ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
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Coordenação
Gustavo Ruiz Chiesa (FURG), Camilla Agostini (UERJ)
Debatedor(a)
Lilian Panachuk (UFMG)

Resumo:
Este Grupo de Trabalho tem como objetivo explorar as contribuições da Antropologia e da Arqueologia no âmbito dos Estudos de Cultura Material. O diálogo entre pesquisadores/as dessas áreas de conhecimento visa rever as fronteiras que compartimentalizam o saber acadêmico, destacando a riqueza das perspectivas inter e transdisciplinares para o estudo da experiência humana a partir das coisas. As práticas sociais e os significados simbólicos estão intrinsecamente entrelaçados com a cultura material. Nesse sentido, o GT pretende acolher contribuições que explorem a relação dinâmica entre artefatos, patrimônios, paisagens, lugares e a construção de seus sentidos culturais em contextos pretéritos ou contemporâneos. Nosso objetivo é compreender como a materialidade atua como mediadora nas relações entre sociedades humanas e seus ambientes, examinando como as coisas são sentidas e incorporadas em narrativas culturais. O tensionamento das fronteiras entre o material e o imaterial também é incentivado, proporcionando uma compreensão mais aprofundada a respeito da vida das coisas em nosso cotidiano, o que inclui seus contínuos processos de formação e transformação. Ao explorar as confluências entre Antropologia e Arqueologia, no âmbito dos Estudos de Cultura Material, almejamos contribuir para um entendimento mais integrado das práticas culturais humanas, reconhecendo os desafios e benefícios de integrar métodos e abordagens teóricas diversas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O feitio do caboclo e os calços do maracatu de baque solto
Alexandra de Lima Cavalcanti (UFPB)
Resumo: Essa pesquisa pretende refletir acerca das mudanças da indumentária do caboclo de lança (principal personagem do maracatu de baque solto) a partir das mudanças experimentadas pela manifestação ao longo do século XX decorrentes da saída do brinquedo do terreiro para o palco e das novas relações estabelecidas com a sua espetacularização. Até a década de 1970, maracatu de baque solto era associado à violência e despertava inquietação por onde passava. A escravidão, a monocultura canavieira, o controle político de uma elite branca e a hegemonia da religião católica fincaram as raízes das tradições culturais da zona da mata pernambucana. Era inevitável, portanto, que as manifestações surgidas a partir desse contexto imprimissem experiências conflituosas no meio da festa. Isso é muito característico nas festas populares, quando a própria vida é representada nas apresentações e a brincadeira se torna, por um tempo, vida real. O duelo era, portanto, uma peça decisiva no enredo da tradição. Quando dois grupos defrontavam-se no meio de um canavial, era comum que acontecessem brigas severas entre os folgazões. Se defender, resistir, sobreviver era um componente central da experiência. Por outro lado, o espetáculo trouxe um processo inevitável de transformações e adaptações às novas tecnologias, consumo e formas de trabalho, uma vez que as heranças culturais estão impregnadas de significados amplos e extremamente ativos e que a festa é uma forma cheia de significados. Mais do que golas, lanças e chocalhos, a indumentária do caboclo de lança é sua armadura, a extensão do mundo invisível e natural. É a imaterialidade expressa na materialidade. Se vestir para o carnaval envolve uma longa e rica preparação. A festa incorpora o apogeu de uma paixão, de identidades, heranças e representa um símbolo bastante significativo de luta contra a opressão cultural e a marginalização das expressões populares: um duelo mantido no campo da arte.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Religião, materialidade e cultura visual: conhecendo espaços devocionais caseiros na cidade de São Paulo
Amanda Patricia Tagliaro (UNIFESP)
Resumo: A pesquisa de mestrado, realizada no Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo, procura explorar a presença de objetos religiosos no espaço residencial visando as aplicações formais e simbólicas destes elementos. Outro ponto de investigação, está nas relações criadas pelos devotos com os espaços caseiros reservados para alocar estes elementos, que podem ser chamados de altarzinhos, cantos de reza, oratórios, dentre outros termos populares. Entendemos que no grupo religioso escolhido como recorte de pesquisa, cristão católico, o consumo material imagético se mostra forte desde sua construção enquanto instituição, chegando ao Brasil no período colonial e sendo modificado de acordo com as culturas populares regionais, se mostrando na atualidade de diversos modos. Percebemos através das entrevistas coletadas que, apesar dos espaços devocionais carregarem semelhanças materiais, ou seja, imagens com o mesmo código iconográfico, com as mesmas cores, formas e materiais, cada configuração é única, cada experiência e vivência religiosa se manifesta de uma forma, carregam afetos e familiaridades pertencentes a um imaginário religioso coletivo, mas que são expostos conforme suas particularidades.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dos espíritos aos objetos: reflexões sobre o Museu Nacional do Espiritismo
