgãos ambientais com os canastreiros devido ao autoritarismo, truculência e violações de direitos cometidas nos processos de criação e ampliação do Parque; o arcaísmo da política ambiental que insiste em um modelo de conservação de muros e cercas que infringe os direitos territoriais das populações locais e contraria as evidências de que as populações tradicionais e seus modos de vida são responsáveis pelo estado de conservação da biodiversidade em que se encontram os territórios antes de se tornarem áreas protegidas e são, por isso, potencialmente aliadas no manejo destas áreas; o contraditório alinhamento da política ambiental com a lógica desenvolvimentista, especialmente do agronegócio e da mineração, através das medidas compensatórias de isenção de reserva legal e de impactos ambientais e sociais causados por grandes empreendimentos; os riscos em relação à continuidade do modo de vida dos canastreiros devido à sua desterritorialização e excesso de regulação sobre suas práticas produtivas; e a assimetria na disputa de interesses e saberes, técnico-científicos e tradicionais-locais, no contexto dos processos de patrimonialização ambiental através do Parque e de patrimonialização cultural através da regulamentação da produção do queijo canastra.