Grupos de Trabalho (GT)
GT 028: Antropologias e Deficiência: etnografias disruptivas e perspectivas analíticas contemporâneas
Coordenação
Julian Simões Cruz de Oliveira (UFPR), Eudenia Magalhães Barros (UECE)
Debatedor(a)
Anahí Guedes de Mello (Anis - Instituto de Bioética), Helena Moura Fietz (Louisiana State University), Pedro Lopes (UFABC)
Resumo:
O campo de estudos da deficiência tem se consolidado na Antropologia a partir de diferentes abordagens teóricas e epistemológicas, oferecendo ao fazer antropológico uma perspectiva analítica crítica e disruptiva que se estende da teoria à técnica, da ética à metodologia. Tais contribuições apontam para diferentes corporeidades, linguagens, temporalidades e sensorialidades das experiências da deficiência, assim como intersecções com outros marcadores sociais da diferença, com políticas públicas e acesso a direitos; com a acessibilidade e inclusão; com domínios tecnológicos, políticos e de cuidado; com campos da saúde e doença, entre outras. Prosseguindo com os debates em edições anteriores, este GT visa reunir pesquisas, em andamento ou concluídas, de abordagens antropológicas variadas mediante as questões norteadoras: Em que consiste as experiências da deficiência? Como é possível pesquisar sobre suas corporeidades? De que maneira a antropologia e sua epistemologia tem sido reinventada a partir das etnografias da deficiência? Assim, esperamos contribuições sobre: articulações entre deficiência e demais marcadores sociais da diferença; analíticas e teorias dos Estudos da Deficiência, da Teoria Crip e vertentes associadas, como os estudos feministas e decoloniais; (des)articulações entre deficiência e saúde, com especial atenção aos debates sobre epidemias e pandemias; disputas de fronteira no campo da deficiência, à exemplo dos autismos, surdezes, cronicidades, dentre outras
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ange Machado Muniz Vieira (UFAL)
Resumo: O autismo há muitos anos é visto como uma “condição infantil” (Caitité, 2017) e, apesar do conhecimento investido, é importante destacar que o repertório subjetivo dos profissionais – dentro e fora do campo da saúde – é orientado para identificação do autismo em um determinado perfil de sujeito, sobretudo meninos brancos e cisgênero. Entretanto, muitos autistas – principalmente os que fogem ao estereótipo acima mencionado – são diagnosticados tardiamente, já adultos. É comum que, durante a vida, aprendam a mascarar suas características mais “autísticas”, em busca de uma inclusão postiça entre “neurotípicos”. Esse artigo se dedica a explorar de onde vem a suspeita do autismo para essa pessoa adulta, e o que faz com que pessoas negras, mulheres, transgêneras se perguntem: “é possível que eu seja autista?”
A hipótese do trabalho é que relatos de experiências vividas, histórias, fofocas –compartilhadas através de redes sociais e conversas informais – são um grande motivador dessa suspeita e das investigações na idade adulta. Para além da “lista de sintomas” do DSM-5 ou do CID-11, é através da conexão com pessoas autistas, suas histórias e experiências, que possibilita uma identificação e, então, a suspeita, que levaria à procura pela investigação do autismo.
Nicolau e Assis (2023) articulam que, da mesma forma que culturas e identidades foram oprimidas e apagadas, pessoas autistas são escondidas e excluídas numa sociedade capacitista, e que a única maneira de descolonizar o autismo é entendê-lo como identidade social e deficiência, mas também incentivar, dar voz e ouvidos às perspectivas autistas. Não há descolonização do autismo sem protagonismo autista.