Ana Carolina Vieira da Silva Pereira (UFPR)
Resumo: A antropóloga holandesa Birgit Meyer (2018) apontou para uma forma característica de compreensão hegemônica sobre a religiosidade experienciada na Europa, majoritariamente protestante. Ela coloca que essa visão classificaria as religiões em dois campos: o primeiro é imaterial, abstrato e espiritual; contemplando assim as religiões maiores, como é o caso das denominações protestantes. Já o segundo seria material, concreto e corporal, denominando às religiões tidas como menores, como o Catolicismo, paganismo, e as religiões e crenças advindas do restante do mundo. Nessa perspectiva, havemos de pensar o caso do Espiritismo: uma doutrina nascida na França do século XIX, de berço positivista, que migra ao Brasil no mesmo século, e no seguinte, se mistura às demais religiões aqui estabelecidas; se tornando o que Stoll (2003) chama de Espiritismo à brasileira, ou ainda o que Lewgoy (2012) coloca como um processo de brasilianização”. Todavia, apesar de lida enquanto uma religião dos espíritos, o Espiritismo, como apontou Aubrée e Laplantine (2009), seria essencialmente material. Isso pode ser observado em diversas práticas elaboradas desde Allan Kardec, fundador da doutrina, que consistem em exercícios que produzem provas materiais da existência desses seres, como livros, cartas, pinturas, móveis em movimento, luvas de cera, fotografia, entre outros. Diferentes centros espíritas compreendem essas materializações a sua forma, na Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas (SBEE), localizada em Curitiba, isso é expresso não somente em toda sua estrutura, mas também na livraria e no Museu Nacional do Espiritismo (MUNESPI), criado e mantido pela instituição desde 1965. Este trabalho é focado no museu e nessa relação entre o Espiritismo e a materialidade que podemos observar lá. Com isso, procuro compreender como essa materialização é pensada e organizada no espaço, como esta se relaciona com a casa espírita e com a doutrina de forma geral. E como os objetos mediam os vínculos entre os sujeitos vivos e desencarnados (mortos/espíritos), assim como entre os frequentadores e trabalhadores da casa e a religião ali experienciada. Dessa forma, compreender as diferentes formas como esses objetos capturam os simbolismos, discursos e narrativas espíritas que os produzem e que por eles são produzidos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões e releituras da Arqueologia e dos Estudos de Cultura Material, a partir dos Estudos Animais e Multiespécies: o reconhecimento científico de capacidades culturais e simbólicas de animais
Carolina Alves d' Almeida (UNIRIO)
Resumo: Pretendo apresentar reflexões sobre minha dissertação de mestrado em Arqueologia (MN/UFRJ), intitulada A Arqueologia para além dos limites antropocêntricos: reflexões sobre a questão da subjetividade, da cultura e da cultura material de animais não humanos, através de diálogos interdisciplinares (2011). Em vista da incipiência, na época, dos estudos animais no Brasil, os principais objetivos eram éticos-políticos: a) reconhecer capacidades culturais/simbólicas dos animais não-humanos, através da análise da sua cultura material, refletindo sobre controvérsias éticas, ontológicas e epistemológicas envolvidas nesse processo de mudança de status ontológico dos animais "ocidentais"; b) repensar a Arqueologia como disciplina não-antropocêntrica e transversal, através do reconhecimento da capacidade de alguns animais de fabricarem ferramentas e cultura material, construírem paisagens e deixarem registro arqueológico; e, c) repensar a Arqueologia da Paisagem como uma abordagem relacional e interdisciplinar, a partir da qual a cultura material é considerada socialmente construída através de relações emaranhadas entre uma multiplicidade de agentes e modos de vida ao longo do tempo. Inicialmente, me fundamentei no enfoque arqueológico pós-processualista da paisagem como cultura material”. Posteriormente, recorri às abordagens ecológicas, relacionais e simétricas da antropologia da ciência, dos estudos de ciência, tecnologia e sociedade (CTS), dos estudos sociais e culturais das ciências e das perspectivas decoloniais. Consultei trabalhos de etólogos e primatólogos, como os japoneses, pioneiros no estudo do comportamento cultural em primatas, com a jovem macaca-japonesa (Macaca fuscata) Imo, na ilha de Kochima, na década de 1950, como a Jane Goodall, pioneira no estudo das capacidades culturais dos chimpanzés na primatologia ocidental, Boesch, Whiten, Mcgrew, De Waal, Toth, Schick, Ottoni, Fuentes, Lestel, entre outros que dissolveram fronteiras epistemológicas entre ciências animais e sociais. Acompanhei etólogos e macacos-prego (Sapajus) pelo Brasil. Em resumo, eu buscava, através da discursividade da cultura material, dar visibilidade para a multivocalidade e múltiplas linguagens e racionalidades do mundo animal. A cultura material produzida por animais não-humanos, nesse sentido, era um instrumento para a descolonização interespecífica, ontológica e epistêmica, dos mundos e atores animais, dominados, subalternizados e socialmente-historicamente excluídos. Meu objetivo, portanto, é revisar essas questões visando preencher lacunas à luz dos novos conceitos, ideias e referências dos estudos animais e multiespécies, que reconhecem os animais como sujeitos históricos e arqueológicos em sociedades ou comunidades compartilhadas, híbridas ou multiespécies.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Quem diria? E agora tu está aqui!”: indagações acerca das coisas que as coisas podem fazer
