Grupos de Trabalho (GT)
GT 053: Estudos Etnográficos sobre Cidadania
Coordenação
Marcus André de Souza Cardoso da Silva (UNIFAP), Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UnB)
Resumo:
A terceira onda democratizante na América Latina não se mostrou capaz de suprimir desigualdades estruturais nem garantiu a efetivação dos direitos civis e sociais dos cidadãos. Isto representou um desafio às abordagens formalistas da teoria política, incapazes de explicar satisfatoriamente as especificidades que caracterizaram este processo. Nesse cenário, a antropologia, com seu foco etnográfico, tem muito a contribuir para o debate sobre “direitos”, “cidadania”, “igualdade” e “justiça”. Ao deslocar a análise da dimensão formal da cidadania para como os direitos são vividos, concebidos e problematizados cotidianamente pelos atores sociais, abre-se espaço para perceber rearranjos e concepções distintas da formulação eurocêntrica tradicional. Ao fazer isso, os antropólogos têm desestabilizado abordagens que naturalizam o modelo liberal, demonstrando que não é possível compreender a “cidadania” como um status puramente legal que garante ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres em sua relação com o Estado. Tendo isto em mente, o GT busca comparar e debater trabalhos etnográficos que abordem: como a “cidadania” é significada em diversos contextos etnográficos e por diferentes atores associados às agências do Estado, ONGs, movimentos sociais e outros coletivos; como se dão as relações que estes diferentes atores estabelecem entre si; quais são os desafios metodológicos dos estudos etnográficos sobre “cidadania”.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amanda Martha Campos Scott (UFPE)
Resumo: O presente trabalho versa sobre mulheres difíceis de domar, uma vez que reconhecem e vivem noções de
empoderamento em suas trajetórias de vida, na promoção de direitos, cidadania, igualdade e justiça.
Etnografamos Promotoras Legais Populares formadas pela ONG Grupo Mulher Maravilha, em Nova Descoberta,
Recife- PE, para descobrir o aflorar de uma cidadania explicitada diferentes vertentes, vistas através de
seus próprios relatos de experiências de vida e atuação. As paralegais surgiram há mais de 50 anos na África
e se espalharam pela América Latina, chegando ao Brasil em 1993, através da ONG Themis, em Porto Alegre,
seguida da UMB, União de Mulheres de São Paulo. Nossas protagonistas elaboram em seus discursos significados
próprios para empoderamento e a vivência de sua cidadania, quando relatam sobre igualdade de direitos entre
homens e mulheres, posicionamento político, articulação e mobilização social, demonstrando aspectos além do
status puramente legal para suas condutas. Em suas falas, é possível analisar formas pelas quais elas se
tornam difíceis de domar, exercitando, assim, mais amplamente sua cidadania por, a princípio, quatro
motivos: possuírem uma rede que as apoia, saberem construir sua vida particular, terem um posicionamento
político bem resolvido, e saberem tornar outras mulheres também difíceis de domar.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Andressa Lídicy Morais Lima (UFRN)
Resumo: Partindo de dados coletados em pesquisa etnográfica realizada com a Patrulha Maria da Penha de Natal-RN
durante a pandemia de Covid-19, reúno e analiso a história de vida de um conjunto de interlocutores da
pesquisa para pensar sobre as dinâmicas que podem expressar novas sensibilidades cívicas (Cardoso de
Oliveira, 2018; 2019). Pretendo discutir duas dimensões conceituais que emergiram da experiência de ser
assistida pela PMP-Natal, a saber, os sentidos tributados às noções de cidadania e de justiça. Além de uma
contextualização mais ampla sobre o contexto de desenvolvimento da pesquisa, concentro meu interesse sobre a
dimensão vivida do direito, da cidadania e da justiça. Invisto em uma abordagem focada no sentido que as
mulheres vítimas de violência doméstica conferem à experiência de ser assistidas por uma política de
segurança pública diante de um cenário de aumento de casos de violência doméstica e recuo de políticas
públicas dirigidas ao seu enfrentamento. Por fim, discuto as contribuições que o conceito de "sensibilidades
cívicas", proposto por Cardoso de Oliveira (2018; 2019), pode oferecer para compreender a reivindicação por
justiça, as variações sobre dimensões do reconhecimento e as dinâmicas de exclusão ou supressão discursiva
em contextos de violência de gênero.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Beatriz Fernandes Coelho Gomes (UFF)
Resumo: O presente trabalho é fruto da etnografia realizada durante o meu mestrado, em que a prisão injusta do
músico Luiz Carlos da Costa Justino, jovem negro e violoncelista do projeto social e cultural Orquestra de
Cordas da Grota, foi tomada como ponto de partida para a análise da estrutura social brasileira, onde se
evidenciam as imensas desigualdades, tendo como realidade subjacente o chamado racismo estrutural. Esta
comunicação oral tem como objetivo analisar o processo de incriminação ao qual Justino foi submetido e que o
levou a ser preso no dia 02 de setembro de 2020, por conta de um erro de reconhecimento fotográfico, logo
após ter sofrido uma injustificável abordagem policial no centro de Niterói-RJ. Justino nunca havia tido uma
passagem pela polícia até o fatídico dia de sua prisão arbitrária. Desse modo, como havia uma foto do jovem
no álbum de suspeitos da polícia para que a vítima de um crime pudesse fazer um reconhecimento fotográfico?