Dessa forma, o presente trabalho busca a autoetnografia de uma pessoa autista, branca e não binária, numa linguagem diferente da usual para pesquisas e textos acadêmicos: os quadrinhos. Por permitir uma "conversa" com o leitor, os quadrinhos configuram um meio de comunicação especialmente eficaz não apenas para produzir conhecimento a partir de um protagonismo autista, mas também aumentar a capilaridade e impacto desse conhecimento. Pretende-se, então, contribuir para a descolonização do autismo através do compartilhamento da experiência de autistas com seu diagnóstico tardio.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ceres Karam Brum (UFSM)
Resumo: O trabalho objetiva efetuar um conjunto de reflexões sobre deficiência visual no Brasil, entre 2019 e 2023. O recorte temporal coincide com a polêmica suscitada pelo Projeto de Lei 1615/2019 a respeito do reconhecimento da visão monocular como deficiência visual e a promulgação da Lei nº 14.126 e do Decreto Lei nº 10.654, de 22 de março de 2021, que a instituem como tal. O período coincide com a investigação sobre percepção visual que realizei no mesmo período. A escrita deste texto coloca em diálogo a autoetnografia e a autobiografia. A autora é deficiente visual com nistagmo e visão monocular e pretende explorar, ao longo do artigo, o embate entre as políticas públicas cristalizadas na legislação e na perícia biopsicossocial e as subjetividades envolvidas nos processos de reconhecimento e de aceitação da deficiência, bem como estigmas que encerra. A utilização dos polêmicos vídeos de Michele Bolsonaro e Amália Barros têm por objetivo analisar posturas populistas e demagógicas no tocante à deficiência no Brasil e sua espetacularização como estratégia política. Objetiva igualmente dialogar com a autobiografia de Amália Barros o livro Se enxerga - como contraponto para analisar o cenário do reconhecimento da visão monocular como deficiência visual no Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cesar Augusto de Assis Silva (NAU-USP / Cebrap)
Resumo: A língua brasileira de sinais (libras) foi reconhecida pela lei federal 10.436 de 24/02/2002. Desde então, desenhou-se uma política na educação e na garantia de acessibilidade no espaço público em que a libras é compreendida com a primeira língua dos surdos (língua própria e devida) e o português na sua modalidade escrita é a segunda língua (sendo esta naturalmente dos ouvintes). Os sinais que durante todo o século XX estiveram numa posição marginal, muitas vezes proibitiva, tornaram-se meio legítimo de comunicação, língua para todos os efeitos. Como surdos e ouvintes partilham os mesmos territórios, geralmente estão em situação cotidiana de interlíngua e são mais ou menos bilingues com graus heterogêneos nas duas línguas (os pertencentes dessa rede), há um fenômeno sociolinguístico de fronteira que carece de descrição: a tensão que se estabelece entre a língua de sinais e a língua oral nacional. A intenção deste trabalho é analisar os contextos históricos e situacionais de valorização e precificação das duas entidades linguísticas presumidas: o português e a libras. Além disso, cabe entender as relações de sobreposição entre elas na expressão do português sinalizado, performance linguística outrora valorizada nos anos 1980, e ilegítima e desprestigiada após 2002. Serão analisadas também as relações de empréstimo de uma língua para a outra (contaminação) advindas pelo alfabeto manual e de oposição ao português na construção da natureza da libras (sua própria gramática). Cabe considerar também as posições anormativas de certos sujeitos: surdos oralizados ou falantes de português sinalizado. A intenção aqui é compreender a lógica social (sociológica) de valorização e precificação de performances e sujeitos e a definição de fronteiras estáveis entre português, português sinalizado e a libras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cibele Barbalho Assensio (UNIFESP)
Resumo: O que a antropologia aprende ao analisar gestualidades e visualidades que se desenvolvem entre pessoas surdas e com pessoas falantes de uma modalidade gestual-visual de comunicação, normatizada sob a forma da Língua Brasileira de Sinais (Libras)?
Este trabalho propõe uma imersão em ambientes educacionais caracterizados pela gestualidade e visualidade vinculada à surdez e busca explicitar, então, reflexões decorrentes dos esquemas de percepção acerca das corporeidades descritas, tanto minhas quanto dos/das minhas interlocutoras. Ao longo de uma pesquisa nossos esquemas de percepção não são sempre os mesmos. Posicionados e localizados, eles são potencial conhecimento, assim como os aprendizados corporais nossos e dos nossos interlocutores são capazes de acessar perspectivas acerca do humano, das suas potencialidades de sentido e de comunicação.