Caroline Pereira Dias (UFSM), Maria Catarina Chitolina Zanini (UFSM)
Resumo: Essa proposta de trabalho é um recorte de pesquisa que finalizou em dissertação, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e contou com o suporte da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Enquanto profissional formada em design de produto, as coisas e suas potências sempre me inquietaram, desse modo, na dissertação busquei explorar as relações que se passam entre pessoas e coisas em contextos familiares, nos quais as coisas transcendem sua materialidade e adquirem significados outros, impregnados de um poder mágico (mana) que lhes é atribuído e reconhecido nesses contextos. Busca-se com este recorte, por meio de reflexões suscitadas durante o mestrado, trazer indagações sobre as coisas que as coisas me levaram a fazer: meu ponto de partida para o mestrado foi uma camisolinha que minha mãe herdou da mãe dela. Um dia olhei para a camisola e vi algo que não havia visto antes: minha avó e as conexões que se emaranhavam com/por meio da camisola. Partindo deste momento a camisola norteou os caminhos na pesquisa, acompanhando até o fim e segue pelos caminhos porvir. Com frequência as coisas, em sua humildade, são relegadas a um espaço periférico de invisibilidade, no entanto, as coisas percorrem trajetórias em seus contextos e em suas interações cotidianas com os sujeitos pois o fazer cotidiano é sempre um fazer com, desse modo, por meio da dissertação concluiu-se que as coisas além de nos levar a percorrer os mais diversos caminhos de pesquisa, também são elos vinculando e fazendo lembrar que acabam por atravessar gerações através do tempo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nós nos vendemos, mas não estamos à venda: transformações técnicas, formas de aprendizagem e relações de trabalho na prática da tatuagem comercial no Distrito Federal
David Octavio Moura Martins (UNB)
Resumo: Este resumo é resultado de uma investigação em curso a respeito de transformações que têm se dado na cultura material da tatuagem comercial brasileira essas transformações, podemos imaginar, não se dão descoladas de um contexto mais amplo, situações análogas com certeza podem ser observadas em diversos outros países e localidades. Os apontamentos aqui feitos, ainda muito gestuais com caráter de esboço, são resultado de uma etnografia em curso e de um engajamento em campo de 9 meses; a partir de interlocuções com tatuadores, suppliers, e construtores de máquinas de tatuar. Nos últimos meses temos concentrado a atenção na oficina do Carlos Marcelo Jabá, em Samambaia Sul, no Distrito Federal. O Jabá é um sujeito bastante relevante e respeitado na cena da tatuagem no Brasil, atuando nesse campo desde os anos 80. Ele se dedica à construção de máquinas de tatuar handmade há quase 20 anos. Bem, a prática da tatuagem comercial como conhecemos hoje, está intimamente ligada à maquinização desse mesmo processo. Um ofício técnico que era costumeiramente executado sem o uso de máquinas, ou seja, com agulhas propulsionadas apenas pela força do corpo e percutidas sobre outro corpo se viu consideravelmente revolucionado com a primeira patente de máquina elétrica. Desde meados dos século XX, as máquinas elétricas de tatuagem têm sido replicadas em larga escala: primeiro por tatuadores e construtores artesanais (que eram tanto projetistas quanto usuários dessas máquinas), depois por grandes empresas que nasceram e se estabeleceram nesse meio. Além disso, desde o final dos anos 90 proliferaram-se novos tipos diversos tipos de máquinas de tatuagem (alternativos à máquina elétrica, ou de bobina objeto técnico dominante até então), que com maior ou menor sucesso, encontraram seu lugar e uso pelos trabalhadores do mercado de tatuagem comercial. O esforço etnográfico aqui empreendido busca, a partir de descrições densas dos processos técnicos auxiliados muito provavelmente de materiais audiovisuais que temos produzido até aqui dedicar atenção à compreensão das ações e do comportamento operatório envolvidos na construção de máquinas de tatuar (e de certa forma, de maneira acessória e comparativa, à própria prática de tatuar que é articulada por esses objetos). Partindo-se do arcabouço conceitual e metodológico da Antropologia da Técnica, e da relação dos atores presentes nessa rede sociotécnica povoada por humanos e objetos, pensamos poder projetar alguma luz sobre algumas questões: Que novas formas gestuais aparecem com as transformações nas máquinas de tatuagem? Que tipo de curvas e processos de aprendizagem elas engendram? Como essas dinâmicas transbordam em transformações nas formas de trabalho e nas relações econômicas entre atores do campo?

