Grupos de Trabalho (GT)
GT 010: Antropologia da percepção e dos sentidos
Coordenação
Olivia von der Weid (UFF), Viviane Vedana (UFSC)
Resumo:
A percepção é uma forma de ação que se dá no movimento do fazer, nas práticas exploratórias dos seres em relação ao ambiente, objetos ou outros seres, dependendo tanto da fisiologia quanto de um processo de orientação. Ao mesmo tempo em que se define pela variação de estímulos que os órgãos sensoriais são capazes de responder, o próprio grau de sensibilidade dos órgãos é em parte modulado e modelado pelo ambiente cultural. O contínuo processo de modulação das percepções sensoriais resulta das interações entre os seres, humanos e não humanos, em diferentes ambientes e de um processo de aprendizagem, que acontece de forma implícita ou deliberada.
O objetivo do GT é reunir contribuições de diferentes horizontes etnográficos que se dediquem à temática, considerando, em alguma medida: 1) os mundos perceptivos e universos sensoriais criados por diferentes grupos; 2) as práticas e articulações entre os seres - máquinas, instrumentos, animais, plantas, substâncias, tecnologias - capazes de ampliar as formas humanas de perceber e os meios de agir no mundo; 3) os modos de educação da atenção para a percepção e os sentidos, e o papel do corpo e da experiência sensorial nas práticas de ensino/aprendizagem; 4) o descentramento sensorial nas experiências etnográficas, que ensinam a sentir outramente a relação com o mundo e com os outros; 5) as formas estéticas de evocar, na escrita ou outras modalidades de registro, as atmosferas sensoriais vividas no encontro etnográfico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Andrews Amorim Rodrigues de Jesus (UFRB), Andrews Amorim Rodrigues de Jesus (UFRB)
Resumo: Este estudo etnográfico se propõe a investigar as experiências do transe em rituais de "cura e libertação" realizados nas igrejas neopentecostais localizadas em Cachoeira, Bahia. Com foco nas práticas rituais da Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus e Renascer em Cristo, busca-se compreender como o fenômeno do transe desempenha um papel central nessas cerimônias semanais. A metodologia adotada baseia-se na fenomenologia e semiótica, utilizando a observação participante como principal ferramenta para descrever e analisar os eventos ocorridos durante os rituais.
Ao explorar a noção de "subjetividade corporificada" e considerar a memória coletiva da cidade de Cachoeira, este estudo visa não apenas compreender a dinâmica da conversão religiosa, mas também examinar como os rituais neopentecostais são mantidos e perpetuados ao longo do tempo. A análise se estende para além do aspecto religioso, buscando compreender os impactos socioculturais dessas práticas, especialmente no contexto de uma cidade com uma rica história de religiosidade afro-brasileira.
Através da imersão na realidade das igrejas neopentecostais e na vivência dos fiéis durante os rituais de "cura e libertação", este estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão das práticas religiosas contemporâneas e seus efeitos na vida das pessoas e na comunidade em que estão inseridas. Destaca-se a importância da etnografia como uma abordagem que permite uma interpretação mais profunda e contextualizada dessas experiências transcendentais, possibilitando uma reflexão mais ampla sobre a religiosidade e a cultura em Cachoeira, Bahia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Brenno Brandalise Demarchi (UFSC)
Resumo: Este trabalho é um ensaio etnográfico experimental sobre/no jogo Alba: A Wildlife Adventure (2020) em que arrisco uma tradução da minha experiência de jogabilidade, inserindo capturas de tela e colagens sonoras a partir de derivas que realizei nas regiões do mapa, analisando também as discussões ambientais abordadas pelo jogo.
Alba a personagem jogável é uma menina que deseja impedir a construção de um hotel de luxo em uma área de preservação ambiental na ilha mediterrânea Pinar del Mar, onde seus avós residem e onde ela costuma passar as férias. Nesse percurso, somos desafiados/as a realizar uma série de ações como retirar os resíduos espalhados na ilha, fotografar animais, reconstruir bebedouros para pássaros e placas de identificação, dentre outras atividades que nos levam a concluir o objetivo principal do jogo que é construir uma credibilidade na comunidade e coletar 50 assinaturas para entregar um abaixo-assinado para o prefeito.