Devido à grande mobilização dos membros da Orquestra da Grota junto à mídia e aos movimentos sociais
comprometidos com as pautas dos direitos humanos e antirracista e a rápida articulação com advogados membros
da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, a prisão de Justino foi alçada a um caso de repercussão (KANT DE
LIMA; EILBAUM; MEDEIROS, 2017), sendo noticiada e acompanhada por todo o espectro da mídia, o que foi
determinante para que o jovem obtivesse no dia 06 de setembro de 2020 um Alvará de Soltura. Porém, apesar de
ter sua prisão revogada, Luiz Justino teve de ficar em prisão domiciliar até o dia da Audiência de Instrução
e Julgamento, ocorrida no dia 09 de junho de 2021, quando finalmente foi absolvido do processo criminal a
que teve de responder. Tendo como recorte a lógica da mediação que rege as relações sociais e mesmo
institucionais na sociedade brasileira, distinguindo indivíduo de pessoa (DAMATTA, 1979) e assim
estabelecendo quem é ou não digno de consideração, reconhecimento e direitos (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011), a
apresentação pretende revisitar algumas das questões desenvolvidas na dissertação Orquestra de Cordas da
Grota: mundos da arte e seus dramas sociais, em que a prisão do violoncelista foi tomada como objeto de
análise para discutir as diferentes fases do drama social (TURNER, 2008) vivido pelo músico e o racismo
estrutural subjacente à nossa sociedade e toda a violência que dele decorre.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bóris Maia e Silva (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Resumo: Este trabalho analisa as estratégias para prevenir a violência escolar nas escolas públicas da
Califórnia, concentrando-se nos desafios colocados pela suspensão prolongada das aulas presenciais.
A violência escolar tornou-se um problema público em muitos contextos nacionais nas últimas décadas, embora
sua manifestação se dê de formas diferentes e receba tratamento diverso por parte dos responsáveis por
administrá-la nas escolas e nos órgãos da burocracia educacional. Nos Estados Unidos, o crescimento da
violência escolar alcançou um novo patamar na década de 1990 com os casos de tiroteio (school shooting) em
escolas públicas e privadas do país.
Mais recentemente, com o advento da pandemia, a Califórnia foi o estado americano que ficou mais tempo com
as aulas presenciais suspensas. O prolongado período de aprendizagem remota na Califórnia levou a
dificuldades no reengajamento dos alunos após o seu regresso aos campi físicos, resultando num aumento de
incidentes envolvendo violência entre estudantes e professores. Para enfrentar e prevenir tal violência,
muitas escolas mudaram da abordagem tradicional de tolerância zero para o paradigma da justiça restaurativa.
As práticas restaurativas enfatizam a reparação de danos e a restauração de relacionamentos, em vez de
aplicar medidas punitivas aos estudantes que cometam infrações às regras escolares, como a prática de
violência. Vários distritos escolares da Califórnia adotaram as práticas restaurativas, oferecendo
treinamento aos educadores para renovarem seus métodos disciplinares. Essas estratégias priorizam a
construção de um senso de comunidade, promovendo a empatia e incutindo responsabilidade entre alunos e
funcionários. Busca-se demonstrar como esses conceitos da justiça restaurativa foram aplicados nas escolas
públicas da Califórnia no contexto de pós-pandemia, especialmente nas chamadas escolas alternativas
americanas, que recebem estudantes com problemas de aprendizagem ou disciplinares. Os dados apresentados
baseiam-se em pesquisa etnográfica realizada no segundo semestre de 2022. A pesquisa envolveu entrevistas,
observação direta em quatro escolas públicas de ensino médio, conversas e entrevistas com policiais, agentes
de segurança, profissionais de organizações sem fins lucrativos envolvidas em projetos de violência escolar
e a análise de bancos de dados de violência escolar na Califórnia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bruna Carla Cordeiro de Carvalho (Prefeitura de João Pessoa)
Resumo: A proposta aqui é expor o desenvolvimento da minha pesquisa de doutorado, localizada em João Pessoa-
Paraíba, uma cidade do nordeste do Brasil, que une discussões sobre como resistir e descontruir padrões
burocráticos em um contexto tão específico como o da saúde pública, mais especificamente nos encaminhamentos
para consultas especializadas (o caminho entre a Unidade Básica de Saúde e a Regulação Municipal). Este
trabalho destaca a importância da etnografia como um instrumento crucial para remodelar políticas públicas
em saúde, especialmente no contexto de dentro dos que necessitam do acesso à saúde básica, demonstrando aqui
que o acesso à saúde como uma das vertentes para se concretizar a cidadania. Ao revelar as complexidades das
burocracias, a pesquisa busca desfazer padrões que perpetuam desigualdades, documentando os desafios
enfrentados pelos usuários para fazer valer seu direito à saúde, como filas, esperas e protocolos. A
abordagem etnográfica, essencial para esta análise, enfatiza a necessidade crítica de repensar a relação
vertical entre cidadão e política pública, particularmente diante das barreiras impostas à população
marginalizada. A pesquisa sobre o acesso à saúde pública e os itinerários burocráticos visa compreende como
