Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 028: Antropologias e Deficiência: etnografias disruptivas e perspectivas analíticas contemporâneas
Decolonizando epistemologias: o papel do coletivo Acessibilindígena no fortalecimento dos estudos da deficiência no sul global
Estima-se que, no Brasil, mais de 15 mil indígenas possuem algum tipo grave de deficiência (SÁ; ARMIATO, 2020). Embora os povos indígenas representem apenas 0,83% da população do país (IBGE, 2022), a incidência de determinados tipos de deficiência entre os originários chega a ser maior do que a média nacional a depender da região observada (SÁ; ARMIATO, 2020). Contudo, não só a deficiência nos/dos corpos indígenas tem ocupado pouco espaço nas pautas de pesquisa e de políticas públicas, como os próprios estudos e políticas acerca da deficiência têm sido fortemente dominados pelo Norte global, corroborando ainda mais para a marginalização desses povos.
A agenda da deficiência no Brasil e no mundo deriva, portanto, de estudos construídos sem referência às experiências do Sul, culminando em estratégias universais ao passo que excludentes. Tal abordagem constitui uma espécie de colonialismo acadêmico que desconsidera as especificidades do Sul global (MEEKOSHA, 2011). Posto que os discursos hegemônicos sobre a deficiência continuam invisibilizando e impondo normativas sobre os diversos corpos e vivências, uma abordagem crítica da deficiência a partir de narrativas sul-globalistas revela uma desobediência epistêmica, isto é, uma atitude decolonial que desafia o lócus eurocêntrico da epistemologia e propõe novas referências na produção dos estudos da deficiência (SANTOS; JANSSEN, 2018).
Nesse sentido, considerando também os conceitos de “colonialidade” (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2017) e “interculturalidade” (WALSH, 2019), este trabalho visa reforçar a importância dos estudos críticos da deficiência desde o Sul global e a práxis do movimento decolonial da deficiência a partir da etnografia das ações e pautas do coletivo Acessibilindígena, criado em 2022. Esse coletivo – primeiro movimento de indígenas com deficiência do/no Brasil – tem dialogado com autoridades governamentais, pesquisadores e população civil sobre a deficiência nos corpos originários e as suas especificidades diante das políticas públicas e dos Direitos Humanos, contribuindo, assim, com uma perspectiva própria na construção dos estudos e do pensamento decolonial e intercultural da deficiência.
Dado que a deficiência no âmbito do Sul global é tida, para além da questão identitária, como “uma linguagem a partir da qual se pode nomear a pobreza, a desigualdade racial (econômica e espacial) e as condições de saúde e doença” (LOPES, 2019, p. 11-12), notou-se que o movimento de indígenas com deficiência é peça fundamental na construção de novas epistemologias ao trazer à tona demandas, agências e olhares outros que não os do Norte global, confrontando, assim, a universalidade do conhecimento e as políticas públicas vigentes sobre a deficiência.