Para melhor situar o lugar de onde analiso, cabe dizer que ao longo da minha trajetória acadêmica e de pesquisa com surdos usuários de Libras, entre os períodos de iniciação científica, mestrado e doutorado, obtive experiências como professora em escolas especificamente de atendimento a pessoas surdas e obtive experiências também com pessoas não-surdas que se propuseram a aprender a Libras, enquanto eu ia aprendendo a Libras e em momentos mais recentes também ensinando essa língua, além de que ia lidando mais amplamente com a visualidade e a gestualidade que caracteriza o universo da surdez de variadas formas. Depois de passar por algumas instituições e por essas experiências, percebo a gestualidade e visualidade que pesquiso como algo mais naturalizado no meu corpo e procuro questionar que possibilidades reflexivas se extraem daí. Assim, a presente proposta tem, sobretudo, enfoque metodológico e procura dialogar com questões epistêmicas que têm sido desenvolvidas no campo de estudo da deficiência, as quais considero enriquecedoras para o conhecimento antropológico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Eliene Berto (ICS UFAL)
Resumo: Os estudos sobre deficiência, no Brasil, têm tido avanços significativos no campo antropológico. A contribuição da antropologia, vem dando visibilidade para que contornos específicos sobre corpos de pessoas defiças sejam evidenciados, questionados e enfrentados. Dentro dessas especificidades, há as experiências das mulheres defiças, que são marcadas por trajetórias e percursos de vidas atravessadas pelas intersecções do capacitismo e da desigualdade de gênero.
Contudo, o aprofundamento das análises dessas interseccionalidades, revelam a urgência de pautar a violência contra mulheres defiças. A partir do método etnográfico, desenvolvo ferramentas para dar notoriedade às narrativas de nós, mulheres defiças, do estado de Alagoas. Propondo questionar quais os impactos dessas violências, bem como compreender como essas intersecções se tornam nocivas a corpos específicos. Tenho como hipótese que o ponto de vista biomédico, ao definir e estabelecer a leitura social de que as pessoas com deficiência são hierarquicamente inferiores, incapazes, anormais, desumanizando nossos corpos, ao mesmo tempo em que nega nossa autonomia, desejos, anseios, necessidades de socialização e respeito. A invisibilização dessas violências prejudica o desenvolvimento de políticas públicas que abordem de maneira integrada o capacitismo e a violência de gênero. Torna-se crucial discutir as particularidades das mulheres com deficiência e promover a produção de dados empíricos, partindo da premissa de que, em geral, estamos mais suscetíveis à abrangentes violências, devido à dupla vulnerabilidade fomentada pelo capacitismo e pelo patriarcado.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fernanda Jorge Maciel (Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais), Maria Luisa Jimenez Jimenez (PUC MINAS), Will Paranhos (UERJ)
Resumo: Nos encontramos para pensar sobre a falta de legitimação das corporalidades gordas no Brasil para o direito à acessibilidade. Foi um exercício que emergiu de incômodos pessoais, os quais tínhamos urgência em discutir. “Talvez o corpo gordo seja como quando a Fernanda está sentada” foi uma sentença que ganhou vida a partir das difrações de Malu Jimenez em nosso encontro. Gorda maior, ao se sentir, de algum modo, numa condição semelhante à de Fernanda, uma mulher com deficiência física e que usa duas muletas canadenses para andar, Malu criou tal analogia. Fernanda - assim como Will - quando sentada, vista por uma câmera ou mesmo pessoalmente, não aparenta ter nenhuma deficiência, cumprindo, ainda que não intencionalmente, com os pressupostos da normalidade física. Ao levantar e andar, Fernanda passa a ter seus direitos de acessibilidade