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões sobre o futuro desconhecido, o presente destruído e o passado negado da Palestina
Débora Elpes Rodrigues dos Santos (IPHAN/MG)
Resumo: Este trabalho busca refletir criticamente a respeito dos registros postados em tempo real do primeiro genocídio televisionado no mundo - o conflito entre Israel e Palestina iniciado em 7 de Outubro de 2023, desdobramento de um complexo conflito étnico (mascarado de conflito religioso) que se arrasta desde a I Guerra Mundial. Partindo de um resgate histórico, para justificar sua existência enquanto nação, Israel lançou mão de diversas estratégias em diferentes campos, dentre eles a Arqueologia. Afinal, a disputa pela memória de um território passa pela fluidez temporal passado-presente-futuro, uma vez que a maneira como formulamos ou representamos o passado molda nossa compreensão e nossas concepções do presente (Said, 2011, p. 27). Nesse sentido, à medida que o Estado de Israel mina a identidade palestina dificultando expressões culturais e se apropriando de outras tantas, a resistência palestina segue incansavelmente encontrando saídas para a manutenção de sua memória e existência. Em um vídeo publicado na rede social Instagram, dia 29 de Novembro de 2023, a jovem repórter palestina Bisan Owda denuncia que um prédio que guardava documentos da cidade de Gaza datados até 100 anos atrás foi destruído por um bombardeio israelense e conclui dizendo: the future is unknown, the present is destroyed and the past is no longer our past”. Motaz Azaiza, importante repórter e fotógrafo palestino de apenas 24 anos, compartilhou em sua conta no Instagram uma refeição chamada Makluba, preparada por sua mãe, no dia 28 de Novembro de 2023 - durante a pausa de 7 dias do conflito. No vídeo é possível ver como a comida é parte afetiva da memória palestina e como a experiência, ao ser compartilhada, ganha significados múltiplos - principalmente um respiro de alento em meio ao caos. Dessa forma, o presente trabalho evidencia como a situação dos palestinos, cuja vida em crise é a vida normal (Bordonaro et. al, 2009), vêm se tornando cada dia mais insustentável à medida que Israel avança com seu projeto de limpeza étnica (Pappé, 2016); ao mesmo tempo em que celebra a força e a resistência deste povo. Referências: Bordonaro, L., Brazzabeni, M., Silva, M.C., Manuel Cavaleiro, J., Durand,J-Y., Leal, J. … Almeida, M.V. (2009, nov). A crise é a vida normal: a antropologia face à crise. Próximo Futuro/Next Future. Disponível em https://www.academia.edu/623857/A_Crise_é_a_Vida_Normal._A_Antropologia_Face_à_Crise Ilan Pappé. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo, Editora Sundermann, 2016. SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. Editora Companhia das Letras, 2011.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Etnografia, arqueologia e história na análise da presença indígena no sul do Triângulo Mineiro e leste do Mato Grosso do Sul
Gabriel Zissi Peres Asnis (UFSCAR)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar do ponto de vista etnográfico, histórico e arqueológico a presença indígena no sul do Triângulo Mineiro e leste do Mato Grosso do Sul, região que de acordo com a documentação histórica foi dominada pelos chamados Cayapó, um conjunto de grupos guerreiros que dificultaram a entrada das frentes coloniais no interior do Brasil. Desde o início do século XX, os Cayapó foram considerados extintos nessa localidade, pois haviam perdido a sua cultura em razão do contato com alteridades diversas. Tal afirmação vem se mostrando cada vez mais uma inverdade. Primeiro, pelo fato já constatado de que os atuais Panará seriam um dos grupos que foram encaixotados pelo termo Cayapó”. Segundo, pelo movimento de ressurgência étnica que vem ocorrendo na região, com cada vez mais pessoas se autodeclarando indígenas e possivelmente tendo relações com aqueles antigos Cayapó que foram ali descritos. Assim sendo, o tema central do trabalho é discorrer acerca de como os indígenas do sul do Triângulo Mineiro e leste do Mato Grosso do Sul interpretam, contextualizam, apropriam e explicam as informações contidas nos materiais arqueológicos e nos documentos históricos. Passando por temas como paisagem, interculturalismo, emergência étnica, indígenas em contexto urbano e historicidade indígena, o trabalho busca ser uma ferramenta a mais nas lutas travadas por essas pessoas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Um ser multiespécie- Como um terreiro de candomblé nos ajuda a pensar os limites da espécie e as relações mais que humanas
Hugo Weslley Oliveira Silva (UFPE)
Resumo: O terreiro de candomblé é um ser vivo, e ele está em construção. Para os membros do Ilê Asé Ojú Obá Ayrá e Nanã não há dúvidas ao afirmar que o terreiro é um ser vivo. Com seus próprios santos e mestres, o terreiro demanda vidas em relações, apresentando vontades e desejos próprios, é, como diria Rabelo (2014) um ser em feitura, cujas dependências mostram o poder de suas relações, sejam elas humanas ou mais que humanas. Assim surge uma dúvida: se o terreiro é um ser vivo, como concebê-lo? Uma vez que ele não se enquadra em nenhuma categoria de ser vivo que conhecemos ocidentalmente. É Haraway (2021) quem nos lembra que devemos ir além das categorias sexuais para entendermos o que é um ser vivo, para a autora a categoria espécie não compreende a complexidade da existência de seres humanos e mais que humanos, tal categoria limita