podemos melhorar a ineficiência na efetivação do direito à saúde, corroborando com a população atendida para
mudanças no sentido de minimizar a indiferença burocrática, que normalmente é utilizada como justificativa
para o cerceamento do acesso à saúde. Ao utilizar a antropologia como base, visualiza-se uma perspectiva dos
indivíduos para com a estrutura burocrática e de como existe uma resistência cotidiana às imposições
institucionais e estruturais, das quais Paul Framer chama de violência estrutural.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Carolina Barreto Lemos (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), Marcus André de Souza
Cardoso da Silva (UNIFAP)
Resumo: Inspirados nas contribuições de pesquisadores/as que atuam dentro do espectro da antropologia do Direito
no Brasil e defendem a especial atenção às noções de justiça e de direitos elaboradas por atores sociais
concretos e circunscritos em contextos específicos, o trabalho proposto visa apresentar e discutir
os significados que as pessoas em situação de privação de liberdade no Distrito Federal, davam a suas
experiências cotidianas, com especial foco em situações, relatos e percepções desses atores sociais
relacionados àquilo que essas pessoas nomeavam pagar pena. A reflexão dialoga com estudos produzidos no
âmbito da antropologia sociocultural por autores como Caillé (2002), Malinowski (1951),
Gluckman (1973), Godbout (1998), Godelier (1996) e sobretudo Mauss (2003) que nos fornecem pistas
interessantes para que se interprete adequadamente de que modo pagar pena ganha sentido na experiência das
pessoas presas no DF, revelando a centralidade da dimensão moral da obrigação do pagamento e do
contrapagamento, assim como sua importância para a criação e a perpetuação dos vínculos
sociais. São igualmente importantes para a interpretação que propomos as reflexões acerca de dilemas de
cidadania e demandas por reconhecimento, desenvolvidos por Honneth (2003) e, no Brasil, por Cardoso de
Oliveira (2011). No contexto analisado, foi possível verificar a reprodução de práticas
institucionais marcadas por padrões de arbitrariedade e autoritarismo que naturalizam violações sistemáticas
dos direitos formais de pessoas privadas de liberdade e são experimentadas por essas pessoas como formas de
desconsideração. O material de campo evidencia, dessa forma, que a instituição prisional é
particularmente representativa das disjunções que impactam a experiência substantiva da cidadania dos grupos
sociais mais vulneráveis à criminalização e ao encarceramento. Nesse contexto, os sentidos simbólicos
suscitados pelas categorias acionadas por pessoas presas são frequentemente marcados por relatos de
experiências de violência física e psicológica que mobilizam demandas por direitos e pelo
reconhecimento de sua integridade pessoal.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Clara Possebom Pinto (UFPR)
Resumo: Nesta comunicação apresento alguns dos resultados preliminares de uma pesquisa realizada em uma
regional do Conselho Tutelar de Curitiba. O enfoque da etnografia recai sobre os modos de conhecimento e de
gestão dessa que é uma das principais instituições responsáveis por assegurar e promover os direitos das
crianças e adolescentes em todo o país. Em Curitiba o Conselho Tutelar é dividido em 10 regionais e
acompanho as atividades cotidianas da regional Matriz da cidade. Ampliando o debate socioantropológico
acerca da gestão do Conselho Tutelar, a pesquisa concentra-se nos conhecimentos, estratégias de gestão e
atores sociais para resolver conflitos com outras instituições sociais, seja a família, a escola, o
Ministério Público, Casas de Acolhimento, Ministério do Trabalho, entre outras. O objetivo da etnografia é
reter de que forma os conselheiros definem suas atividades e lidam com os casos que chegam por denúncias ou
solicitações espontâneas. Expandindo a discussão proposta por Francielly Rocha (2021), busco demonstrar como
no dia a dia uma série de subjetividades dos conselheiros é acionada para que os direitos das crianças e
adolescentes sejam assegurados. A presente pesquisa levanta questões sobre o Sistema de Informação para a
Infância e Adolescência (SIPIA), recurso digital para o acompanhamento das denúncias, além de tratar das
emergências que caracterizam o trabalho do órgão que se define, de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), como uma instituição ininterrupta.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cleiton Machado Maia (UERJ)
Resumo: A frase destacada no titulo desse trabalho faz parte do discurso da então ministra das Mulheres, Família
e Direitos Humanos (MDH), Damares Alves, no dia 24 de maio de 2019, o evento foi organizado pela Secretaria
Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir/MMFDH) e pelo Ministério Público Federal
(MPF), em Brasília em comemoração ao Dia Nacional do Cigano e intitulado "Ciganos no Brasil: Diálogo e
Construção". A cerimônia foi divulgada nos Jornais, Redes sociais e no site oficial do Ministério das
Mulheres, Família e Direitos Humanos. A reportagem do site do MDH tinha por título: Ministra anuncia novo
recorte para os povos ciganos no Disque 100, dando destaque a uma das duas mudanças que foram destaques nas
falas que ocorreram no evento.