compreendidos e garantidos, ainda que não na totalidade. Apesar de estarem no estatuto da pessoa com deficiência como tendo mobilidade reduzida, e apesar de serem consideradas “incapazes” pela sociedade capitalista neoliberal, pessoas gordas têm estes direitos negados. Começamos a problematizar as possíveis disputas de fronteira com o campo da deficiência, sobretudo acerca das imagens sociais que se constituem em torno de corpos gordos, com deficiência e com mobilidade reduzida. Questionamentos emergiram: as pessoas percebem que um corpo gordo enfrenta barreiras de acessibilidade em nossa sociedade normativa, acarretando sua exclusão? As pessoas gordas sabem que estão contempladas no estatuto da pessoa com deficiência? Pessoas gordas acessam políticas públicas de acessibilidade? Pessoas consideradas doentes “obesas” estão em um não lugar como experiência no mundo? A gordofobia nega acessibilidade às pessoas gordas maiores? O que faz uma pessoa ser considerada, aos olhos da sociedade, uma pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida? Foi a partir deste cenário que surgiu a ideia de propormos este trabalho, o qual preocupa-se muito menos em dar respostas e muito mais em tornar-se um exercício difrativo que parte das aproximações e distanciamentos entre o que significa ser uma pessoa com deficiência, com mobilidade reduzida e gorda maior. Nas interseções dos marcadores sociais da diferença - lidos numa perspectiva categorial, importante quando das políticas de reconhecimento - partimos das abordagens analíticas e teóricas dos Estudos críticos da Deficiência, da Teoria Crip, dos estudos feministas de[contra]coloniais e das teorizações cuir, na tentativa - e sempre tentativa - de (des)articular deficiência e saúde, evidenciando as desigualdades estruturais e os desafios enfrentados pelas pessoas gordas maiores, que não conseguem acessar políticas públicas de acessibilidade, mesmo quando há legitimidade jurídica.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriel Barth da Silva (UFPR)
Resumo: A presente proposta de apresentação centra-se em fomentar um debate sobre os caminhos epistemológicos e teóricos que estruturam o atual projeto de tese de doutoramento que estou desenvolvimento, que possui como objetivo investigar as experiências de pessoas com deficiência em um curso de Música no ensino superior público na cidade de Curitiba-PR. Com o trabalho, busco compreender o alcance e os limites que envolvem o trabalho na atividade musical dessas pessoas, que compõem uma população que é percebida enquanto incapaz, contemplando os motivos e os sentidos que estão relacionados com a escolha de ocupar e vivenciar a educação formal na Música, e como a relação com esse espaço modifica ou não as práticas musicais em outros espaços no cotidiano dessas pessoas. Para isso, busco entender como, na experiência dessas pessoas, os marcadores de diferença de gênero e deficiência atravessam a sua relação com a música, sendo a partir da própria leitura das pessoas sobre sua relação com os objetos musicais até na observação das interações sociais que se dão no contexto formal e informal. O projeto se insere na perspectiva da deficiência a partir do modelo social (Oliver, 1983) acompanhado por uma leitura de como o eixo de diferenciação de gênero pode reconfigurar esse modelo (Diniz, 2007). Para me inspirar e sensibilizar meu olhar sobre os fenômenos que envolvem as interações desses eixos de diferenciação no contexto da música, parto de leituras de música e deficiência (Lubet, 2011), música e gênero (Nogueira e Rosa, 2015) e da própria interação entre gênero e deficiência (Garland-Thompson, 2005). Pretendo, com isso, perceber como nesse contexto da prática musical os eixos de gênero e deficiência se interagem no ensino superior e fora dele, propondo uma etnografia multissituada (Marcus, 1995) a partir de uma observação participante (Whyte, 2005) para perceber como esses eixos são experienciados em diferentes contextos. Com a apresentação, espero poder fomentar debates de técnicas, métodos, epistemologias e da mobilização de diversos arcabouços teóricos para promover uma investigação que possa contemplar, com a sensibilidade e a seriedade necessária, a experiência de pessoas com deficiência no campo de estudo formal da Música.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ítalo Cássio de Assis (UFMG)
