ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 014: Antropologia das Relações Humano-Animais
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Coordenação
Andréa Barbosa Osório Sarandy (UFF), Flávio Leonel Abreu da Silveira (UFPA)
Debatedor(a)
Andréa Barbosa Osório Sarandy (UFF), Flávio Leonel Abreu da Silveira (UFPA), Ana Paula Perrota Franco (UFRRJ)

Resumo:
O campo das relações humano-animal, ou Animal Studies, teria emergido na década de 1970 em meio a movimentos de proteção animal que, não obstante, remontam ao século XIX. Na verdade, os animais participam das análises antropológicas há muito tempo. Algumas análises identificaram dois paradigmas correntes: um que pode ser chamado de materialista, em busca do animal "real"; e outro semiótico, pós-estruturalista ou simbólico, em busca de representações. Mais recentemente, a emergência de reflexões sobre o perspectivismo ameríndio realçou a centralidade dos animais em aspectos da vida religiosa e cosmológica de populações ameríndias, com um forte impacto nas conhecidas relações entre natureza e cultura. O presente Grupo de Trabalho pretende ser um espaço para reflexões teóricas e pesquisas empíricas acerca das relações entre animais humanos e não humanos, a partir de um viés antropológico. Serão aceitos trabalhos tanto sobre as percepções simbólicas quanto sobre relações concretas materiais entre ambos. Entre eles, destacam-se produções voltadas aos animais de estimação, de abate, de tração, animais da fauna silvestre brasileira ou estrangeira, caça, criações, rinhas, concursos, turismo, animais de laboratório; em meio urbano, rural ou entre populações ameríndias e mesmo fora do continente americano; relações cotidianas, científicas, religiosas, alimentares, ideológicas, morais, artísticas, legislação, políticas públicas, saúde, entre outras possibilidades.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Notas sobre conjugalidades bestiais
Ana Paula Perrota Franco (UFRRJ), Gleiton Matheus Bonfante (UFF)
Resumo: O trabalho reconhece a existência de arranjos de convivência tabu entre humanos e animais, nomeadamente a zoofilia, de cuja prática se explora suas decorrências éticas, morais e performativas. Assumindo com Haraway (2016) que parentesco multiespécie não são livres de riscos e consequências, discute-se consentimento, agência animal e a produção de limites entre humano e animal a partir de revisão bibliográfica e de dados gerados em uma etnografia digital em grupos de WhatsApp para performance do desejo zoófilo. A análise evidencia a centralidade da noção de consentimento no âmbito da controvérsia sobre a legitimidade ou deslegitimidade da prática sexual com animais. Além de identificar três tipos de discurso sobre zoofilia online, o pedagógico, o questionamento ético e a performance íntimo-espetacular, descreve o cuidado com os bichos e as estratégias de atenção aos signos de agência animal, ressaltando diferentes abordagens éticas na relação multiespécie.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Como vai se chamar?”: algumas reflexões sobre “nomes de gente”, “nomes de bicho e burocracias
André Luíz Coutinho Vicente (UFRJ)
Resumo: Durante o trabalho de campo para construção da dissertação de mestrado, voltada à escolha de nomes para crianças e as burocracias de registro, fui me aproximando de outro grupo “nomeável”: os animais. A partir da leitura de Ingold (2015), Rapchan (2015), Perrota (2015) e Coulmont (2016), fui montando a teia a partir da qual estes seres apareciam também envolvidos em dinâmicas de afetos, simbolismos e burocracias. Indo para os caminhos para onde meu campo ia me conduzindo, reflito que é comum termos pets em casa e, em muitos casos, eles se tornam “membros da família (C.f. RAPCHAN, 2015). Conforme notícia divulgada pela Forbes Brasil em 2022, uma pesquisa do Instituto Pet Brasil concluiu que, no país, aproximadamente 70% da população tem um pet em casa ou conhece alguém que tenha; as relações dos humanos com estes outros animais “são geralmente híbridas e multifacetadas (RAPCHAN, 2015). Os pets geralmente têm nomes e estes podem ser aqueles que identificamos como “nomes de gente ou outros termos, referentes a diversas coisas do mundo e das características físicas e