Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
Registros de um mundo depois de seu fim: o terricídio cometido pela Braskem.
O presente trabalho é uma etnografia que percorre as rotas de fuga, as ruínas e os escombros dos cinco
bairros afetados pelo maior crime ambiental em área urbana em curso no mundo. A frase o solo de Maceió é
como um queijo suíço é constantemente repetida por meus interlocutores para exemplificar as 35 minas que
foram cavadas pela Braskem sem obedecer à distância mínima de 100 m entre elas. Segundo geólogos, algumas
dessas minas se juntaram em buracos onde caberia o estádio do Maracanã. Apesar de ter sérias implicações
desde a sua implementação na década de 70, o caso tornou-se conhecido após um tremor de terra em março de
2018. Surgiram rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que se abriram
acarretando no deslocamento forçado de cerca de 60 mil pessoas. A área desocupada desde 2018 é equivalente a
78 campos de futebol, e a cratera aberta recentemente em 2023 pela mina 18 comporta o volume de água de mais
de 11 piscinas olímpicas. Tais comparativos são utilizados para ajudar em um exercício imaginativo das
proporções da catástrofe em curso. Neste recorte, fruto de minha tese de doutorado, apresentarei o caso de
uma igreja evangélica específica localizada em um dos bairros desocupados que é símbolo de resistência no
território atingido pela mineradora. Durante a pandemia (em 2021), o templo foi tombado como Patrimônio
Material e Imaterial do Estado de Alagoas e, portanto, não pode ser demolido pela Braskem, ainda que todo o
seu entorno esteja sob escombros. Um dos aspectos que sempre me chamou a atenção é o modo como a igreja se
compromete em todos os seus posicionamentos com a proclamação de uma fé comprometida com todas as
existências, não apenas as humanas. Um trecho de uma nota divulgada por sua pastoral ambiental diz o
seguinte: compreendemos a importância de promover espaços que reflitam sobre a nossa coexistência na/com a
criação, respeitando o sagrado que coabita todo tipo de vida e ambiente." A Defesa Civil de Maceió ao
apresentar justificativas para as demolições afirma que casas em ruínas podem gerar epidemias, zoonoses e
problemas ambientais. De forma frequente é possível encontrar menções à escorpiões, aranhas, insetos,
ratos, focos de dengue, fungos, e plantas descontroladas, além de uma superpopulação de gatos que inclusive
constitui um eixo de trabalho do Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais. Além das paisagens multiespécies
(TSING, 2022), parte do objetivo deste trabalho é também compartilhar algumas reflexões sobre um certo
turismo que tem surgido em busca pelos bairros fantasmas e pela visitação das ruínas. E também registros
etnográficos das estratégias de mobilização e luta por memória que vêm sendo desenvolvidas por membros da
igreja e ex-moradores no território atingido.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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