Resumo: Este artigo propõe examinar a reprodução das desigualdades, discriminação e do preconceito no local de trabalho por meio de entrevistas em profundidade com pessoas com deficiência (PcD) adquirida, ou seja, pessoas que se tornaram pessoas com deficiência em algum momento da vida . O foco deste artigo é demonstrar uma perspectiva “de fora para dentro” (Collins 1986) sobre o “capacitismo”. Grande parte das PcDs retornam ao mercado de trabalho após se tornarem PcD devido a política de inserção adotada e incentivada pela previdência social brasileira (Lei nº 8.213/91). O argumento de que as experiências anteriores (sendo PsD) somadas às novas experiências (agora PcD) possam tornar visíveis as bases das disparidades capacitistas no local de trabalho e ajudar a iluminar como as desvantagens estruturais (sendo elas existentes) para as PcDs são reproduzidas nas interações no local de trabalho. Como as PcDs veem as desvantagens e vantagens (sendo elas existentes) e em que medida o gênero, raça e tipo de deficiência influenciam.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Júlia Vilela Garcia (UNB)
Resumo: Estima-se que, no Brasil, mais de 15 mil indígenas possuem algum tipo grave de deficiência (SÁ; ARMIATO, 2020). Embora os povos indígenas representem apenas 0,83% da população do país (IBGE, 2022), a incidência de determinados tipos de deficiência entre os originários chega a ser maior do que a média nacional a depender da região observada (SÁ; ARMIATO, 2020). Contudo, não só a deficiência nos/dos corpos indígenas tem ocupado pouco espaço nas pautas de pesquisa e de políticas públicas, como os próprios estudos e políticas acerca da deficiência têm sido fortemente dominados pelo Norte global, corroborando ainda mais para a marginalização desses povos.
A agenda da deficiência no Brasil e no mundo deriva, portanto, de estudos construídos sem referência às experiências do Sul, culminando em estratégias universais ao passo que excludentes. Tal abordagem constitui uma espécie de colonialismo acadêmico que desconsidera as especificidades do Sul global (MEEKOSHA, 2011). Posto que os discursos hegemônicos sobre a deficiência continuam invisibilizando e impondo normativas sobre os diversos corpos e vivências, uma abordagem crítica da deficiência a partir de narrativas sul-globalistas revela uma desobediência epistêmica, isto é, uma atitude decolonial que desafia o lócus eurocêntrico da epistemologia e propõe novas referências na produção dos estudos da deficiência (SANTOS; JANSSEN, 2018).
Nesse sentido, considerando também os conceitos de “colonialidade” (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2017) e “interculturalidade” (WALSH, 2019), este trabalho visa reforçar a importância dos estudos críticos da deficiência desde o Sul global e a práxis do movimento decolonial da deficiência a partir da etnografia das ações e pautas do coletivo Acessibilindígena, criado em 2022. Esse coletivo – primeiro movimento de indígenas com deficiência do/no Brasil – tem dialogado com autoridades governamentais, pesquisadores e população civil sobre a deficiência nos corpos originários e as suas especificidades diante das políticas públicas e dos Direitos Humanos, contribuindo, assim, com uma perspectiva própria na construção dos estudos e do pensamento decolonial e intercultural da deficiência.