Voltado para o público infantil, Alba: A Wildlife Adventure é um jogo que promove uma conscientização e percepção ambiental que se aproxima com as artes de notar (Tsing, 2019; Haraway, 2022). Todos os elementos de game design (cenário, ambientação, roteiro, trilha sonora etc.) incentivam as/os jogadoras/es a andar pela ilha, seja para cumprir as missões do jogo, ou para observar e contemplar a paisagem de cada região presente na ilha, nos convidando a prestar atenção em cada detalhe (Ingold, 2000).
Andar pela ilha é uma imersão sensorial (sonora, auditiva e tátil), mas há uma outra característica bem interessante. Inspirado na prática de observação de aves (birdwatching), é proposto uma missão de fotografar 62 animais com um celular para completar as informações de um catálogo que recebemos do avô de Alba e que muito se assemelha com a Wikiaves , estabelecendo uma relação entre jogador, câmera e assunto (sendo em sua maioria pássaros, mas há também mamíferos e outras ordens de animais) em uma perspectiva engajada e responsável de documentar a fauna e flora locais.
Por fim, compreendo que, apesar do jogo promover uma experiência educativa de conscientização ambiental e responsabilidade cidadã, muitas dessas ações estão pautadas em uma abordagem ecocívica (Sauvé, 2012) que individualiza e fragmenta a possibilidade de observá-las enquanto questões infraestruturais complexas. No entanto, é bastante interessante a maneira pela qual o enredo não oferece soluções mágicas: mesmo entregando o abaixo-assinado, as obras já tinham começado e o que resta são infraestruturas em ruínas a céu aberto, dilacerando o verde da Reserva Ambiental.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriel Rodrigues Barbosa (UFPA)
Resumo: Este trabalho é instigado pela grande quantidade de histórias de visagem que, contam, acontecem no Theatro da Paz, o principal teatro da capital paraense (Belém, PA), luxuosamente construído durante a ‘Belle Époque’ regional. Atráves das narrativas que coletei sobre o teatro e de casos similares na bibliografia, busco explorar a capacidade da materialidade na Amazônia de ‘fazer visagens’: tanto em seu papel de provocar os sentidos, que informam sobre a presença de visagens, quanto na potencialidade que alguns objetos tem de atrair ou causar visagens.
Visagem é um termo que descreve, principalmente, uma categoria de encontros multissensoriais com entes extra-ordinários, com os quais se tem uma relação mais ou menos simétrica. Isso inclui encontros com entes por vezes chamados de Encantados, como a Curupira e a Matinta Perera; com não-vivos, na forma de fantasmas e assombrações; e com certos animais da mata e dos rios, como Macacos Guariba e os Botos. É comum que lugares antigos (como palacetes, ruínas, locais importantes em revoltas populares e antigas prisões) tenham fama de serem ‘visagentos’; assim como, à beira dos rios, às margens da cidade, certas regiões da mata e locais com artefatos arqueológicos. E, geralmente, é ouvindo histórias desses lugares que se escuta o termo ‘fazer visagem’, que, nesses contextos, significa performar ações que atraem ou provocam visagens. Porém, essa capacidade de ‘fazer visagem’, não é atribuída somente às pessoas, mas também a objetos, frequentemente artefatos arqueológicos e pertences ligados aos mortos, como a cadeira preferida de um idoso ou a carteira perdida de um inspetor de segurança.