os agentes, sejam eles orgânicos ou não, ao resultado de sua reprodução sexual baseada nas materialidades de um corpo confinado em si. Haraway (2022), então, propõe algo que nos é útil na presente discussão: pensar que os agentes como existências multiespécie. Trata-se, portanto, de um ser vivo em relação, tanto quanto qualquer outro. Podemos pensar em um terreiro de religiões afro-ameríndias como um ser mais que humanos? Essa pergunta parece ter uma resposta óbvia de início, mas pode nos revelar uma série de questões do aqui podemos chamar de relações de cuidado multiespécie (Bellacasa, 2017). Ao mesmo tempo em que os santos, mestres e guias precisam do alimento (e dos cuidados que somente uma relação multiespécie pode proporcionar), essa relação não é necessariamente neutra ou pacífica, aquilo que alimenta é um ser vivente capaz de produzir narrativas sobre si e sobre suas relações (Despret, 2021). Então, propomos um estudo cuja base metodológica é perseguir o terreiro, inspirado no modelo de Tsing (2022), nos propomos a acompanhar as relações entre terreiro e agentes humanos e mais que humanos, que não se limitam a uma temporalidade, a uma humanidade ou mesmo uma única classificação de mais que humano. Nesse sentido, a construção material, e espiritual, de um terreiro nos ajudam a compreender como em suas assembleias (Tsing, 2022), isso porque para pensar no terreiro como um ser vivo precisamos pensá-lo como uma formação de muitos que foram uma coisa só. O terreiro seria um agente formado por muitas relações. Assim, entende-se que o terreiro é também um agente multiespécie, e sua forma de existência está sempre ligada a tantas outras. O terreiro é um ser vivo e multiespécie à medida que depende fisicamente de outros seres, sejam eles vegetais, animais ou minerais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre deslocamentos, técnicas e tecnologias de uma vida ribeirinha
Joicieli Pereira de Lima (UFPA)
Resumo: Esta pesquisa é parte de um trabalho etnográfico da dissertação no qual busco mostrar o modo de vida da população ribeirinha marajoara em São Sebastião da Boa Vista Pa e suas práticas cotidianas diante da sazonalidade entre inverno e verão, especificamente na localidade Pau de Rosa que se encontra na zona rural do município, do qual as pessoas chamam de interior”. A partir da prática da vida cotidiana das pessoas foi possível notar que elas estavam se deslocando seja pelo rio, pelo seco, pela lama, mas que dentro desse deslocamento a noção de tempo e espaço para se referir ao que é perto e ao que é longe estava sendo mediada pela relação das pessoas com as diferentes paisagens, principalmente pela presença ou ausência da água, compreendendo como parte da sua realidade e do seu modo de vida, agindo de acordo com essa vinculação ao seu próprio cotidiano. Além disso, a métrica entre o tempo e espaço também se relaciona com as tecnologias utilizadas para o deslocamento que dependendo se as pessoas têm ou não os equipamentos se torna mais fácil ou mais difícil de interagir com as paisagens. Nesse sentido, é possível perceber como as pessoas desenvolvem habilidades e conhecimentos intrínsecos para se relacionar com os diferentes equipamentos de transporte em diferentes paisagens, e como é fácil ou difícil de se relacionar com essas paisagens a depender dos objetos que possuem.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A Semente, a Árvore e o Encantado: um estudo da ontologia indígena no Alto Sertão de Alagoas, Brasil
José Moisés de Oliveira Silva (UFPA/SEDUC)
Resumo: Os indígenas Jiripankó, Kalankó, Katokinn, Karuazú e Koiupanká, presentes no Alto Sertão alagoano, Nordeste brasileiro, possuem uma relação estreita entre si, por serem resultantes de diáspora dos Pankararu em Pernambuco, compondo a árvore de tronco Pankararu. A ideia de árvore encontra uma dimensão maior que a genealógica ou mesmo botânica, é ontológica, em uma perspectiva vegetal, onde a ligação destes povos é vista por eles mesmos, a integrar uma fisiologia dentro de sua organização social, sendo os grupos mais antigos tronco e os mais jovens rama. Essa árvore é composta por pessoas, sementes minerais e seres encantados, expressando uma rede de sentidos que vai além da explicação consanguínea, quando conectada ao território cosmológico, a dimensão cultural, de um povo que habita, principalmente, o bioma caatinga. Com esta pesquisa busco por meio etnográfico, da cultura material e a ecologia humana compreender quais os principais elementos dessa interpretação predominantemente vegetal da natureza, que vem se ampliando, nesse caso, entre os indígenas no Alto Sertão de Alagoas. Por suas categorias próprias de interpretação do mundo que se contrapõem a expansão dos grandes empreendimentos, como a barragem de Itaparica onde está submersa a cachoeira encanta, sendo a principal ação politica desses povos a chamada emergência étnica, diante daqueles que negaram suas existências.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Registros de um mundo depois de seu fim: o terricídio cometido pela Braskem.
Laryssa Owsiany Ferreira (UFRRJ)