Dado que a deficiência no âmbito do Sul global é tida, para além da questão identitária, como “uma linguagem a partir da qual se pode nomear a pobreza, a desigualdade racial (econômica e espacial) e as condições de saúde e doença” (LOPES, 2019, p. 11-12), notou-se que o movimento de indígenas com deficiência é peça fundamental na construção de novas epistemologias ao trazer à tona demandas, agências e olhares outros que não os do Norte global, confrontando, assim, a universalidade do conhecimento e as políticas públicas vigentes sobre a deficiência.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Laís Griebeler Hendges (UFSC)
Resumo: Neste artigo, são discutidas as identidades e as relações entre as pessoas com e sem deficiências, principalmente na escola e no trabalho, no Brasil. A justificativa é a importância de pensar as relações sociais e a inclusão das pessoas com deficiência na educação e no mercado de trabalho de forma que elas acessem os mesmos espaços que as pessoas sem deficiência. Ao longo da história do Brasil, sobre as pessoas com deficiência foram elaboradas diferentes legislações e/ou foram realizadas diferentes práticas culturais: por um lado, algumas criminalizavam, ou abominavam e escondiam a sua existência; e por outro lado, há políticas públicas e práticas culturais que asseguram a sua humanidade. Atualmente, o acesso às escolas e ao mercado de trabalho prevê a inclusão das pessoas com deficiência nos mesmos espaços ocupados por pessoas sem deficiência. Neste contexto, pensar as identidades possibilita compreender como se dão as relações de sociabilidade nesses ambientes. O conceito chave é o de identidade, pensado a partir dos postulados da Antropologia. A metodologia utilizada é a revisão bibliográfica e a análise de Leis, tais como: a Lei Nº 4.169/1962, a Lei nº 10.436/2002 e a Lei Nº 13.146/2015. Como resultados, é possível evidenciar uma inserção cada vez maior das pessoas com deficiência nos diversos espaços de sociabilidade, no entanto, ainda há práticas de discriminação, realizadas majoritariamente por pessoas sem deficiência.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcos Paulo Magalhães de Figueiredo (UNICAMP)
Resumo: O autismo é caracterizado pelo saber biomédico como um transtorno ligado ao neurodesenvolvimento. Em um curto período histórico, desde o início do século XX, o transtorno do espectro autista (TEA) passou por classificações reclassificações nosológicas. A título de exemplificação, a versão mais atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM -5) excluiu a categoria síndrome de Asperger. Tal categoria, a grosso modo, foi aglutinada à classificação mais ampla do espectro autista. A forma como ordenamento jurídico brasileiro enxerga o TEA também passou por mudanças. Desde o advento da Lei N° 12.764 – Berenice Piana - de 2012, o autismo é tido como deficiência. Todavia, essas constantes reclassificações não surgiram num vácuo temporal e político. Há toda uma miríade de pessoas autistas e das famílias de crianças com autismo no impulsionar de tais mudanças. Existe a máxima de que toda pesquisa, em algum grau, esta relacionada com a subjetividade da pessoa que pesquisa. Este trabalho, com toda certeza, não é uma exceção. No ano 2022, uma de minhas sobrinhas foi diagnosticada com autismo. A partir de seu diagnóstico que comecei a procurar leituras acerca do TEA, bem como, estabelecer contato com profissionais da psicologia, com mães e outros familiares de crianças autistas. Foi no entrelaçar da literatura na ciência social e/ou etnográfica em conjunto das andanças com minha sobrinha a tiracolo que formulei o projeto de pesquisa intitulado “Os filhos que queremos: família, relações de gênero e emoções entre mulheres com crianças diagnosticadas com autismo”. Nesta comunicação oral, o objetivo e descrever e analisar três cenas das incursões exploratórias realizadas. A primeira cena é referente ao estranhamento com minha sobrinha, bem como, os desdobramentos iniciais pós diagnóstico de autismo. Já na segunda, serão narrados os contatos iniciais que tive com mães de crianças autistas próximas a mim. A terceira, por sua vez, tem como palco as salas de espera nos consultórios médicos e psicológicos do itinerário terapêutico da minha sobrinha. A partir destas três cenas, apresentarei quais os primeiros elementos, a partir de minha experiência e da literatura sobre autismo na antropologia, que apontam a importância de se olhar para a redefinição dos arranjos familiares e das relações de gênero após o diagnóstico de autismo em uma criança.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
María Elvira Díaz Benítez (PPGAS)
Resumo: Este trabalho apresenta reflexões sobre experiências de agressão realizadas com agentes químicos, comumente chamados de ácidos, sobre corpos que ficam com desfigurações, especialmente no rosto, tórax e extremidades, e passam a sofrer deficiências de mobilidade, visão, audição, fala, respiração ou exposição ao sol, entre as mais comuns.