Contudo, ouvindo as narrativas de visagem, contadas por funcionários e pessoas que trabalham no Theatro da Paz, notei que materialidades ordinárias, como quadros de energia, paredes, chapéus, e principalmente portas e janelas, aparecem com frequência nos relatos. Por mais que não sejam ‘provocadores’, da mesma forma que as outras categorias de objeto listadas, essas materialidades tem um papel no ‘fazer visagem’, uma vez que, frequentemente, é através da sensorialidade despertada por elas que às visagens se fazem notar. Destacando, por fim, um duplo papel das coisas: de mediador e de agente nas relações com o extra-ordinário.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriela Novaes Santos (UFRN), Aline Maria Pinto da Paixão (UFPB), Patrícia dos Santos Pinheiro (UFPB)
Resumo: Entre 2022 e 2023 o projeto de extensão Histórias de Quilombo, junto ao grupo Fuxico do Bem, realizou oficinas de bordado na E.M.E.I.E.F. Ovídio Tavares de Morais no quilombo de Mituaçu (Conde, Paraíba). Durante o fazer artesanal, histórias eram contadas e os bordados eram invadidos pela experiência das mulheres artesãs. Em uma tentativa de pensar os bordados produzidos a partir de sua própria linguagem manual, um diário têxtil foi elaborado buscando reunir e refletir sobre os bordados utilizados como modelos-base nas oficinas. Essa etapa organizacional, prévia aos encontros, desembocou na produção de diversos bordados que se caracterizam como parte das experimentações táteis do campo. Assim, a elaboração de um diário têxtil apareceu como uma possibilidade de prática tátil-reflexiva de uma etnografia. Como Chizzolini (2020) nos apresenta em seu experimento na produção de um diário de campo têxtil, esta grafia organizada em forma de caderno provoca uma antropologia que se descostura da dicotomia entre fazer científico/fazer manual, cosendo a si outras estratégias de investigação. A importância do diário se mostra em seu processo, nas reflexões que influencia e na possibilidade de experimentação com materiais táteis, propondo outro modelo para o fazer antropológico, envolvendo uma prática corporal criativa ao fazer científico. Ao traçar linhas, criamos outras superfícies (Ingold, 2022). E nas oficinas, muitas linhas se apresentaram, das mais difíceis até as mais fáceis de serem identificadas: desde a linha que une as histórias e memórias dos(as) moradores(as) da comunidade, até a desenhada e bordada em superfície têxtil; as linhas das mãos que conduzem a prática, as marcas da idade na pele. Abrindo caminho pelo tecido com diferentes tipos e cores de linhas, a agulha fere a superfície para poder desenhar outra. O bordado e o seu processo atam linhas, tecidos e agulhas a um chão etnográfico específico. Este trabalho remete ao bordado menos como objeto de investigação que como objeto investigativo. Ralyanara Freire (2021) identifica o bordado como abordagem antropológica, um pensar-saber-fazer que exige contato, uma compreensão tátil. Romper e desordenar, como Pérez-Bustos (2016) escreve, é uma forma de reavaliar pressupostos científicos e suas criações de hierarquias do conhecimento. Como consequência, podemos avaliar se temos aprendido a ensinar ou apenas transmitir conhecimento. Esse movimento, de elaborar questões a partir do bordado, tanto como processo quanto resultado, é o que chamamos aqui de prática tátil-reflexiva, pois une a prática à reflexão sem tirar a importância do corpo, através do manejo manual de materiais, neste caso, têxteis.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lorena Mochel (UFRRJ)
Resumo: Todos os dias, mensagens de texto e de áudio, emojis, figurinhas, gifs, vídeos e fotos enviados por quem pede orações e destinados a quem precisa ser alcançado pela força de milagres divinos, são enviados em “grupos de oração” evangélicos no WhatsApp. Acompanhar este cotidiano através de uma etnografia realizada em dois destes grupos, ambos exclusivamente formados por mulheres, possibilitou compreender o lugar central do envio de orações, pregações e testemunhos em mensagem de voz como tecnologias de aperfeiçoamento da virtude religiosa. A partir de análises resultantes minha tese de doutorado em Antropologia Social sobre as relações entre religião, gênero e tecnologias digitais, exploro neste trabalho como os áudios do “zap” tem propiciado o desenvolvimento de disposições éticas relacionadas à escuta e reconduzido experiências coletivas de “progressão moral” (Hirschkind, 2021). Ao gravar, compartilhar