Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
O feitio do caboclo e os calços do maracatu de baque solto
Essa pesquisa pretende refletir acerca das mudanças da indumentária do caboclo de lança (principal
personagem do maracatu de baque solto) a partir das mudanças experimentadas pela manifestação ao longo do
século XX decorrentes da saída do brinquedo do terreiro para o palco e das novas relações estabelecidas com
a sua espetacularização. Até a década de 1970, maracatu de baque solto era associado à violência e
despertava inquietação por onde passava. A escravidão, a monocultura canavieira, o controle político de uma
elite branca e a hegemonia da religião católica fincaram as raízes das tradições culturais da zona da mata
pernambucana. Era inevitável, portanto, que as manifestações surgidas a partir desse contexto imprimissem
experiências conflituosas no meio da festa. Isso é muito característico nas festas populares, quando a
própria vida é representada nas apresentações e a brincadeira se torna, por um tempo, vida real. O duelo
era, portanto, uma peça decisiva no enredo da tradição. Quando dois grupos defrontavam-se no meio de um
canavial, era comum que acontecessem brigas severas entre os folgazões. Se defender, resistir, sobreviver
era um componente central da experiência. Por outro lado, o espetáculo trouxe um processo inevitável de
transformações e adaptações às novas tecnologias, consumo e formas de trabalho, uma vez que as heranças
culturais estão impregnadas de significados amplos e extremamente ativos e que a festa é uma forma cheia de
significados. Mais do que golas, lanças e chocalhos, a indumentária do caboclo de lança é sua armadura, a
extensão do mundo invisível e natural. É a imaterialidade expressa na materialidade. Se vestir para o
carnaval envolve uma longa e rica preparação. A festa incorpora o apogeu de uma paixão, de identidades,
heranças e representa um símbolo bastante significativo de luta contra a opressão cultural e a
marginalização das expressões populares: um duelo mantido no campo da arte.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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