Viso analisar a centralidade das categorias infância e família no campo dos Direitos Humanos e sua operação
no dispositivo de gestão de populações minoritárias e periféricas, tendo como alvo o campo político cigano,
objeto central da tese de doutorado que defendi recentemente. O meu foco de análise para este texto serão as
redes construídas por grupos ciganos relacionadas a política e dispositivos de cuidados da família e da
infância no Rio de Janeiro. Principalmente após a extinção do Ministério da Cultura (MinC) no ano de 2019 e
o deslizamento das políticas públicas direcionadas aos ciganos serem incorporadas e geridas pelo recém
criado Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Refiro-me à Secretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) e também alguns Conselhos Tutelares
existentes no Estado do Rio de Janeiro. Tanto a Secretaria dos Direitos da Criança quanto alguns Conselhos
Tutelares tiveram a participação de ciganos como gestores e/ou como objeto de seus cuidados. Destacando,
entre alguns grupos ciganos que acompanhei, cresceu a importância atribuída às categorias infância e família
tanto como modo de construir uma identidade pública dos ciganos como minoria quanto como forma de
participação de lideranças ciganas reconhecidas na gestão de populações minoritárias em defesa de seus
direitos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniel Mendonça Lage da Cruz (UNB)
Resumo: Trabalho e assistência social em dinheiro constituem dois pilares históricos da social-democracia
europeia, apropriada em diversos contextos nacionais. Embora indispensáveis para o bem-estar cidadão, esses
dois aspectos da função equitativa do Estado foram tradicionalmente entendidos como um par hierárquico: a
economia orientada para o pleno emprego deveria garantir o direito-dever de trabalhar, as passo que o
sistema de assistência social em dinheiro teria função residual, figurando como recurso de última instância
para cidadãos não inseridos no mercado de trabalho.
Essa diretriz reproduziu-se na África do Sul, cujas políticas de bem-estar remontam à década de 1930.
Documentos e declarações históricas do Congresso Nacional Africano (CNA) também enfatizaram o trabalho como
base dos direitos-deveres de cidadãos livres. Com o fim do regime do apartheid e a ascensão de Nelson
Mandela à presidência sul-africana, uma situação contraditória produziu-se: conquanto a agremiação
majoritária mantenha a ênfase discursiva no trabalho, a gestão político-econômica não tem ampliado a demanda
de trabalho. Hoje o desemprego conta-se em cerca 30% da mão-de-obra.
Paralelamente, os programas de assistência social em dinheiro massificaram-se e atingem, direta ou
indiretamente, mais de um terço dos sul-africanos. Essa circunstância estimulou importantes pesquisadores da
África austral a sugerirem um novo modelo de cidadania: novo porque primeiramente radicado nas políticas de
transferência direta de renda. Embora grata pelo amplo e generoso sistema de bolsas e pensões estatais, a
maioria negra sul-africana permanece sequiosa por trabalho. Jobs, e não grants, parecem constituir o desejo
primordial de meus interlocutores no país.