e ouvir o áudio para orar junto, mulheres evangélicas pentecostais têm aprimorado habilidades sensoriais envolvidas no exercício diário de suas intimidades com Deus. Diante das “reconfigurações da privacidade” (boyd, 2014) provocadas pelos usos de smartphones e aplicativos de mensagem, reflito sobre como estes sentidos de intimidade são mobilizados por engajamentos sensoriais em que os áudios ganham relevância significativa nas práticas de evangelização online. A experiência de gravar e ouvir mensagens de voz no WhatsApp tem transformado smartphones em importantes “campos de batalha”, arena propícia para a emergência de novas maneiras de exercer a autoridade religiosa e narrar coletivamente o sofrimento. Os elementos que analiso neste trabalho envolveram centralmente a relação dos áudios com a ritualização produzida através de diferentes materialidades religiosas que se combinam aos usos do celular, tais como óleos de unção, bíblias, sucos de uva e outros objetos utilizados para “guerrear” em oração. Meu principal objetivo com este trabalho é dialogar com debates sobre as mediações entre pessoas, mídias e materialidades, explorando modos pelos quais a paisagem sonora dos áudios do “zap” tem modulado performances devocionais no cotidiano evangélico e promovido, assim, reconfigurações na vida político-espiritual de mulheres pentecostais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lucía Copelotti Guedes (UNICAMP)
Resumo: Nesta comunicação pretendo refletir sobre o lugar concedido às emoções e aos sentidos no processo de formação de doulas da morte ou doulas de fim de vida, profissionais que, de forma similar e antagônica às doulas do nascimento, oferecem suporte e conforto a pessoas no período final da vida e no morrer, e também aos familiares na despedida e no luto. A partir da observação e participação das aulas do curso de Doulas da Morte desenvolvido pelo instituto AmorTser, procuro evidenciar como o engajamento sensório-afetivo é condição fundamental no “tornar-se” doula da morte. A consciência em relação às emoções e sensações corporais, a partir dos exercícios práticos propostos, atravessam toda a formação e são uma ferramenta central na aprendizagem das técnicas de doulagem. Por um lado, as dinâmicas propostas buscam aguçar os sentidos, desenvolver formas sutis de atenção e sensibilizar em relação a sentimentos comuns no processo de morrer. Por outro lado, a tônica das atividades recai no reconhecimento da doula em formação de sua própria subjetividade, do que a caracteriza como pessoa, de suas qualidades e limitações, e a integração desses aspectos com o conhecimento e as habilidades aprendidas e exercitadas no processo de aprendizado. Trata-se, como expresso por uma das idealizadoras do curso, de exercitar e integrar os conteúdos e ferramentas conceituais “sentindo no corpo” esses aprendizados. Desse modo, a partir da descrição extensa dos exercícios e práticas desenvolvidos no contexto da aprendizagem, sugiro que a consciência sobre os pensamentos, sentimentos e sensações corporais que emergem da experimentação não é apenas o meio através das quais as doulas em formação desenvolvem habilidades perceptivas e aptidões para a doulagem de pessoas em processo de morrer, mas o próprio fundamento do saber-fazer da doula da morte.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcelo de Medeiros Reis Filho (IESP/UERJ)
Resumo: Este artigo analisa a produção científica sobre as sonoridades em cidades brasileiras. Por meio do uso do software Publish or Perish e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), reuni artigos, livros, teses e dissertações que abordam a via sonora em termos teóricos e metodológicos nos contextos urbanos do Brasil. Este trabalho busca compreender como moralidades (Cohen, 1995), atmosferas (Stewart, 2011), técnicas de venda (Girão, 2011), administração de conflitos (Dechelette, 2019) e rotinas podem ser descritas e analisadas por meio da sonoridade. Nesse sentido, a pesquisa reúne como os sons se tornam ruídos (Trotta, 2020) e as políticas sonoras (Cardoso, 2019), assim como os procedimentos teóricos e metodológicos daqueles que se dedicam a estudar as sensorialidades nos espaços urbanos (Vedana, 2018; Castro; 2021).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mariana Spagnuolo Furtado (Secretaria de Estado da Educação)