O trabalho de campo vem sendo feito desde 2019 em Bogotá (Colômbia) entre pessoas, majoritariamente mulheres, que viveram ataques com agentes químicos e passam atualmente por longos processos de recuperação via cirurgias, fisioterapias, psicoterapias e intervenções funcionais/estéticas. Colômbia chegou a ser considerado em 2012 o primeiro país do mundo em apresentar incidências de ataques com ácidos, o que tem gerado diversas legislações para o controle dos mesmos, rotas de atendimento em saúde para as vítimas e organizações de prestação de assistência, varias das quais geridas pelas sobreviventes, como chamam a si mesmas.
O meu intuito é refletir sobre a violência e a afetação do corpo violentado nos níveis da desfiguração, o adoecimento e o comprometimento das capacidades funcionais. Violência será desdobrada em noções como mutilação, entendendo-a como uma técnica específica que tem como efeitos a debilitação de corpos (Puar, 2017), o rebaixamento moral, ou como já tenho defendido, a monstrificação do outro (Díaz Benítez, 2021).
Em resumo, proponho pensar as relações entre as categorias trauma, humilhação, debilitação e deficiência, refletindo também sobre os efeitos subjetivos, as transformações nas vidas após o ataque e os engajamentos realizados para o refazimento de si.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nathália Caroline Dias (PPGAS-MN/UFRJ)
Resumo: Este trabalho tem como proposta somar-se aos debates antropológicos sobre deficiência através de perspectivas teórico-analíticas pautadas pelas experiências de saúde-doença do câncer de mama, sublinhando outras percepções e significados da deficiência a partir da mastectomia. Provocado pela multiplicação desordenada de células anormais na(s) mama(s), este tipo de câncer destaca-se por sua preponderante incidência e mortalidade entre as mulheres. Ainda que também acometa homens cisgêneros, dados no Instituto Nacional de Câncer apontam que estes representam somente 1% do total de casos da doença no Brasil. Podendo se manifestar de modos diversos e resultar em terapêuticas singulares de acordo com cada experiência, um de seus principais tratamentos compreende a cirurgia de retirada parcial ou total da(s) mama(s) – mastectomia. Ressalta-se que a reconstrução mamária é garantida pelo Sistema Único de Saúde desde 2013, através da Lei nº 12.802, podendo acontecer no decurso do mesmo procedimento cirúrgico da mastectomia ou em outro momento, segundo recomendação médica e/ou escolha das mulheres afetadas. Uma vez que em alguns casos a reconstrução da mama não se confirma possível devido a quadros médicos particulares e/ou as próprias mulheres decidem não passar por esta cirurgia, elas se veem diante de uma série de implicações subjetivas, sociais e políticas da ausência de uma parte que até então compunha seu todo biológico e biográfico. Logo, a mastectomia é apreendida e analisada como um processo ritual a partir do qual as percepções corporais e os significados sociais relacionados ao câncer de mama podem ser deslocados. Tal deslocamento, tanto em termos simbólicos quanto político-legais, reflete-se na demanda por políticas públicas e direitos das mulheres que vivenciam “deformidades recorrentes do tratamento oncológico” em seus corpos. Nesse contexto, alguns direitos sociais são garantidos às pessoas com câncer, em geral, em razão da doença em si. Entretanto, no caso do câncer de mama, em particular, as mulheres afetadas passam a ter o direito a acessar benefícios e isenções fiscais comuns às pessoas com deficiência devido à ausência de uma ou ambas as mamas, transformando essa experiência de adoecer em uma expressão da deficiência física. Nesse sentido, este trabalho apresenta considerações etnográficas a partir de trabalho de campo em desenvolvimento com mulheres que vivenciam o câncer de mama acerca de como a mastectomia é percebida e interpretada por elas nos termos de uma deficiência, conformando cenários de disputas simbólicas e político-legais que as deslocam de “doentes” para “pessoas com deficiência” – afetando não somente suas corporalidades, mas especialmente suas interioridades.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pedro Lopes (UFABC), Luana Piveta de Moura Luz (USP)
