Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
O feitio do caboclo e os calços do maracatu de baque solto
Alexandra de Lima Cavalcanti (UFPB)
Essa pesquisa pretende refletir acerca das mudanças da indumentária do caboclo de lança (principal
personagem do maracatu de baque solto) a partir das mudanças experimentadas pela manifestação ao longo do
século XX decorrentes da saída do brinquedo do terreiro para o palco e das novas relações estabelecidas com
a sua espetacularização. Até a década de 1970, maracatu de baque solto era associado à violência e
despertava inquietação por onde passava. A escravidão, a monocultura canavieira, o controle político de uma
elite branca e a hegemonia da religião católica fincaram as raízes das tradições culturais da zona da mata
pernambucana. Era inevitável, portanto, que as manifestações surgidas a partir desse contexto imprimissem
experiências conflituosas no meio da festa. Isso é muito característico nas festas populares, quando a
própria vida é representada nas apresentações e a brincadeira se torna, por um tempo, vida real. O duelo
era, portanto, uma peça decisiva no enredo da tradição. Quando dois grupos defrontavam-se no meio de um
canavial, era comum que acontecessem brigas severas entre os folgazões. Se defender, resistir, sobreviver
era um componente central da experiência. Por outro lado, o espetáculo trouxe um processo inevitável de
transformações e adaptações às novas tecnologias, consumo e formas de trabalho, uma vez que as heranças
culturais estão impregnadas de significados amplos e extremamente ativos e que a festa é uma forma cheia de
significados. Mais do que golas, lanças e chocalhos, a indumentária do caboclo de lança é sua armadura, a
extensão do mundo invisível e natural. É a imaterialidade expressa na materialidade. Se vestir para o
carnaval envolve uma longa e rica preparação. A festa incorpora o apogeu de uma paixão, de identidades,
heranças e representa um símbolo bastante significativo de luta contra a opressão cultural e a
marginalização das expressões populares: um duelo mantido no campo da arte.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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