Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
O pano da costa agenciado por memórias na tradicional Festa da Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte,
Recôncavo da Bahia
Este trabalho faz parte da minha pesquisa de mestrado defendida em 2024 que propõe pensar o pano da
costa enquanto objeto do vestuário agenciado por memórias. O pano da costa é feito de tecido plano
retangular e compõe o conjunto de peças que constituem o traje da baiana, indumentária tradicional de
Candomblé e obrigatória para as filhas de santo sobretudo nos terreiros. Pode ser utilizado envolvendo o
corpo e sobre os ombros, dentre outras formas e funcionalidades. Apresento um estudo sobre esta roupa no
contexto do Candomblé, articulando de forma interdisciplinar, memória social e religiosidade
afro-brasileira, que a situa, então, na interface dos estudos da cultura popular brasileira e do patrimônio.
A presente proposta aborda este artefato pela perspectiva da cultura material, a fim de compreender a roupa
e os objetos atrelados à indumentária, fundamentais para os processos desta religiosidade, como coisas
dotadas de agência (Gell, 2020). E no âmbito da cultura popular (Arantes, 2012) como roupas designadas pela
tradição e costumes de determinados grupos sociais enquanto possuidoras de certa vida, pois não são
estáticas ou estão posicionadas em um tempo passado, mas estão em constante atualização e atuação na
construção da sociedade. Assim, ao pensar sobre o pano da costa nesta conjuntura, tal trabalho busca
abordá-lo enquanto objeto que materializa e articula dinâmicas em torno de si. Em outras palavras, enquanto
objeto que tanto preserva memórias ligadas às tradições e a uma origem em África, como também fragmento de
memória (Benjamin, 1936; 1940; Parés, 2018) que se reconfigura construindo o Candomblé no Brasil,
modificando-se ao longo das experiências e agenciando outras formas dessa ancestralidade reconfigurada. Como
estudo de caso apresentamos o trabalho etnográfico, a partir do que nos ensina o antropólogo Clifford Geertz
(1978), realizado na tradicional Festa da Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte, no Recôncavo da Bahia em
2023. Neste trabalho de campo podemos observar em diferentes usos do pano da costa, referenciais históricos
que remetem, por exemplo, às mulheres de ganho, africanas e descendentes que comercializavam comidas e
produtos nos mercados e ao pano da costa conhecido como alaká, que era importado da costa africana e
confeccionado em tear manual. Dessa forma o pano da costa, por meio das dinâmicas da memória, regata
fragmentos do passado e os ressignifica construindo outras memórias de acordo com as demandas
contemporâneas, por exemplo, de luta e resistência diante do racismo e da intolerância religiosa.