Resumo: O presente trabalho é uma etnografia que percorre as rotas de fuga, as ruínas e os escombros dos cinco bairros afetados pelo maior crime ambiental em área urbana em curso no mundo. A frase o solo de Maceió é como um queijo suíço é constantemente repetida por meus interlocutores para exemplificar as 35 minas que foram cavadas pela Braskem sem obedecer à distância mínima de 100 m entre elas. Segundo geólogos, algumas dessas minas se juntaram em buracos onde caberia o estádio do Maracanã. Apesar de ter sérias implicações desde a sua implementação na década de 70, o caso tornou-se conhecido após um tremor de terra em março de 2018. Surgiram rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que se abriram acarretando no deslocamento forçado de cerca de 60 mil pessoas. A área desocupada desde 2018 é equivalente a 78 campos de futebol, e a cratera aberta recentemente em 2023 pela mina 18 comporta o volume de água de mais de 11 piscinas olímpicas. Tais comparativos são utilizados para ajudar em um exercício imaginativo das proporções da catástrofe em curso. Neste recorte, fruto de minha tese de doutorado, apresentarei o caso de uma igreja evangélica específica localizada em um dos bairros desocupados que é símbolo de resistência no território atingido pela mineradora. Durante a pandemia (em 2021), o templo foi tombado como Patrimônio Material e Imaterial do Estado de Alagoas e, portanto, não pode ser demolido pela Braskem, ainda que todo o seu entorno esteja sob escombros. Um dos aspectos que sempre me chamou a atenção é o modo como a igreja se compromete em todos os seus posicionamentos com a proclamação de uma fé comprometida com todas as existências’, não apenas as humanas. Um trecho de uma nota divulgada por sua pastoral ambiental diz o seguinte: compreendemos a importância de promover espaços que reflitam sobre a nossa coexistência na/com a criação, respeitando o sagrado que coabita todo tipo de vida e ambiente." A Defesa Civil de Maceió ao apresentar justificativas para as demolições afirma que casas em ruínas podem gerar epidemias, zoonoses e problemas ambientais”. De forma frequente é possível encontrar menções à escorpiões, aranhas, insetos, ratos, focos de dengue, fungos, e plantas descontroladas, além de uma superpopulação de gatos que inclusive constitui um eixo de trabalho do Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais. Além das paisagens multiespécies (TSING, 2022), parte do objetivo deste trabalho é também compartilhar algumas reflexões sobre um certo turismo que tem surgido em busca pelos bairros fantasmas e pela visitação das ruínas. E também registros etnográficos das estratégias de mobilização e luta por memória que vêm sendo desenvolvidas por membros da igreja e ex-moradores no território atingido.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O pano da costa agenciado por memórias na tradicional Festa da Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte, Recôncavo da Bahia
Lígia Maria Silva Macêdo (UNIRIO), Adriana Russi Tavares de Mello (UNIRIO)
Resumo: Este trabalho faz parte da minha pesquisa de mestrado defendida em 2024 que propõe pensar o pano da costa enquanto objeto do vestuário agenciado por memórias. O pano da costa é feito de tecido plano retangular e compõe o conjunto de peças que constituem o traje da baiana, indumentária tradicional de Candomblé e obrigatória para as filhas de santo sobretudo nos terreiros. Pode ser utilizado envolvendo o corpo e sobre os ombros, dentre outras formas e funcionalidades. Apresento um estudo sobre esta roupa no contexto do Candomblé, articulando de forma interdisciplinar, memória social e religiosidade afro-brasileira, que a situa, então, na interface dos estudos da cultura popular brasileira e do patrimônio. A presente proposta aborda este artefato pela perspectiva da cultura material, a fim de compreender a roupa e os objetos atrelados à indumentária, fundamentais para os processos desta religiosidade, como coisas dotadas de agência (Gell, 2020). E no âmbito da cultura popular (Arantes, 2012) como roupas designadas pela tradição e costumes de determinados grupos sociais enquanto possuidoras de certa vida, pois não são estáticas ou estão posicionadas em um tempo passado, mas estão em constante atualização e atuação na construção da sociedade”. Assim, ao pensar sobre o pano da costa nesta conjuntura, tal trabalho busca abordá-lo enquanto objeto que materializa e articula dinâmicas em torno de si. Em outras palavras, enquanto objeto que tanto preserva memórias ligadas às tradições e a uma origem em África, como também fragmento de memória (Benjamin, 1936; 1940; Parés, 2018) que se reconfigura construindo o Candomblé no Brasil, modificando-se ao longo das experiências e agenciando outras formas dessa ancestralidade reconfigurada. Como estudo de caso apresentamos o trabalho etnográfico, a partir do que nos ensina o antropólogo Clifford Geertz (1978), realizado na tradicional Festa da Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte, no Recôncavo da Bahia em 2023. Neste trabalho de campo podemos observar em diferentes usos do pano da costa, referenciais históricos que remetem, por exemplo, às mulheres de ganho, africanas e descendentes que comercializavam comidas e produtos nos mercados e ao pano da costa conhecido como alaká, que era importado da costa africana e confeccionado em tear manual. Dessa forma o pano da costa, por meio das dinâmicas da memória, regata fragmentos do passado e os ressignifica construindo outras memórias de acordo com as demandas contemporâneas, por exemplo, de luta e resistência diante do racismo e da intolerância religiosa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A construção do campus na Pampulha: Fazenda D’alva, propriedades menores e o Lar dos Meninos (1944-1976)
Lilian Panachuk (UFMG)