Resumo: Nos últimos 20 anos, o acesso ao Ensino Superior no Brasil passou por uma notável ampliação e diversificação. Particularmente importantes nesse processo são as ações afirmativas, originalmente desenhadas para a inclusão em termos raciais e sociais. Nesta apresentação, costuramos três cenários que explicitam dilemas e contribuem com uma aproximação da temática da deficiência ao debate sobre ações afirmativas no Brasil. Nosso objetivo principal é colaborar com a tradução entre categorias e experiências ocasionadas por uma mesma política de cotas em universidades que visa (e constrói) diferentes sujeitos, a partir da perspectiva dos marcadores sociais da diferença ou da antropologia da diferença. Para tanto, identificamos dilemas de tradução entre a política e o debate sobre a reserva de vagas por critério racial e por deficiência e, a partir desses dilemas, percorremos três cenários nos quais se insere a política para pessoas com deficiência em universidades públicas brasileiras: (1) as (in)definições do que seja a deficiência; (2) o perfil da população nacional com deficiência; e (3) questões sobre o (baixo) acesso de pessoas com deficiência no Ensino Superior.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Valeria Aydos Rosário (UNIPAMPA), Marivete Gesser (UFSC), Pamela Block (Western University)
Resumo: Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla sobre as barreiras encontradas por mulheres negras com deficiência ao longo de suas trajetórias educacionais e os efeitos destas tecnologias de exclusão na saúde mental e na vida social destas mulheres. A pesquisa, ainda em andamento, conta com o mapeamento das participantes através de um formulário socio-demográfico, e 12 entrevistas em profundidade de caráter autobiográfico com participantes de diferentes regiões do Brasil. Dentre os vários resultados já alcançados, as principais barreiras atitudinais, pedagógicas e arquitetônicas encontradas reafirmam o já sabido capacitismo estrutural de nossas instituições de ensino e aponta fissuras possíveis para seu combate no cotidiano escolar e universitário. A pesquisa também mostra as principais “estratégias de apoio” encontradas por essas mulheres para seu acesso e permanência em instituições de ensino, apesar da extrema “fadiga do acesso” (Annita Konrad, 2021) por elas sofrida ao longo de suas vidas. Dentre elas, percebemos que é no acolhimento de redes de cuidado informais e na presença de “figuras pedagógicas inclusivas” centrais em suas vidas escolares que elas encontraram tecnologias sociais de sobrevivência ao capacitismo estrutural das nossas instituições escolares. Tais relatos deixam claro o caráter individual e biomédico com o qual as deficiências são entendidas, assim como a ausência de políticas educacionais que pensem ações coletivas ao invés de se basearem em ideologias neoliberais que centram a responsabilização da inclusão no indivíduo. Além disso, as situações de “violência interseccional” por elas sofridas demonstram o quanto o racismo, a misoginia e o capacitismo estão entrelaçados na deslegitimação da voz e subalternização destas mulheres - desde a busca por diagnóstico para acesso através de políticas afirmativas até o reconhecimento profissional de suas carreiras - acentuando as suas experiências de exclusão no cotidiano universitário e laboral, e levando-as ao adoecimento físico e mental. Por fim, apesar de esta pesquisa ter um caráter mais semi-estruturado, neste texto optamos privilegiar mais as narrativas de cenas e vivências cotidianas do que sistematizar os resultados mais gerais. Acreditamos que mais do que apontar quais são as barreiras encontradas ou analisar teoricamente os achados da pesquisa, é nas histórias narradas que está a força e a maior contribuição da Antropologia na produção de conhecimento na contemporaneidade.