Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
Reflexões e releituras da Arqueologia e dos Estudos de Cultura Material, a partir dos Estudos Animais e
Multiespécies: o reconhecimento científico de capacidades culturais e simbólicas de animais
Pretendo apresentar reflexões sobre minha dissertação de mestrado em Arqueologia (MN/UFRJ), intitulada A
Arqueologia para além dos limites antropocêntricos: reflexões sobre a questão da subjetividade, da cultura e
da cultura material de animais não humanos, através de diálogos interdisciplinares (2011). Em vista da
incipiência, na época, dos estudos animais no Brasil, os principais objetivos eram éticos-políticos: a)
reconhecer capacidades culturais/simbólicas dos animais não-humanos, através da análise da sua cultura
material, refletindo sobre controvérsias éticas, ontológicas e epistemológicas envolvidas nesse processo de
mudança de status ontológico dos animais "ocidentais"; b) repensar a Arqueologia como disciplina
não-antropocêntrica e transversal, através do reconhecimento da capacidade de alguns animais de fabricarem
ferramentas e cultura material, construírem paisagens e deixarem registro arqueológico; e, c) repensar a
Arqueologia da Paisagem como uma abordagem relacional e interdisciplinar, a partir da qual a cultura
material é considerada socialmente construída através de relações emaranhadas entre uma multiplicidade de
agentes e modos de vida ao longo do tempo. Inicialmente, me fundamentei no enfoque arqueológico
pós-processualista da paisagem como cultura material. Posteriormente, recorri às abordagens ecológicas,
relacionais e simétricas da antropologia da ciência, dos estudos de ciência, tecnologia e sociedade (CTS),
dos estudos sociais e culturais das ciências e das perspectivas decoloniais. Consultei trabalhos de etólogos
e primatólogos, como os japoneses, pioneiros no estudo do comportamento cultural em primatas, com a jovem
macaca-japonesa (Macaca fuscata) Imo, na ilha de Kochima, na década de 1950, como a Jane Goodall, pioneira
no estudo das capacidades culturais dos chimpanzés na primatologia ocidental, Boesch, Whiten, Mcgrew, De
Waal, Toth, Schick, Ottoni, Fuentes, Lestel, entre outros que dissolveram fronteiras epistemológicas entre
ciências animais e sociais. Acompanhei etólogos e macacos-prego (Sapajus) pelo Brasil. Em resumo, eu
buscava, através da discursividade da cultura material, dar visibilidade para a multivocalidade e múltiplas
linguagens e racionalidades do mundo animal. A cultura material produzida por animais não-humanos, nesse
sentido, era um instrumento para a descolonização interespecífica, ontológica e epistêmica, dos mundos e
atores animais, dominados, subalternizados e socialmente-historicamente excluídos. Meu objetivo, portanto, é
revisar essas questões visando preencher lacunas à luz dos novos conceitos, ideias e referências dos estudos
animais e multiespécies, que reconhecem os animais como sujeitos históricos e arqueológicos em sociedades
ou comunidades compartilhadas, híbridas ou multiespécies.