Resumo: O campus da UFMG está inserido na região da Pampulha em Belo Horizonte, em Minas Gerais, e muito já se publicou sobre sua construção, ainda na lembrança de muitos moradores da jovem capital mineira. Nosso interesse aqui é retomar esse evento, sob novas perspectivas, incluindo de forma robusta a arqueologia e a antropologia. Nosso foco de ação está delimitado em especial no que hoje é conhecido como Estação Ecológica da Universidade Federal de Minas Gerais (EEco-UFMG), que, de acordo com nossos levantamentos abrigou diferentes proprietários de terra, desapropriados para a construção da então Universidade de Minas Gerais (UMG). Nossa narrativa conecta documentos escritos e imagéticos, construções e ruínas, divisa de propriedades e a memória de diferentes pessoas que habitaram esses locais. Parte da área comporta edificações e ruínas do antigo Lar dos Meninos, instituição religiosa e beneficente, que abrigava crianças e jovens entre 7 e 18 anos, organizados em turma dos menores, médios e maiores; além de instrutores leigos, padre, seminaristas e irmãs. Foi inaugurado no final de 1944 com direção de Vicente Guimarães, conhecido como Vovô Felício”. A partir de 1948, o Lar passou para os cuidados da Ordem Religiosa dos Orionitas, com a liderança do Padre Nazareno (1948-1953). Os internos eram educados segundo os princípios pedagógicos da ordem, que incluíam educação formal, religiosa e para o trabalho. A região, conhecida pelas muitas obras de JK, apresenta uma enorme desigualdade de acautelamento entre os bens patrimoniais da orla Lagoa da Pampulha, ligados diretamente às elites locais; e a história de mesma época em área vizinha ligada à infância e à juventude economicamente vulneráveis. O Lar do Meninos funcionou, por três décadas, onde hoje se encontra a EEco-UFMG, entretanto, a história oficial pouco o menciona. Poucos também são os membros da comunidade universitária que o conhecem e ainda menos os moradores da cidade. O contato com antigos moradores do Lar dos Meninos, a vivência no espaço e a importância dessa infância e dessa memória para a construção da cidade de Belo Horizonte nos interessa nesse projeto, para ecoar outras histórias locais. Importante indicar a grande olaria existente, posto que no Lar dos Meninos, dentre os ofícios ensinados, havia a fabricação volumosa de tijolos e telhas de cerâmica (8 mil a 12 mil por dia), e desejamos entender a distribuição desses materiais na construção da cidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O Papel da Produção Material na Ressurgência Étnica Borum-Kren
Matheus Lucas Arcanjo (UFMG)
Resumo: A fim de compreender os processos de aprendizagem que envolvem a etnogênese indígena Borum-Kren, busca-se refletir o modo ao qual a lida com as materialidades está relacionada com esta ressurgência étnica a partir da premissa de que as coisas fazem pessoas assim como as pessoas fazem coisas. Portanto, pretende-se lançar uma reflexão sobre o papel das coisas bem como da experimentação que diz respeito à produção de materialidades neste contexto. Os Borum-Kren são indígenas do tronco macro-jê, localizados em Minas Gerais na região do alto Rio Doce, alto Rio das Velhas e alto Rio Paraopeba. Ressaltando que a luta pelo reconhecimento etnico e reafirmação da identidade indígena está relacionada a um posicionamento contrário à predação do ambiente neste território que é afetado pela exploração minerária desde o século XVIII. Do ponto de vista da antropologia, podemos observar que há nas experimentações um processo de aprendizagem coletiva. Para compreender esses processos, adota-se uma abordagem etnográfica que investiga as práticas do coletivo e a relação entre as biografias das pessoas e das coisas, reconhecendo o entrelaçamento entre cultura material e identidade étnica. Ao acompanhar este coletivo torna-se possível perceber que a produção de materialidades ocupa um lugar especial na ressurgência, embora nem todos os integrantes do coletivo estejam experimentando técnicas e tecnologias. No entanto, as pessoas do coletivo são incentivadas a experimentar o feitio de artefatos líticos como lascamento para obter pontas de flecha, facas e afins, polimento para confecção de machados e a feitura de soquetes utilizados na produção de fogo por fricção. Bem como a própria produção de fogo que conta com técnicas variadas (arco e broca, broca de mão, arado, etc). Há também o interesse em produções de variadas peças cerâmicas, sobretudo inspiradas nas tradições Una e Aratu-Sapucaí presente no contexto territorial. Pode-se dizer que o interesse por peças cerâmicas possibilitou um ponto de encontro entre o povo Borum-Kren e figuras acadêmicas, possibilitando assim uma troca de conhecimentos e saberes. A partir da demanda do próprio coletivo iniciou uma parceria entre os Borum-Kren e o GESTO-UFMG, tornando possível o intercâmbio entre experimentadores dos campos da antropologia e arqueologia e os experimentadores ressurgentes que trazem consigo o anseio de aprender para fomentar e fortalecer a identidade étnica a partir do saber-fazer. Do mesmo modo que as pessoas criam conexões com os objetos, os objetos também criam conexões entre as pessoas. Neste sentido, nota-se que ao fazer materiais inspirados naqueles feitos outrora, o coletivo indígena soma elementos que colaboram para reafirmar sua identidade étnica.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O patrimônio mundial e as peças de cerâmica Serra da Capivara: um estudo sobre o simbolismo e a agência das peças.