Resumo: De muitas formas distintas, podemos considerar a vida sensorial, em sentido amplo, como uma dimensão significativa da vida social. No mundo yanomami, existem diversas substâncias mágicas (hërɨ kekɨ) utilizadas no cotidiano como propiciadoras (para encontrar caça, pegar caranguejo), como proteção (para atrair bons espíritos e/ou afastar os maus), como feitiço (para seduzir ou causar infortúnios a alguém), etc. Geralmente são misturas de espécies vegetais, que atuam especialmente através de seu aroma. Para que um iniciado possa tornar-se xamã de verdade, os espíritos das folhas, dos cipós e das árvores esfregam seu corpo com água fresca de igarapé da montanha, para limpá-lo de todo fedor: é assim que o corpo começa a se preparar para receber os espíritos. Nesse sentido, o cheiro nos fala de um conhecimento que passa pelo corpo de forma bastante literal. Em A Queda do Céu, Davi Kopenawa (2015) também conta que as ferramentas de metal dos brancos, assim como suas cidades, têm um cheiro nauseante de epidemia xawara, a doença que devora as pessoas. Além disso, as pinturas e adornos corporais também são mobilizadas como forma de proteção nas caminhadas pelo mato ou no intuito de indicar e acionar presenças durante uma festa, ritual ou encontro político. Indo além de uma paisagem mais intelectualista, na qual as qualidades sensíveis são boas para pensar ou conhecer o mundo, aqui o universo sensorial aparece como sendo particularmente bom para agir e se relacionar. Assim, o objetivo do presente trabalho é refletir sobre as relações entre ética, estética e prática no mundo yanomami, partindo de reflexões etnográficas oriundas da minha pesquisa de mestrado.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pedro Silva Marra (UFES), Ana Beatriz Moreto do Vale (UFES)
Resumo: A atividade mineradora – uma das mais importantes para a economia brasileira, ao mesmo tempo que é responsável por uma série de crimes ambientais recentes no país – é marcada pela proliferação daquilo que este trabalho denomina sonoridades sísmicas: sons de caráter subgrave, intenso e tátil, cuja transmissão e propagação pelo solo remete às atividades subterrâneas e as permite alcançar longas distâncias. Desde a ação rítmica das escavações do solo nas minas e das sirenes das fábricas de beneficiamento de minérios para ordenar o tempo de trabalho; às engrenagens das esteiras, ao fluir da água em minerodutos, e aos apitos de navios nos quais o produto extraído é transportado; estas sonoridades do processo produtivo da mineração ecoam nas cidades que se organizam a partir desta cadeia econômica. Paralelo a isso, empresas do setor são responsáveis por alguns dos crimes ambientais de maior impacto no país – como a Vale, em Minas Gerais, e no seu complexo portuário em Vitória, ou a Braskem em Maceió, Alagoas – e trabalham para impedir a escuta pela sociedade das sonoridades sísmicas, da destruição, que provocam por meio de ações de marketing cultural. Estes sons sísmicos são percebidos tanto por um registro perceptível tátil, quanto detectados, quantificados, analisados e estetizados por processos transdutórios – aqueles que buscam transformar energia, informação, dados, sentidos e sensorialidades a fim de repassá-los de um meio a outro (Sterne, 2003; Helmreich, 2007) – presentes em sensores de monitoramento da atividade mineradora e em obras de arte financiadas por estas mesmas empresas, como a instalação Sonic Pavillion, do artista multimídia Doug Aitken localizada no Museu Inhotim, em Brumadinho. Este trabalho busca escutar as sonoridades sísmicas da atividade mineradora a fim de esboçar uma acustemologia (Feld, 2018) deste setor econômico que, por um lado, produz e emprega tais sons em toda sua cadeia e processos produtivos, e que, por outro, busca limpar sua imagem de poluidor e destruidor do ambiente por meio de ações de fomento artístico e cultural. Uma hipótese que se delineia é que estas sonoridades sísmicas são moduladas por tal setor econômico a fim de seduzir as populações dos locais onde atua e convencê-las da inevitabilidade da destruição que provocam, face aos benefícios que supostamente produzem.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Priscilla Isabel Menezes Dantas (UFBA)
Resumo: Com as políticas afirmativas nas universidades públicas, muitos grupos subalternizados, dentre eles o das pessoas com deficiência, encontraram a possibilidade de fazerem pesquisas que envolvam suas reais aspirações, visto que deixaram de ser o objeto da pesquisa para serem os sujeitos produzindo conhecimento sobre suas realidades.
