ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 053: Estudos Etnográficos sobre Cidadania
Documentos, informatização, e acesso aos símbolos materiais da cidadania: A demanda pela regularização de documentos pessoais imposta pelas medidas socioeducativas à adolescentes e seus familiares
Esta comunicação busca debruçar-se sobre dois programas que visam facilitar o acesso à documentos pessoais, e, portanto, ao exercício da cidadania: o Poupatempo e o Gov.br. A pesquisa, ainda em andamento, se insere num projeto mais amplo que busca compreender uma demanda judicial obrigatória imposta a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de que eles regularizem seus documentos pessoais como parte do seu processo de ressocialização. Tal processo, visto como fundamental à garantia de direitos, requer que adolescentes e seus familiares naveguem por sistemas burocráticos que se encontram cada vez mais informatizados. O material aqui apresentado é fruto de uma pesquisa etnográfica conduzida em dois espaços distintos, com diferentes focos de reflexão. O primeiro tem como lócus de pesquisa uma ONG cofinanciada pela prefeitura de Campinas e responsável pela execução de medidas socioeducativas em meio aberto, em que tenho a oportunidade de acompanhar adolescentes no processo de regularização de seus documentos pessoais, predominantemente em instituições como o Poupatempo, mas também através de plataformas digitais da junta militar e justiça eleitoral. O segundo, conduzida através de pesquisa em arquivos históricos e análise da legislação vigente, visa compreender a criação e implementação dos programas do Poupatempo e do Gov.br. Ambos os programas, que surgiram em momentos distintos da história brasileira, pretendem facilitar o acesso a documentos através da informatização dos processos burocráticos. Buscando refletir sobre as diferentes premissas que sustentam tais programas e seu uso por adolescentes e familiares, pergunto em que termos a facilidade de acesso a esses materiais simbólicos da cidadania, produzem (ou não) a disseminação de direitos garantidos e como, simultaneamente, a obtenção destes mesmos documentos podem limitar e/ou circunscrever cidadanias possíveis. Dialogo com pesquisas como a de Mariza Peirano que refletem sobre como as práticas de documentação não se encerram em sua função prescritiva de dar acesso a direitos formais, mas antes como elas também visam à inclusão de sujeitos em um ideal de nação o qual encontra-se em constante transformação. Se, por um lado, é necessário portar documentos para acessar direitos, ou seja, a cidadania formal é necessária para o exercício da cidadania plena; por outro lado, programas que visam a informatização da burocracia para facilitar o processo de obtenção de documentos, acabam por produzir limitações reais na obtenção e no uso desses objetos formais de cidadania. Assim, esse paper busca lançar luz não só aos mecanismos burocráticos de distribuição de direitos, mas à própria produção de um ideal de cidadania, para a qual identificação e gestão são partes indissociáveis.