Paula Layane Pereira de Sousa (UNIVASF)
Resumo: As peças de cerâmica Serra da Capivara são resultado de um projeto social que buscou a integração da comunidade e a preservação do Parque Nacional Serra da Capivara, também patrimônio cultural. Dado às suas condições de criação, elas podem ser entendidas por seus simbolismos bem como agentes de relações sociais entre o Parque e os ceramistas, também moradores locais. A partir da visualidade da peça e da gestação dela, ou seja, do momento em que o barro é preparado em um processo em que as peças ganham marcas e sentidos, é possível entender as determinações culturais e outros saberes que sugerem um valor simbólico do patrimônio cultural sobre as peças. Mas para além dos simbolismos, as peças também adquirem um lugar nas relações sociais: elas são igualmente agentes e mediadoras de relações sociais que se mantêm na região da Serra da Capivara. Em busca de compreender o que as peças de cerâmica nos dizem sobre as relações na região da Serra da Capivara, esta pesquisa partiu de duas perspectivas teóricas distintas sobre o lugar e a agência dos objetos: o simbolismo inerentes às peças de cerâmica e da capacidade de mediação da realidade social e cultural que envolve o Parque Nacional. O desfecho da pesquisa permitiu entender que a identidade das peças é dada pelo Parque Nacional Serra da Capivara através das pinturas rupestres, elemento visual que as fazem ter uma relação de incentivo mútuo na promoção da cerâmica e do patrimônio cultural. Foi possível assim flexionar o conceito de patrimônio a partir da produção de cerâmica e da relação com o Parque e o papel do consumo e do turismo na perspectiva daqueles que criam as peças e se envolvem, de diversas maneiras distintas, com o símbolo e a agência do Parque Nacional: os ceramistas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Categorias de análise cerâmica afrocentradas: os conceitos Íluti e Ojú-inu
Paulo Andrade Campos (UFMG)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de pesquisas realizadas no sítio arqueológico Olhos d’água, localizado no município de Senador Modestino Gonçalves, tendo como foco uma interpretação dos vestígios arqueológicos a partir de categorias afro- centradas. O sítio arqueológico está localizado na região da antiga fazenda do Tamboril, um importante centro de produção alimentícia, no local foi observada uma cultura material composta majoritariamente por fragmentos de vasilhames cerâmicos, associada à ocupação da região pela população afro-brasileira durante os séculos XVIII e XIX. Nesta etapa do trabalho, foram utilizados os conceitos iorubás de Ìlutí e Ojú-inú, que relacionam o saber fazer artístico dos/as artesãos/ãs com a manutenção do axé e conhecimento das especificidades religiosas-cotidianas. Durante a pesquisa realizamos a identificação de distintos padrões de decoração e produção dos vasilhames arqueológicos, tendo em vista a potencialidade dos símbolos como forma de dispersão dos saberes. Foi identificada uma intencionalidade na aquisição e produção dos vasilhames, alternando entre peças genéricas fabricadas possivelmente no torno, e peças especializadas com estigmas de produção manual e decorações incisas com padrões amplamente difundidos no território brasileiro. Dentre as conclusões obtidas a partir deste estudo, apontamos para a importância dos/as artesãos/as no processo de reprodução e padronização dos motivos decorativos, com isso o/a bom/a artista seria aquele que identificando a necessidade de cada contexto, elabora nos vasilhames cerâmicos decorações capazes de atender às especificidades de ações pautadas no cotidiano e no sagrado.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Relações entre os Waiwai, os vegetais e os lugares de alimentos: paisagens em transformação
Sara Deambrozi Coelho (UNICAMP)
Resumo: O presente trabalho se desenvolve com o povo Waiwai (família linguística Karib) habitantes da porção roraimense da Terra Indígena Trombetas-Mapuera, e tem como objetivo apresentar as reflexões que venho desenvolvendo na minha pesquisa de doutorado sobre as relações entre os Waiwai e as paisagens compreendidas como lugares de alimentos, e as transformações de tais paisagens. Essa pesquisa está sendo construída em diálogo transdisciplinar e transcultural. Proponho discuti-la a partir do debate de que os envolvimentos dos povos indígenas com os aspectos materiais e imateriais nas paisagens constituem a territorialidade indígena e de que as interações entre humanos e não humanos, ao longo do tempo, constituem as paisagens, também compreendidas como legados bioculturais destes povos. Irei destacar a relação histórica e atividades de manejo dos Waiwai com as plantas alimentícias, lugares de alimentos e território, em diálogo com estudos ecológicos, antropológicos e arqueológicos locais. Discutirei, em seguida, as ameaças e impactos de práticas econômicas ocidentais modernas sobre os lugares de alimentos e sobre os seres que ali habitam e se relacionam, práticas estas caracterizadas pela exploração ambiental e dominação exercida sobre os modos de vida.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
MATERIALIDADE DA DESUMANIZAÇÃO Arqueologia de uma humanidade vilipendiada
Vinicius Siqueira de Freitas (Estagiario)
Resumo: Este trabalho trata sobre as relações que subjugam os corpos e seus impactos nas relações sociais existentes em nossa realidade, compreendendo que somos frutos dessas relações e que elas moldam a nossa materialidade. Os processos sócio-históricos são responsáveis pela construção da realidade, que se encontra em nosso entorno, e que também forma a realidade material; ou é a materialidade que forma nossa realidade? Dentro destas questões, traçando uma relação panorâmica com os acontecimentos da contemporaneidade, observo como os objetos, os locais e os monumentos trabalham para reduzir a humanidade daqueles seres dotados de uma humanidade não plena. Analiso os processos de desumanização com atenção para compreender o que os sustentam, com a finalidade de destruí-los. Nesse sentido, analiso as relações materiais dentro e fora das residências, pensando objetos de uso cotidiano em sua influência das dinâmicas etno/raciais e da divisão generificadas das tarefas domésticas. Compreendendo como se dá o controle dos corpos femininos que ocupam a função de empregadas domésticas, não somente pela sua função mas também pela materialidade que a cerca. Sendo assim os mecanismo de manutenção do poder colonial, estão dentro e fora das casas. Em nome de um modelo organizativo nossas praças, nomes de ruas são monumentos erguidos os nomes daqueles que no passado serviram como nossos algozes, nesses lugares eles estão em posições heróicas lugares de destaque vestidos como guerreiros que limparam o território de um grande malefício que ameaçava nossa civilização. Heróis da barbárie que hoje chamamos de sociedade! A relação de dominação se dá em muitos âmbitos, se utiliza de meios diretamente violentos ou não se manifestando de forma sutil, se camuflando na violência cotidiana. Na maioria das vezes normalizadas essas relações, subjugam corpos dissidentes se expressando de formas diversas. Entendendo que somente um acesso pleno aos bens produzidos dentro dessa sociedade é uma existência plena, seguimos sendo desumanizados categorizados ainda que de forma velada como inferiores.