temperamentais dos próprios pets, e que passam a cumprir a função de nome, ou seja, os “nomes de bicho”. A partir de um caso etnografável de nomeação de uma gata, busco discutir estas duas categorias, pensando-as em interação com a nomeação entre humanos. Ainda, olhando para os processos e procedimentos burocráticos que envolvem o registro de animais domesticados, como a existência da Lei Estadual (RJ) nº 8.015/2023, sinalizo para as diferenças de estatuto entre os seres do ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro. Ao passo que cresce, como política administrativa, a necessidade do registro dos animais (RGA), tais registros são feitos nos Ofícios de Títulos e Documentos, não nos de Pessoas Naturais, como o são os humanos. A outra diferença está na natureza jurídica, uma vez que há tensões sobre entender tais animais como objetos ou sujeitos de direitos. Reflito, ainda, a formulação de Tim Ingold (2015, p. 243), a qual expõe que há uma presunção nas sociedades ocidentais modernas de que ter um nome é “ser humano”. Para o autor (2015, p. 244. Grifo do original) há, na tradição ocidental do pensamento, uma doutrina da singularidade do indivíduo e uma separação entre a sociedade humana e o domínio da natureza, daí os seres humanos (como seres sociais) devem realizar sua autoidentidade. Dessa forma, o nome próprio emergiria como um marcador desta identidade e aquilo que indexaria “o que é pensado como uma capacidade distintiva dos seres humanos enquanto pessoas de intervirem na natureza [...]”, demarcando, ao fim, estatutos desiguais entre os seres.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vizinhanças outras-que-humanas: conviver com macacos-prego, saguis e avifauna em um trecho de Mata Atlântica urbana.
Andréa Barbosa Osório Sarandy (UFF)
Resumo: A questão central da apresentação ora proposta é uma reflexão sobre animais silvestres em meio urbano. Partindo de uma experiência pessoal de ser vizinha de saguis, macacos-prego, tucanos e jacus, para citar apenas as espécies mais emblemáticas, tento tecer uma reflexão sobre a importância de áreas de preservação ambiental em meio urbano. O caso analisado trata de um bairro central na cidade do Rio de Janeiro, coalhado de Unidades de Conservação, mas também de áreas verdes, mormente quintais e jardins, por onde trafegam os animais em questão.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pets, Família e Política. Aproximações Entre Proteção Animal e Conservadorismo no Congresso Brasileiro.
Bernardo Lewgoy (UFRGS)
Resumo: Esta proposta de trabalho busca analisar a crescente adesão de parlamentares conservadores à pauta da proteção de animais de estimação no Brasil. A partir de uma análise de alguns projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, pretende-se investigar as possíveis conexões entre a defesa dos pets e a promoção de agendas políticas e ideológicas alinhadas com o campo conservador. Argumenta-se que a causa animal tem sido estrategicamente mobilizada por esses atores políticos como forma de: (1) sintonizar-se com uma agenda crescentemente popular e de baixo custo político ; (2) dialogar com tendências que articulam neoliberalismo e religião, como a valorização da família conjugal heteronormativa através da promoção enviesada da categoria "família multiespécie"; (3) atender a interesses econômicos ligados ao mercado pet, cada vez mais sintonizado com o mundo do agronegócio e suas cadeias produtivas; (4) avançar pautas conexas, como a segurança pública, a desburocratização e a liberdade individual. Através de uma abordagem antropológica das relações humano-animais, busca-se compreender como a proteção de pets tem sido ressignificada e instrumentalizada no discurso e na prática política desses parlamentares. Propõe-se uma reflexão sobre as ambiguidades e contradições que emergem dessa aproximação entre conservadorismo e defesa animal bem como sobre os potenciais impactos dessa articulação para a formulação de políticas públicas e para a transformação das sensibilidades morais em relação aos animais na sociedade brasileira contemporânea.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sobre riscos e incertezas: antropologia, primatas e primatologia
Fagner Carniel (UEM), Eliane Sebeika Rapchan (Universidade de Coimbra)