Aliado a reserva de cotas destinadas às pessoas com deficiência temos a conquista dos recursos de acessibilidade, tanto no quesito dos recursos humanos propiciado pelas políticas públicas, quanto no avanço das tecnologias assistivas que ajudam pessoas com deficiência a se manterem nos cursos de pós-graduação, pois estes funcionam como extensores de seus corpos. Nesse sentido, levando em conta a autonomia relacional, busquei realizar uma pesquisa autoetnográfica, afim de refletir sobre a autonomia de mulheres com deficiência e dependência complexa e, nesse ínterim, observei o quanto é importante expor sobre a importância que há na relação entre eu, que dou o comando e a tecnologia assistiva, que o recebe, para que o terceiro elemento na relação, o leitor, receba as informações o mais próximo possível do que o primeiro citado desejou transmitir. Dessa forma, o artigo proposto tem o objetivo de descrever algumas questões relacionadas a forma de interação que tenho com o leitor de telas, que hora acelera, ora retarda a produção acadêmica tendo em vista que eu, enquanto mulher cega e mobilidade reduzida, incluindo a funcionalidade prejudicada das mãos, dependo desses recursos para realizar minha pesquisa, e também explorar diversos espaços. Concluímos que apesar das ações afirmativas, a estrutura acadêmica ainda age com capacitismo na medida em que tem resistência em aceitar ou por vezes simplesmente rejeitar as produções acadêmicas que contém especificidades de pesquisadores pós-graduandos com deficiência, afinal são corpos diferentes com funcionalidades diversas que enfrentam as barreiras físicas e de acesso com suas peculiaridades diversas precisando de diferentes formas de estratégias. Assim sendo, existe urgência que a academia se envolva com a justiça defiça, pois apesar das limitações temos grandes possibilidades para desenvolver nosso potencial.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Raul Lisboa Pereira Basilio (University of Georgia, Athens)
Resumo: Historicamente, os mosquitos evoluíram junto com os humanos, utilizando o nosso sangue para o desenvolvimento de seus ovos e águas paradas como locais de desova. Atualmente, algumas espécies se destacam por suas capacidades adaptativas de proliferação no ambiente urbano. Este ano, diversos estados e municípios declararam emergência de saúde pública devido aos altos índices de casos de dengue que se alastram pelo país. Paralelamente ao Aedes aegypti, responsável por ser o transmissor de dengue, o mosquito de Género Culex, também conhecido como pernilongo (ou muriçoca), é um vilão em áreas com baixo índice de saneamento básico. Características marcantes do Culex, como seus hábitos noturnos e seu zumbido, criam uma condição sensorial de incômodo para uma grande parcela da população. Além disso, sua picada causa uma coceira incessante. Esse trabalho apresenta resultados preliminares de uma pesquisa etnográfica em uma área de planície costeira com crescente urbanização onde existem lagoas e canais contaminados, cercados por diversos tipos de moradias e classes sociais. Neste estudo ilustro os impactos da relação humano-mosquito, incluindo barreiras e estratégias praticadas por moradores e órgãos públicos na tentativa de controlar a paisagem sensorial do lugar.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sandra Maria Costa dos Passos Colling (Pesquisadora), Ana Luiza Carvalho da Rocha (UFRGS), Magna Lima Magalhães (FEEVALE)
Resumo: Este texto foi elaborado a partir das arte-escritas da tese intitulada “Olhares e movimentos com o que resta de giz nas mãos: memórias do mundo do trabalho de professoras aposentadas da rede pública de ensino e o patrimônio cultural escolar do município de Portão/RS”, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale. Esta pesquisa se realizou a partir de fontes bibliográficas, documentais e, principalmente, da arte-etnografia em encontros com sete professoras.
A etapa que se deu em campo foi realizada com um olhar diferenciado, à procura de um registro anterior do que se tem como imagem, através do ver o mundo com os sentidos. Nos encontros realizados, as conversas se deram a partir do roteiro semiestruturado, e a arte-etnografia possibilitou diferentes formas de perceber a identidade narrativa e o percurso docente de cada parceira de pesquisa. Estas rememorações colocam em jogo a potencialidade da arte como um tipo de força capaz de expandir os modos de pensar a docência, a educação e a escola.
O livro arte-etnográfico resultante dos encontros apresenta fotografias, escritas e criações artísticas realizadas pelas parceiras desta pesquisa, impulsionadas e desafiadas pela pesquisadora, partindo das rememorações do mundo do trabalho em educação. Por meio destes fazeres é possível observar delicadezas, espaços, potências, traços e movimentos. Estes gestos são acompanhados por um “aquarelar” da pesquisadora numa tentativa de reunir o pó de giz que resta nas mãos destas professoras. Este trabalho é uma tentativa de oferecer outras formas de leitura e apresentar as ricas imagens que fizeram parte deste percurso rodeado de sentidos e percepções das reminiscências de mulheres sobre a docência em escola pública.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Talita Samanta Sene (UFSC)