Nesta comunicação, exploro alguns aspectos dessa contradição. Argumento que as lutas centenárias por
trabalho e liberdade (categoria que proponho como equivalente sul-africano da cidadania) imbricaram-se
profundamente na consciência popular e continuam a formar o núcleo das demandas e do sentido de correção
moral na África do Sul. Noutras palavras, o trabalho segue como um dever e um prazer de cuja privação muitos
sul-africanos se ressentem. Esse dilema entre moralidade laboral disseminada e política econômica de alto
desemprego também indica zonas de fissão entre o CNA e seu eleitorado orgânico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Berger Valente (City University of NY - CUNY)
Resumo: Esta comunicação busca debruçar-se sobre dois programas que visam facilitar o acesso à documentos
pessoais, e, portanto, ao exercício da cidadania: o Poupatempo e o Gov.br. A pesquisa, ainda em andamento,
se insere num projeto mais amplo que busca compreender uma demanda judicial obrigatória imposta a
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de que eles regularizem seus documentos pessoais como
parte do seu processo de ressocialização. Tal processo, visto como fundamental à garantia de direitos,
requer que adolescentes e seus familiares naveguem por sistemas burocráticos que se encontram cada vez mais
informatizados. O material aqui apresentado é fruto de uma pesquisa etnográfica conduzida em dois espaços
distintos, com diferentes focos de reflexão. O primeiro tem como lócus de pesquisa uma ONG cofinanciada pela
prefeitura de Campinas e responsável pela execução de medidas socioeducativas em meio aberto, em que tenho a
oportunidade de acompanhar adolescentes no processo de regularização de seus documentos pessoais,
predominantemente em instituições como o Poupatempo, mas também através de plataformas digitais da junta
militar e justiça eleitoral. O segundo, conduzida através de pesquisa em arquivos históricos e análise da
legislação vigente, visa compreender a criação e implementação dos programas do Poupatempo e do Gov.br.
Ambos os programas, que surgiram em momentos distintos da história brasileira, pretendem facilitar o acesso
a documentos através da informatização dos processos burocráticos. Buscando refletir sobre as diferentes
premissas que sustentam tais programas e seu uso por adolescentes e familiares, pergunto em que termos a
facilidade de acesso a esses materiais simbólicos da cidadania, produzem (ou não) a disseminação de direitos
garantidos e como, simultaneamente, a obtenção destes mesmos documentos podem limitar e/ou circunscrever
cidadanias possíveis. Dialogo com pesquisas como a de Mariza Peirano que refletem sobre como as práticas de
documentação não se encerram em sua função prescritiva de dar acesso a direitos formais, mas antes como elas
também visam à inclusão de sujeitos em um ideal de nação o qual encontra-se em constante transformação. Se,
por um lado, é necessário portar documentos para acessar direitos, ou seja, a cidadania formal é necessária
para o exercício da cidadania plena; por outro lado, programas que visam a informatização da burocracia para
facilitar o processo de obtenção de documentos, acabam por produzir limitações reais na obtenção e no uso
desses objetos formais de cidadania. Assim, esse paper busca lançar luz não só aos mecanismos burocráticos
de distribuição de direitos, mas à própria produção de um ideal de cidadania, para a qual identificação e
gestão são partes indissociáveis.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana do Socorro Rocha da Silva (UNIFAP)
Resumo: Neste trabalho reflito sobre as dinâmicas sociais de violência em áreas geográficas específicas do
estado Amapá, a partir da minha inserção na pesquisa que relaciona mídia, criminalidade e violência em
Macapá, localizado estado com o maior índice de letalidade policial do país a cada 100 mil habitantes (FBSP,
2023). Nesta pesquisa me utilizo de páginas de notícias locais, e institucionais da Polícia Militar- AP para
somar com reflexões sobre a violência em suas diferentes facetas, a saber o que a disseminação deste tipo de
conteúdo tem produzido. Aqui tento traçar como dinâmicas sociais locais de violência referem-se a interações
com certos corpos e modos de vida específicos do Estado. A constatação feita é de que o cenário de confronto
com a polícia e a letalidade policial revela um padrão de ocorrências nos bairros que se aglomeram em torno
das áreas de ponte/áreas de ressaca do estado ou nos conjuntos habitacionais do governo. Observa-se que a
violência incorporada pela instituição da Polícia Militar não somente é uma técnica letal bem como um padrão
de agir, um habitus (Bourdieu, 1989) autorizado coletivamente. É por meio de técnicas aprendidas e
internalizadas que expressões de violência ganham forma. O corpo é importante aqui por se tornar um lugar na
medida em que a diferença é expressa, tornando-se território que abriga expectativas e prática sociais, que
inclui manifestações da violência estatal (NAST, 1998). Aqui o corpo também é elemento decisivo das relações
de poder em várias dimensões desde a forma como são percebidos e tratados através da violência, punição ou
mesmo a letalidade, aqui expresso na figura do bandido/criminoso, ou valorizados, como os policiais, que se
transfiguram em guerreiros/heróis. A desumanização e a naturalização da morte para certos grupos, tensiona
a linguagem universal dos direitos humanos com uma nova gramática da violência expressas em: CPF cancelado",
"Sal neles" e "padrão A "sociabilidade violenta", o elemento que fragmenta a vida cotidiana e coexiste com
diferentes formas de vida, destaca a inexistência de um "mundo comum, resultando na fragmentação da
cidadania (FREIRE, 2010). Cidadãos que pertencem a grupos historicamente marginalizados enfrentam uma
realidade em que seus direitos são frequentemente desrespeitados, e a violência policial muitas vezes recai
de maneira desproporcional sobre esses grupos. A polícia do Amapá como maior representante da letalidade
policial no Brasil se torna um reflexo direto dos desafios enfrentados na consolidação de uma cidadania
plena para todos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luciane Patrício (UFF)
Resumo: Há mais de quatro décadas observa-se um aumento significativo nos espaços da região metropolitana no Rio
de Janeiro que se encontram sob o domínio de grupos armados. Como consequência, tiroteios e disparos de arma
de fogo se tornaram fenômenos comuns, boa tarde deles durante operações policiais em favelas ou bairros
periféricos. A violação sistemática de direitos também pode ser observada através da precariedade no
oferecimento de políticas públicas, como habitação, educação, saúde, saneamento básico e outros serviços
públicos essenciais. Os moradores convivem com um paradigma belicista, pautado no enfrentamento armado e na
desconsideração da vida dos moradores, somada a uma violação sistemática e rotineira de direitos, de modo
que os confere um status de subcidadãos.