Resumo: O texto parte de um balanço analítico dos contemporâneos estudos sobre primatas e sobre a primatologia na antropologia brasileira, procurando destacar os principais contextos de pesquisa e perspectivas teórico-metodológicas mobilizadas por essas investigações. O objetivo é retomar esse mergulho parcial na literatura antropológica para indagar: o que esses encontros com a primatologia e com os próprios primatas pode nos ensinar sobre a arte de correr riscos na antropologia? Dito em outras palavras, tal aproximação entre primatas e a antropologia brasileira pode afetar os modos de pensar e fazer teoria e etnografia? A hipótese que orienta esta análise está relacionada com a emergência de um conjunto de princípios sobre o fazer etnográfico que estão sendo gestados por esses estudos em um diálogo crítico com a tradição socioantropológica clássica que também problematizou as relações entre natureza e cultura, agência e história, humanos, ambientes e outros seres vivos. Desse modo, enfatizamos uma dimensão dessas relações que tende a ser cada vez mais ativada em contextos de riscos (ambientais, éticos, epistêmicos ou políticos); ou melhor, quando antropólogas socioculturais e biocientistas se situam diante da necessidade de compartilhar um mesmo e urgente problema de pesquisa. Isso porque a população mundial de primatas habita predominantemente regiões de clima equatorial e tropical ameaçadas pela crise climática e ambiental global, o que inclui todo o território brasileiro. Além disso, essas configurações colocam novas perguntas que estão na ordem dos limites e emaranhados entre o fazer pesquisa antropológica sobre encontros multiespécie e/ou fazer antropologia da ciência. Sem a pretensão de esgotar o debate, concluímos o texto procurando argumentar que, mesmo diante das inúmeras incertezas e controvérsias implicadas nesses diálogos multidisciplinares, a prática antropológica só permanecerá “humana na medida em que conseguir se manter inclusiva.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Mãe de pet existe? O conflito moral acerca da maternidade de cães e gatos
Ialê Pires de Moraes (UFRRJ)
Resumo: A partir dos avanços no campo do direito dos animais, marcados principalmente pela adoção da perspectiva na qual os animais passam a ser considerados seres sencientes (PERROTA, 2015), as relações entre humanos e animais continuam a sofrer transformações de ordem moral. É cada vez mais profunda a introdução dos animais de companhia nas relações familiares. Ao serem compreendidos como filhos, ou membros das famílias, os cuidados providos por seus parentes podem partir da ideia de posse responsável (OSÓRIO, 2011). Esse processo deu origem à categoria auto identificada “mãe de pet”; mobilizada para identificar as mulheres que atuam na manutenção do bem-estar dos animais de estimação e estabelecem relação de cuidado e afeto com seus pets. Nessas interações, os animais de companhia passam a ser interpretados enquanto pessoa (MAUSS, 2003) ao invés de um objeto amoral. Diante dessa figura e das relações de parentesco que possuem com os pets, utilizamos os trabalhos sobre etnologia indígena para pensar sobre os vínculos identitários e afetivos que também constroem o parentesco. Longe de reafirmar a dicotomia natureza – cultura em uma chave analítica de pré-modernos x modernos, o diálogo com os textos sobre o parentesco em sociedades indígenas serve para refletir sobre como tais práticas podem ser pensadas no caso das “mães de pet e na construção do vínculo afetivo que elas têm com seus animais. Diante dos exemplos de parentesco estabelecido com os animais entre os povos indígenas, num esforço de estranhar o familiar, constatamos que existem outras formas de interpretar as relações entre espécies, de maneira que a interpretação do parentesco por parte das sociedades modernas não é natural, muito menos universal. Nesse sentido, compreendemos que o pensamento moderno é uma construção social embora reivindique um caráter natural, objetivo e auto evidente. Considerá-lo uma construção social nos permite reconhecer suas transformações, assim como permite pensar em outros modos de parentesco, inclusive multiespécie. Podemos utilizar as referências emergentes do campo dos estudos das dinâmicas sociais interespécies em conjunto com outras discussões teóricas das ciências sociais para a construção de importantes reflexões antropológicas sobre o parentesco autodeclarado dessas mulheres com seus animais de estimação. A análise da controvérsia existente com relação às “mães de pet nos leva a uma reflexão crítica que problematiza a dicotomia natureza e cultura na medida em que percebemos a constituição do parentesco entre humano e animal. Tal discussão é permeada por questões morais das relações entre humanos e animais e da família enquanto instituição social.