Resumo: Proponho aqui uma brevíssima reflexão acerca da categoria Tukano Oriental caxiri (peeru) nome genérico atribuído (1) a uma diversidade de tipos e modalidades de bebidas fermentadas à base de mandioca brava e outros temperos e (2) ao modelo de festa que tem como mote o seu consumo. Através da análise dos modos de preparo e ingestão do caxiri, pretendo destacar a centralidade de conhecimentos e técnicas corporais multissensoriais que envolvem a distinção de sons, cores, odores, sabores e texturas muito específicas, na sinalização da natureza do estado da bebida (forte/fraco, doce/azedo, por exemplo) - dimensões sensoriais que têm despertado pouco interesse na etnologia da região do rio Negro, mas ocupada um lugar de crescente importância na antropologia de modo geral. Para tanto, parto de minha experiência entre mulheres Tukano Oriental de São Gabriel da Cachoeira, Noroeste Amazônico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Victor Hugo Silva Martins (UFAL)
Resumo: O Espiritismo é uma religião que surgiu em 1857, codificada por Hippolyte Léon Denizard Rivail sob o pseudônimo de Allan Kardec, após a publicação do Livros dos Espíritos, na França. Em sua fundação, obteve a característica de uma doutrina de cunho filosófico, religioso e científico, o que a tornou o foco de inúmeros estudos e críticas pela base científica, principalmente por abordar a imortalidade da alma e o plano espiritual. No Brasil ganhou força em 1865, com a abertura do primeiro centro espírita na cidade do Rio de Janeiro. Diferente da própria França, país de fundação do Espiritismo, no Brasil, a religião, como assim foi adotada em solo brasileiro, encontrou terrenos férteis, se proliferando e agregando milhares de adeptos. No entanto, sua chegada não obteve uma recepção acalorada pela base científica e catolicista no Brasil, o que resultou na criminalização de suas terapêuticas de cura, entre 1890 e 1940. Tais práticas são baseadas no Magnetismo, ideia apresentada pelo médico francês Franz Anton Mesmer. O médico postulava que assim como a terra sofre influência da gravidade no movimento de fluxo e refluxo da lua, os seres humanos também seriam compostos por tais energias, podendo influenciar no campo magnético de outra pessoa, se utilizando desse método para curar adoecimentos. No entanto, tais práticas adotadas pelo Espiritismo passou a ser postulada como charlatanismo, o que me impulsionou a compreender os benefícios das terapêuticas magnéticas no itinerário terapêutico dos adeptos do Centro Espírita William Crookes em Maceió-AL. A partir do método etnográfico, utilizando estudos de caso, coletei em um vasto material etnográfico sobre como essas terapêuticas foram significativas no processo de cura dos meus interlocutores. Assim, como movimento da minha pesquisa de mestrado, nesta pesquisa, apresento o estudo de caso intitulado: Os bons espíritos me trouxeram aqui. Que narra o caso de Matheus (nome fictício), que diagnosticado com esquizofrenia, passou por tratamento através das terapêuticas magnéticas do Espiritismo. A partir desse caso, apresento a cosmologia de saúde e doença mental para o Espiritismo, a nosologia presente no sistema médico da religião e o mecanismo de ação das terapêuticas no tocante ao tratamento de adoecimentos mentais, além de apresentar o percurso de Matheus na sua busca por saúde mental. Através desse estudo, pode-se notar a pluralidade nas abordagens de cuidado à saúde mental, existindo diferentes rotas para além da biomédica, e consequentemente, diferentes maneiras de se perceber e de se tratar os adoecimentos de cunho psíquico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vitor Sampaio Soares (UFPR)
Resumo: Miolo é aquele que se torna medula no interior do boi. Boi é um artefato dotado de agência que ocupa lugar central na festa de bumba-meu-boi do Maranhão. Trata-se de uma manifestação popular, disseminada na mesorregião norte maranhense, na qual estão presentes elementos religiosos afro-católicos, da dança, da música e do teatro. Este trabalho compõe o escopo da minha pesquisa de mestrado, em andamento, que reúne uma série de reflexões acerca da materialidade, corporeidade e performatividade presentes nessa festa. Por essa razão, meu olhar se volta para os modos de relação entre humanos e não-humanos e ao aspecto étnico-racial que marcam as práticas de feitura e os fazedores da brincadeira. A partir de uma imersão etnográfica no litoral ocidental maranhense, busco compreender de que maneira a criação técnica do boi-artefato está relacionada ao sistema de ideia local e como as intencionalidades do mestre-artesão provocam mudanças significativas na performatividade da festa e na recepção por parte dos brincantes. Para isso, descrevo e analiso o caso de um artesão em via de elaboração do boi-artefato e, posteriormente, a performance que o boi-miolo assume durante a festa. Essa investigação tem me levado a refletir acerca das complexidades presentes nos processos de criação de artefatos e das potencialidades que a relação entre humano e não-humano podem atingir a partir de determinados domínios técnicos no universo da cultura popular.