É nesse campo que surgem duas ações judiciárias, que serão aqui chamadas de instrumentos jurídico políticos,
que têm sido capazes de, se não controlar a ação da polícia, constranger o Estado no sentido de reduzir a
letalidade das operações policiais nas favelas. Trata-se da Ação Civil Pública da Maré, que ficou conhecida
como ACP Maré, em vigor de 2016 até 2019; e da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
635, que ficou conhecida como ADPF das Favelas.
O objetivo da presente comunicação é apresentar um estudo comparado dessas duas ações jurídicas e como esses
dois instrumentos foram capazes de mobilizar o judiciário, o executivo estadual, a sociedade civil e as
próprias polícias, contribuindo para a ampliação dos direitos de cidadania para a populações residentes nas
favelas. A análise processual, a atuação de cada ator do Estado, como o MP e a Defensoria Pública, são
aspectos importantes no estudo. O desenvolvimento da Ação Civil Pública da Maré e o protagonismo dos seus
participantes civis pavimentou o caminho para a construção da ADPF das Favelas alguns anos depois.
Destaca-se, para os objetivos do presente estudo, a atuação da sociedade civil que figurou como amicus
curiae (amigos da corte), representada por mães de vítimas da violência policial, pesquisadores e acadêmicos
que estudam o tema, organizações não governamentais que atuam em favelas, entidades de defesa de direitos,
dentre outras, que ganharam protagonismo nas audiências públicas realizadas no Supremo Tribunal Federal.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luciano Lombardi Puccini Junior (UFF)
Resumo: O presente trabalho irá buscar discutir pontos da minha pesquisa para o Mestrado em Antropologia que
estou realizando na Universidade Federal Fluminense, em que busco tratar minha vivência como assessor
legislativo da única vereadora do Partido dos Trabalhadores de Alaúde (nome fictício), cidade onde tenho
participado ativamente de manifestações políticas e encontros partidários. A minha imersão nesse contexto me
levou a perceber complexidades nas relações políticas locais, que envolvem questões de representação,
reputação, e práticas de prestígio entre os vereadores e os munícipes. Sendo assim, meus objetivos na
pesquisa, os quais buscarei apresentar neste trabalho, perpassam pela reflexão sobre a produção de uma
etnografia do próprio trabalho como antropólogo, assessor legislativo, militante e cidadão local, busco
compreender os desafios e conflitos decorrentes dessas múltiplas identidades. Análise das relações políticas
e pessoais na Câmara Municipal: Investigação das dinâmicas políticas entre vereadores, munícipes e
militantes, examinando trocas de favores e alianças. Descrição e análise das trocas de favores entre
vereadores e munícipes: Exploração das práticas de reciprocidade e influência que ocorrem no âmbito da
política municipal. Dessa forma adoto uma abordagem etnográfica, com observação participante nas rotinas
legislativas da Câmara Municipal de Alaúde. A análise qualitativa busca captar os pontos de vista dos
diferentes atores envolvidos, permitindo uma reflexão crítica e um necessário estranhamento das práticas
políticas locais.
Acredito que este estudo contribui para os Estudos Etnográficos sobre cidadania ao explorar as complexidades
das relações políticas em nível local, destacando como as práticas políticas cotidianas influenciam a
percepção e a vivência da cidadania. Ao desvelar as dinâmicas de poder e as negociações presentes na esfera
política municipal, este trabalho enriquece o debate sobre direitos, representação e participação cidadã em
contextos específicos, como o da cidade de Alaúde.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Matheus Almeida de Aguiar (UFF)
Resumo: O controle territorial armado é um problema característico da América Latina e se reflete em segregações
socioespaciais e violações de direitos. Diversos grupos armados estabelecem relações próximas com o Estado e
constroem grande poder político. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, as milícias são os grupos
criminosos de maior influência política e têm expandido fortemente seus territórios nos últimos anos.
Segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados (GENI, 2022), elas ocupam cerca de 50% dos territórios
controlados por grupos armados nesta região, com influência sobre 1,7 milhão de habitantes. Diante do
reconhecido poder político das milícias, este trabalho buscou investigar os impactos do controle territorial
por milicianos no exercício da cidadania e da democracia na região metropolitana do Rio de Janeiro. Para
isso, foram realizados, inicialmente, uma revisão bibliográfica e um levantamento de notícias sobre a
atuação política das milícias. Posteriormente, foi efetuado um estudo de caso, por meio de observação em
campo, em um bairro sob influência de milícia, localizado em um município da Baixada Fluminense. Essa
observação teve como foco inicial a campanha dos milicianos pela reeleição de um candidato a deputado
estadual e uma candidata a deputada federal em 2022, mas foi expandida para a campanha dos mesmos milicianos
pela eleição do candidato Lula (PT) no segundo turno. O trabalho de campo foi concentrado, sobretudo, em
três grandes eventos: um comício com a presença dos candidatos a deputado e os dois dias de eleições -
primeiro e segundo turno. Para apoiar o trabalho de campo, foram coletados dados sobre as eleições junto ao
TRE-RJ e foi realizada uma observação em redes sociais. Os resultados desta pesquisa indicaram que as
milícias possuem várias formas de atuar politicamente, como o lançamento de candidaturas de seus membros, o
estabelecimento de cooperação com políticos, as restrições a campanhas de candidatos em seus territórios e
até mesmo a intimidação e o assassinato de candidatos rivais. A pesquisa concluiu que a heterogeneidade das
milícias se reflete também nessa diversidade de atuação política e no grau de uso da violência nas eleições.
O uso do clientelismo é mais frequente e determinante para as milícias do que a violência e a coação, mas
estas ainda possuem um papel fundamental para o poder político desses grupos. Por fim, a pesquisa concluiu
que a atuação política das milícias em seus territórios compromete os pilares mais básicos do conceito de
democracia, ao impedir, por exemplo, a livre concorrência entre candidatos e ao utilizar o Estado para
benefício próprio. Ao mesmo tempo, ela compromete também os pilares do conceito de cidadania, ao privar os
moradores do pleno exercício de direitos civis e políticos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maurilo Miranda Sobral Neto (UFPE)
Resumo: O presente trabalho se propõe analisar a atuação do Coletivo Força Tururu (CFT) no enfretamento às
violações de Direitos executadas pela prefeitura do município de Paulista/PE nos primeiros meses de
Pandemia. Como referencial teórico, a presente análise parte do diálogo entre o pensamento criminológico
crítico e de conceitos presentes no pensamento Foucaultiano, por serem chaves teóricas que se apresentam
como estratégicas para compreender a hipótese de que a atuação dos coletivos urbanos como atores informais
na garantia de Direitos causa rupturas na racionalidade neoliberal de gestão da vida e da morte em
sociedade. Ademais, a partir de conceitos como biopolítica, contracondutas e da própria ideia de
neoliberalismo é possível observar como o investimento em estratégias de controle social tem produzido
estruturas de cidadania precarizadas e antidemocráticas. Como método, foi realizada uma etnografia com base
na participação observante em virtude do pesquisador ser integrante do coletivo ora estudado. A pesquisa tem
como objeto de análise os primeiros seis meses de pandemia e como se desenvolveu a gestão da vida na
comunidade do Tururu, periferia do município de Paulista e que integra a Região Metropolitana do Recife em
Pernambuco. Nesse período, a secretaria de saúde do município, sem qualquer aviso à comunidade, fechou o
único posto de saúde do território. Em um cenário de pandemia, o fechamento do único serviço gratuito de
saúde no território do Tururu e a ausência de qualquer política garantidora da vida nesse período
possibilita uma leitura de exposição daquelas vidas às consequências da pandemia. Uma lógica neoliberal que
impulsiona estruturas de violações de garantias básicas de um regime democrático. Dessa forma, compreender a
atuação do Coletivo Força Tururu na comunidade apresenta como hipótese um enfrentamento às violações no
território.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Raquel Cerqueira Santos (UNEB)
Resumo: O presente trabalho é resultado de pesquisa de mestrado que se debruçou sobre as dinâmicas
participativas propostas pela prefeitura de Salvador, cidade do nordeste brasileiro, durante o processo de
elaboração do seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. O estudo se desenvolveu a partir de uma
aproximação com os movimentos sociais urbanos e grupos de luta pelo Direito à Cidade e buscou observar, a
partir de um olhar etnográfico, o repertório de interações desenvolvidos por estes movimentos nas audiências
públicas e demais espaços participativos propostos durante a revisão legislativa. A pesquisa acompanhou as