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vacas, plantas, bactérios e outros entes – emaranhados multiespécies na pecuária leiteira
Iara Maria de Almeida Souza (UFBA)
Resumo: O presente artigo analisa a prática da pecuária leiteira partir de uma abordagem multiespécies, considerando as relações entre uma diversidade de entidades – plantas, animais, micróbios etc – que convivem em uma complexa imbricação, compondo a vida e a paisagem de uma fazenda (de médio porte) voltada para a criação de gado bovino. A partir da realização de uma pesquisa etnográfica foi possível compreender com essas múltiplas vidas se enredam formando arranjos que envolvem instrumentalização, relacionalidade afetiva, convivialidade e disputas entre inúmeros seres. Além disso, apontamos para o fato de que tentativas de homogeneização dos animais e submissão a regras e protocolos estritos na produção leiteira, como uso de ordenha mecanizada, se fazem acompanhar da emergência de espécies ferais, criaturas que escapam ao controle, perturbam e ameaçam esse tipo de pecuária e agricultura. Considerando a existência de diferentes tipos de vínculos entre as criaturas que convivem na fazenda, este artigo dá especial ênfase às relações de parasitismo, pensada a partir da proposta de Michel Serres.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Humanos e animais peçonhentos em um laboratório de ciências biológica: notas etnográficas sobre cuidado, afeto e prática cientific
Jackeline da Silva Jeronimo de Souza (UFBA)
Resumo: Esse trabalho é uma investigação etnográfica que tem por objetivo descrever, analisar as relações estabelecidas entre humanos e animais peçonhentos, especificamente cobras, no âmbito da prática cientifica e nas relações afetivas que são desenvolvidas ao longo do processo principalmente pelos tratadores que se fazem presente no dia- a - dia com os animais. A pesquisa também tem o objetivo de desmitificar essa simbologia que as cobras carregam dentro da sociedade enquanto seres passíveis de nenhum afeto.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A relação humana-animal-ambiente na perspectiva da ANTAR - Poder Popular Antiespecista
Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto (UFPE)
Resumo: A ANTAR - Poder Popular Antiespecista é um agrupamento de tendência político-social formado em 2019 com núcleos nos estados de São paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e um em Portugal, tem como principais princípios e ponto de convergência entre seus membros o antiespecismo, o ecologismo e o veganismo popular, com isso, pretendem se aliar aos demais movimentos sociais e construir as pautas antiespecistas e as ecologias radicais. Ao destacarem o antiespecismo e o poder popular em seu nome, o grupo demonstra pretender uma união entre as causas animal e humana (trabalhadores, feminismo, antirracismo, anticolonialismo), desta forma, reivindicam uma política multiespécie que leve em conta tanto os animais humanos quanto os não-humanos com o objetivo de libertar ambos, pois, para eles, não existe libertação animal sema a libertação humana. Para além da causa animal e humana, a ANTAR aborda uma ecologia radical e social, dessa forma, a natureza, além de ser ativa, é compreendida como parte inseparável e orgânica da sociedade. Uma abordagem que desconstrói a dualidade cartesiana de cultura e natureza e a ideia ocidental de que o humano é desprendido da natureza, mas sim, é parte integral da natureza. Dessa forma, a ANTAR prega uma relação humana-animal-ambiente harmônica. Com isso, este trabalho pretende analisar, a partir das reflexões desenvolvidas com o grupo Antar, os diálogos possíveis entre antiespecismo, ecologia e pautas humanas, bem como identificar seus limites.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O dia do abate
