Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 053: Estudos Etnográficos sobre Cidadania
Documentos, informatização, e acesso aos símbolos materiais da cidadania: A demanda pela regularização
de documentos pessoais imposta pelas medidas socioeducativas à adolescentes e seus familiares
Esta comunicação busca debruçar-se sobre dois programas que visam facilitar o acesso à documentos
pessoais, e, portanto, ao exercício da cidadania: o Poupatempo e o Gov.br. A pesquisa, ainda em andamento,
se insere num projeto mais amplo que busca compreender uma demanda judicial obrigatória imposta a
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de que eles regularizem seus documentos pessoais como
parte do seu processo de ressocialização. Tal processo, visto como fundamental à garantia de direitos,
requer que adolescentes e seus familiares naveguem por sistemas burocráticos que se encontram cada vez mais
informatizados. O material aqui apresentado é fruto de uma pesquisa etnográfica conduzida em dois espaços
distintos, com diferentes focos de reflexão. O primeiro tem como lócus de pesquisa uma ONG cofinanciada pela
prefeitura de Campinas e responsável pela execução de medidas socioeducativas em meio aberto, em que tenho a
oportunidade de acompanhar adolescentes no processo de regularização de seus documentos pessoais,
predominantemente em instituições como o Poupatempo, mas também através de plataformas digitais da junta
militar e justiça eleitoral. O segundo, conduzida através de pesquisa em arquivos históricos e análise da
legislação vigente, visa compreender a criação e implementação dos programas do Poupatempo e do Gov.br.
Ambos os programas, que surgiram em momentos distintos da história brasileira, pretendem facilitar o acesso
a documentos através da informatização dos processos burocráticos. Buscando refletir sobre as diferentes
premissas que sustentam tais programas e seu uso por adolescentes e familiares, pergunto em que termos a
facilidade de acesso a esses materiais simbólicos da cidadania, produzem (ou não) a disseminação de direitos
garantidos e como, simultaneamente, a obtenção destes mesmos documentos podem limitar e/ou circunscrever
cidadanias possíveis. Dialogo com pesquisas como a de Mariza Peirano que refletem sobre como as práticas de
documentação não se encerram em sua função prescritiva de dar acesso a direitos formais, mas antes como elas
também visam à inclusão de sujeitos em um ideal de nação o qual encontra-se em constante transformação. Se,
por um lado, é necessário portar documentos para acessar direitos, ou seja, a cidadania formal é necessária
para o exercício da cidadania plena; por outro lado, programas que visam a informatização da burocracia para
facilitar o processo de obtenção de documentos, acabam por produzir limitações reais na obtenção e no uso
desses objetos formais de cidadania. Assim, esse paper busca lançar luz não só aos mecanismos burocráticos
de distribuição de direitos, mas à própria produção de um ideal de cidadania, para a qual identificação e
gestão são partes indissociáveis.