rotinas burocráticas estabelecidas em tais espaços participativos que assumiram dimensões locais (bairros),
regionais e municipal; analisando desde as atividades de oficinas realizadas em diversos bairros, até as
audiências públicas promovidas pela prefeitura na Câmara de Vereadores. Foi objeto de análise ainda, uma
série de documentos, atividades, fóruns e reuniões realizadas pelos movimentos sociais urbanos, ONG'S e
outros atores da sociedade civil envolvidos no processo de formulação da nova legislação. A
observação/participante permitiu vivenciar os diferentes sentidos que assumiu o conceito de democracia neste
processo e como seus participantes significavam a noção de exercício de direitos e prática de cidadania
durante o desenrolar da construção legislativa. Se por um lado o executivo municipal construiu o sentido de
participação democrática como possibilidade de intervenção/fala nas atividades promovidas pelo Estado; os
movimentos sociais, sociedade civil e cidadãos participantes reivindicaram um aprofundamento desse sentido,
numa perspectiva de qualificação da intervenção e de necessidade de escuta por parte do município. Fala e
escuta, portanto, foram elaboradas nesta experiência como duas ações não concomitantes e fragmentadas, uma
vez que apesar da realização formal dos espaços de consulta participativa, os atores sociais não
vislumbraram suas demandas por reconhecimento e garantia de direitos refletidas no texto legal. Da mesma
forma, foi possível observar como a rotina burocrática proposta pelo executivo municipal foi tensionada e
reelaborada pelos movimentos sociais urbanos e grupos de luta pelo direito à cidade. Diante das deficiências
dos canais participativos e restrições impostas às formas de participação política utilizadas pelos
movimentos populares, tais sujeitos construíram durante as audiências públicas novas formas de intervenção
política como os protestos, intervenções artísticas e apitaços. A partir dessas dinâmicas tais movimentos
ressignificaram as rotinas estatais ao inverter os pólos entre aquele que escuta e aquele que fala,
provocando alterações diretas nas práticas institucionais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Thiago Camargo Barreto (UFMG)
Resumo: Este trabalho parte de reflexão que integra minha pesquisa de doutoramento, na qual busco compreender
como distintas narrativas científicas têm sido articuladas em controvérsias em torno dos direitos de pessoas
LGBTI+ no Brasil. Nessa esteira, a noção de ideologia de gênero passou a aparecer com frequência como
categoria de acusação, principalmente após conquistas de movimentos sociais ocorridas nos últimos anos. Mais
recentemente, como já havia sugestionado Junqueira (2017), agentes políticos têm se valido não apenas de
discursos assumidamente religiosos e/ou morais, mas também de narrativas científicas a fim de se
desvencilhar de argumentos laicistas. A partir da chamada CPI da transição de gênero em crianças iniciada em
2023 na ALESP, cujo propósito foi investigar o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e
Orientação Sexual (AMTIGOS/HC-USP), há muito causa de controvérsia (NOVO, 2021) mas que passou a ser alvo de
políticos autodenominados conservadores de maneira mais intensa após iniciar o atendimento a crianças e
adolescentes travestis e transexuais, busquei construir uma análise de cunho etnográfico a partir de atas,
relatórios e demais documentos legitimados pela assinatura do Estado e de notas técnicas elaboradas pela
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA, 2023). Deste empreendimento, informações distorcidas,
inverídicas e discursos que acionam narrativas científicas emergiram como justificativa para desmontar
políticas públicas consideradas fundamentais para população trans. Assim, meu objetivo foi acompanhar ações
e reações de grupos políticos que se colocam contra tal pauta, pensadas como pânicos morais, e daqueles que
lutam por sua consolidação. Sugiro que tal processo evidencia que avanços minimamente já conquistados, como
a política pública de acesso à saúde de jovens trans, estão em constante disputa e indicam menos um cenário
de exercício da cidadania e mais um panorama de desigualdades onde comparecem, como destacou Cardoso de
Oliveira (2022), invisibilidades e demandas por reconhecimento.
Referências:
ANTRA. 2013. Nota técnica sobre acesso à saúde de crianças trans: do modelo transpatologizante ao cuidado
transespecífico. Brasil: Associação Nacional de Travestis e Transexuais, 37 p.
CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. 2022. Direitos ético-morais e a administração de conflitos. Anuário
Antropológico, v. 47, n. 3, p. 11-29.
JUNQUEIRA, Rogério. 2017. A gênese de uma categoria. 20 dez. Rio de Janeiro: Clam. Entrevista concedida a
Laura Lowenkron e Claudia Mora.
NOVO, Arthur. 2021. Famílias em transição: uma etnografia sobre relacionalidade, gênero e identidade nas
vidas trans. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal,
416 p.