Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 010: Antropologia da percepção e dos sentidos
“A gente aprende com o corpo todo”: o diário têxtil como uma prática tátil-reflexiva
Entre 2022 e 2023 o projeto de extensão Histórias de Quilombo, junto ao grupo Fuxico do Bem, realizou oficinas de bordado na E.M.E.I.E.F. Ovídio Tavares de Morais no quilombo de Mituaçu (Conde, Paraíba). Durante o fazer artesanal, histórias eram contadas e os bordados eram invadidos pela experiência das mulheres artesãs. Em uma tentativa de pensar os bordados produzidos a partir de sua própria linguagem manual, um diário têxtil foi elaborado buscando reunir e refletir sobre os bordados utilizados como modelos-base nas oficinas. Essa etapa organizacional, prévia aos encontros, desembocou na produção de diversos bordados que se caracterizam como parte das experimentações táteis do campo. Assim, a elaboração de um diário têxtil apareceu como uma possibilidade de prática tátil-reflexiva de uma etnografia. Como Chizzolini (2020) nos apresenta em seu experimento na produção de um diário de campo têxtil, esta grafia organizada em forma de caderno provoca uma antropologia que se descostura da dicotomia entre fazer científico/fazer manual, cosendo a si outras estratégias de investigação. A importância do diário se mostra em seu processo, nas reflexões que influencia e na possibilidade de experimentação com materiais táteis, propondo outro modelo para o fazer antropológico, envolvendo uma prática corporal criativa ao fazer científico. Ao traçar linhas, criamos outras superfícies (Ingold, 2022). E nas oficinas, muitas linhas se apresentaram, das mais difíceis até as mais fáceis de serem identificadas: desde a linha que une as histórias e memórias dos(as) moradores(as) da comunidade, até a desenhada e bordada em superfície têxtil; as linhas das mãos que conduzem a prática, as marcas da idade na pele. Abrindo caminho pelo tecido com diferentes tipos e cores de linhas, a agulha fere a superfície para poder desenhar outra. O bordado e o seu processo atam linhas, tecidos e agulhas a um chão etnográfico específico. Este trabalho remete ao bordado menos como objeto de investigação que como objeto investigativo. Ralyanara Freire (2021) identifica o bordado como abordagem antropológica, um pensar-saber-fazer que exige contato, uma compreensão tátil. Romper e desordenar, como Pérez-Bustos (2016) escreve, é uma forma de reavaliar pressupostos científicos e suas criações de hierarquias do conhecimento. Como consequência, podemos avaliar se temos aprendido a ensinar ou apenas transmitir conhecimento. Esse movimento, de elaborar questões a partir do bordado, tanto como processo quanto resultado, é o que chamamos aqui de prática tátil-reflexiva, pois une a prática à reflexão sem tirar a importância do corpo, através do manejo manual de materiais, neste caso, têxteis.