Lara Mattos Martins (UFRRJ)
Resumo: Resumo: Este trabalho é um relato etnográfico sobre o dia do abate de um porco em um sítio no interior do Espírito Santo. A reflexão que segue foi organizada em duas sessões essenciais para conduzir o debate sobre as relações entre humanos e animais que constituem o processo da criação à morte dos porcos para o abate doméstico. A primeira sessão descreve o abate em detalhes, desde a insensibilização do animal até a sangria e o esquartejamento, além dos eventos paralelos que acompanham o processo. A segunda sessão do artigo fornece ao leitor uma perspectiva teórica sobre a agência dos não humanos, mais especificamente dos porcos, destacando que a matança do porco é interpretada como um evento que nos permite desenvolver uma reflexão sobre as relações humano-animais no mundo rural. O dia do abete envolve: a participação de várias famílias, que contribuem com a mão de obra em troca de parte do animal; a ocorrência anual do abate, geralmente próximo ao dia 20 de dezembro, para assegurar fartura nas refeições de fim de ano; e a divisão da carne - "quem ficará com o pernil?". O argumento deste artigo é que na antologia rural, os animais constituem uma rede na qual, mesmo quando transformados em alimento, ainda são agentes, fortalecendo laços familiares e de vizinhança, envolvendo a partilha de alimentos em um contexto de festa e convívio social O porco é um animal do sítio, e a carne deste animal neste contexto é alimento e não produto. Fundamentalmente, este artigo propõe que neste contexto rural, pode-se distinguir da forma como os animais são transformados em objetos de consumo desanimalizado e a questão da moralidade e dilemas morais envolvidos no abate comercial de carne. Palavras -chaves: Relações humano-animais; Abate animal; antropologia rural;
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Búfalos e as paisagens marajoaras: elementos humanos e não-humanos em transformação.
Laynara Santos Almeida (UFPR), Ângela Camana (CONTER/ANR), Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da Costa (UFPR)
Resumo: Este trabalho se debruça sobre o debate como a paisagem pode ser construída a partir das interações entre elementos humanos e não humanos de formas intencionais e não intencionais. A partir da presença, induzida, do búfalo no arquipélago do Marajó, buscamos entender como um animal exótico, mas entendido por diferentes agentes como "ecologicamente viável" para região, dinamiza e reconstrói a paisagem em suas dimensões natural, econômica e cultural. Utilizamos como metodologia a Teoria Ator-Rede de Bruno Latour, abordagem que nos permite entender que diferentes elementos são atores que coproduzem com o meio ecológico. E, e diálogo com esta perspectiva, compõem o quadro teórico as contribuições de Anna Tsing sobre as relações multiespécies, que se sobrepõem à dicotomia natureza-cultura. A proposta é fruto de uma pesquisa mais ampla, ainda em curso, de caráter qualitativo. São procedimentos da investigação a pesquisa documental, observação no Marajó (PA) e entrevistas com atores-chave (como, por exemplo, representantes de comunidades rurais, bubalinocultores, pesquisadores e extensionistas). O búfalo foi domesticado a cerca de 4.000 anos, na atual China. Sua jornada a partir da Ásia passou pela África, Europa e por fim as Américas e tem se adaptado nestes ambientes de formas distintas (Nascimento; Carvalho, 1993). As características fisiológicas colocaram o búfalo como pretendente para regiões como o Marajó. Contudo, estudos (Zhang, et al., 2020; Pineda, 2021) sugerem que a historiografia dos búfalos foi mais complexa, impulsionadas por mudanças climáticas, cruzamentos de raças e manejo, não apenas "aclimatização" natural aos diferentes ambientes e biomas onde foram inseridos. A ideia de animal de fácil adaptação à Amazônia colocou o búfalo como "animal ecológico" (Miranda, 1986, p.11), próspero para a região e fonte de pesquisas que visam o melhoramento do manejo do rebanho (Embrapa, 2016) e da biotecnologia de reprodução (Fapespa, 2021). Apesar da sua marcante presença na paisagem marajoara, na vida cotidiana dos ilhéus, nos quintais, ruas, culinária, festividades, o crescimento do rebanho tem provocado impactos ambientais (ISA, 2006; Monteiro, 2009; ICMBio, 2021) e transformado as paisagens, novamente. Para olhar a Amazônia no século XXI é preciso compreender as relações criadas entre os atores, humanos e não humanos, da rede ecossistêmica criada através das biointerações das socialidades existentes, entender que esta natureza foi construída, direcionada, reconfigurada para se tornar paisagem com elementos bióticos e culturais agregados, onde não há ruptura entre natureza e homem.