ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 053: Estudos Etnográficos sobre Cidadania
Liberdade, trabalho e transferência de renda: dilemas da cidadania (e da economia-política) na África do Sul.
Trabalho e assistência social em dinheiro constituem dois pilares históricos da social-democracia europeia, apropriada em diversos contextos nacionais. Embora indispensáveis para o bem-estar cidadão, esses dois aspectos da função equitativa do Estado foram tradicionalmente entendidos como um par hierárquico: a economia orientada para o pleno emprego deveria garantir o direito-dever de trabalhar, as passo que o sistema de assistência social em dinheiro teria função residual, figurando como recurso de última instância para cidadãos não inseridos no mercado de trabalho. Essa diretriz reproduziu-se na África do Sul, cujas políticas de bem-estar remontam à década de 1930. Documentos e declarações históricas do Congresso Nacional Africano (CNA) também enfatizaram o trabalho como base dos direitos-deveres de cidadãos livres. Com o fim do regime do apartheid e a ascensão de Nelson Mandela à presidência sul-africana, uma situação contraditória produziu-se: conquanto a agremiação majoritária mantenha a ênfase discursiva no trabalho, a gestão político-econômica não tem ampliado a demanda de trabalho. Hoje o desemprego conta-se em cerca 30% da mão-de-obra. Paralelamente, os programas de assistência social em dinheiro massificaram-se e atingem, direta ou indiretamente, mais de um terço dos sul-africanos. Essa circunstância estimulou importantes pesquisadores da África austral a sugerirem um novo modelo de cidadania: novo porque primeiramente radicado nas políticas de transferência direta de renda. Embora grata pelo amplo e generoso sistema de bolsas e pensões estatais, a maioria negra sul-africana permanece sequiosa por trabalho. Jobs, e não grants, parecem constituir o desejo primordial de meus interlocutores no país. Nesta comunicação, exploro alguns aspectos dessa contradição. Argumento que as lutas centenárias por trabalho e liberdade (categoria que proponho como equivalente sul-africano da cidadania) imbricaram-se profundamente na consciência popular e continuam a formar o núcleo das demandas e do sentido de correção moral na África do Sul. Noutras palavras, o trabalho segue como um dever e um prazer de cuja privação muitos sul-africanos se ressentem. Esse dilema entre moralidade laboral disseminada e política econômica de alto desemprego também indica zonas de fissão entre o CNA e seu eleitorado orgânico.