ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 028: Antropologias e Deficiência: etnografias disruptivas e perspectivas analíticas contemporâneas
Perspectivas antropológicas sobre o encontro entre deficiência e câncer de mama: a mastectomia e as disputas por direitos sociais
Este trabalho tem como proposta somar-se aos debates antropológicos sobre deficiência através de perspectivas teórico-analíticas pautadas pelas experiências de saúde-doença do câncer de mama, sublinhando outras percepções e significados da deficiência a partir da mastectomia. Provocado pela multiplicação desordenada de células anormais na(s) mama(s), este tipo de câncer destaca-se por sua preponderante incidência e mortalidade entre as mulheres. Ainda que também acometa homens cisgêneros, dados no Instituto Nacional de Câncer apontam que estes representam somente 1% do total de casos da doença no Brasil. Podendo se manifestar de modos diversos e resultar em terapêuticas singulares de acordo com cada experiência, um de seus principais tratamentos compreende a cirurgia de retirada parcial ou total da(s) mama(s) – mastectomia. Ressalta-se que a reconstrução mamária é garantida pelo Sistema Único de Saúde desde 2013, através da Lei nº 12.802, podendo acontecer no decurso do mesmo procedimento cirúrgico da mastectomia ou em outro momento, segundo recomendação médica e/ou escolha das mulheres afetadas. Uma vez que em alguns casos a reconstrução da mama não se confirma possível devido a quadros médicos particulares e/ou as próprias mulheres decidem não passar por esta cirurgia, elas se veem diante de uma série de implicações subjetivas, sociais e políticas da ausência de uma parte que até então compunha seu todo biológico e biográfico. Logo, a mastectomia é apreendida e analisada como um processo ritual a partir do qual as percepções corporais e os significados sociais relacionados ao câncer de mama podem ser deslocados. Tal deslocamento, tanto em termos simbólicos quanto político-legais, reflete-se na demanda por políticas públicas e direitos das mulheres que vivenciam “deformidades recorrentes do tratamento oncológico” em seus corpos. Nesse contexto, alguns direitos sociais são garantidos às pessoas com câncer, em geral, em razão da doença em si. Entretanto, no caso do câncer de mama, em particular, as mulheres afetadas passam a ter o direito a acessar benefícios e isenções fiscais comuns às pessoas com deficiência devido à ausência de uma ou ambas as mamas, transformando essa experiência de adoecer em uma expressão da deficiência física. Nesse sentido, este trabalho apresenta considerações etnográficas a partir de trabalho de campo em desenvolvimento com mulheres que vivenciam o câncer de mama acerca de como a mastectomia é percebida e interpretada por elas nos termos de uma deficiência, conformando cenários de disputas simbólicas e político-legais que as deslocam de “doentes” para “pessoas com deficiência” – afetando não somente suas corporalidades, mas especialmente suas interioridades.