Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 052: Estudos de Cultura Material: contribuições da Antropologia e da Arqueologia em um mundo mais-que-humano
Um ser multiespécie- Como um terreiro de candomblé nos ajuda a pensar os limites da espécie e as
relações mais que humanas
Hugo Weslley Oliveira Silva (UFPE)
O terreiro de candomblé é um ser vivo, e ele está em construção. Para os membros do Ilê Asé Ojú Obá Ayrá
e Nanã não há dúvidas ao afirmar que o terreiro é um ser vivo. Com seus próprios santos e mestres, o
terreiro demanda vidas em relações, apresentando vontades e desejos próprios, é, como diria Rabelo (2014) um
ser em feitura, cujas dependências mostram o poder de suas relações, sejam elas humanas ou mais que humanas.
Assim surge uma dúvida: se o terreiro é um ser vivo, como concebê-lo? Uma vez que ele não se enquadra em
nenhuma categoria de ser vivo que conhecemos ocidentalmente. É Haraway (2021) quem nos lembra que devemos ir
além das categorias sexuais para entendermos o que é um ser vivo, para a autora a categoria espécie não
compreende a complexidade da existência de seres humanos e mais que humanos, tal categoria limita os
agentes, sejam eles orgânicos ou não, ao resultado de sua reprodução sexual baseada nas materialidades de um
corpo confinado em si. Haraway (2022), então, propõe algo que nos é útil na presente discussão: pensar que
os agentes como existências multiespécie. Trata-se, portanto, de um ser vivo em relação, tanto quanto
qualquer outro. Podemos pensar em um terreiro de religiões afro-ameríndias como um ser mais que humanos?
Essa pergunta parece ter uma resposta óbvia de início, mas pode nos revelar uma série de questões do aqui
podemos chamar de relações de cuidado multiespécie (Bellacasa, 2017). Ao mesmo tempo em que os santos,
mestres e guias precisam do alimento (e dos cuidados que somente uma relação multiespécie pode
proporcionar), essa relação não é necessariamente neutra ou pacífica, aquilo que alimenta é um ser vivente
capaz de produzir narrativas sobre si e sobre suas relações (Despret, 2021). Então, propomos um estudo cuja
base metodológica é perseguir o terreiro, inspirado no modelo de Tsing (2022), nos propomos a acompanhar as
relações entre terreiro e agentes humanos e mais que humanos, que não se limitam a uma temporalidade, a uma
humanidade ou mesmo uma única classificação de mais que humano. Nesse sentido, a construção material, e
espiritual, de um terreiro nos ajudam a compreender como em suas assembleias (Tsing, 2022), isso porque para
pensar no terreiro como um ser vivo precisamos pensá-lo como uma formação de muitos que foram uma coisa só.
O terreiro seria um agente formado por muitas relações. Assim, entende-se que o terreiro é também um agente
multiespécie, e sua forma de existência está sempre ligada a tantas outras. O terreiro é um ser vivo e
multiespécie à medida que depende fisicamente de outros seres, sejam eles vegetais, animais ou minerais.