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“É bom para a minha vaca, é bom pra mim”: contrastes produzidos a partir da ideia de enriquecimento ambiental na pecuária leiteira
Leandra Holz (UFSCAR)
Resumo: "A intensificação dos sistemas de criação mudou a forma sob a qual os animais interagem com os humanos e com o ambiente em que vivem. No caso da pecuária leiteira, mudanças que envolvem essas interações são vistas, em maior medida, quando vacas que viviam soltas no campo, pastando, brincando e se refrescando em águas de açudes, mais distantes dos humanos, passam a viver em galpões industriais e na companhia permanente de humanos, máquinas e estruturas artificiais. Uma das preocupações encontradas em manuais zootécnicos e veterinários, que faz parte de políticas bem-estaristas utilizadas, inicialmente com animais silvestres em cativeiro, mas também expandidas para animais de criação diante da intensificação de sistemas de produção, são medidas que visam deixar o ambiente desses animais supostamente mais próximo ao “natural”, adotando práticas de “enriquecimento ambiental”. A questão é que, quando confinadas, é preciso evitar o estresse das vacas, já que comportamentos considerados “anormais”, estereotipias e competição, são potencializados por ambientes entendidos como “empobrecidos”. Por isso é preciso “enriquecer esses espaços, ou seja, adicionar objetos que “reconstituam o que seriam o ambiente e o comportamento “naturais dos bovinos. Só que esse “natural promovido por meio de objetos e artefatos, é, antes de tudo, artificial, ou seja, há um esforço em produzir espaços que pareçam naturais com objetos sintéticos em um espaço também artificial/industrial feito de concreto. Por outro lado, esse “natural e o que julgam ser “bom para as vacas apresentam dimensões diferentes para produtores de leite e técnicos agrícolas vinculados à cooperativa Coopar de São Lourenço do Sul/RS. ""Vacas e açudes não combinam devido a questões sanitárias, diz o técnico, enquanto que produtores mostram-me suas vacas felizes se refrescando nos açudes. Por que preciso de um aspersor de água para aliviar o estresse térmico dos dias quentes, uma das medidas de “enriquecimento ambiental”, se as vacas podem ir até o açude se refrescar? Um técnico me disse que os produtores dessa região “não estão muito aí para essas coisas de bem-estar”, e que “não cuidam bem de suas vacas – sugerindo, assim, um bem-estar que só pode ser produzido artificialmente, um artefato que se opõe à condições naturais, mesmo que busque emular este mesmo “natural”. O contraste presente nas ideias de produtores e de técnicos é bastante visível em minha pesquisa de campo. Diante disso, esse trabalho pretende discutir como o natural, o conforto e o cuidado são encarados nesse contexto por diferentes perspectivas, com especial atenção para a implementação (ou não) de práticas de enriquecimento ambiental e confinamento, e suas possíveis justificativas no que se refere ao que é “bom para a minha vaca”."

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Um humano no ninho - As mulheres Akuntsú e os pássaros
Luciana Keller Tavares (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI))
Resumo: Babawru, ou “pica-paus”, era como se autodenominavam os Akuntsú, povo falante de língua da subfamília Tupari (tronco tupi) que atualmente vive dentro dos limites da Terra Indígena Rio Omerê, junto a um coletivo Kanoé de quatro indivíduos, em meio a monocultura e pastagens, no sul de Rondônia. Sobreviventes de inúmeros massacres que aconteceram como fruto da colonização dos "vazios" amazônicos, os Akuntsú foram contatados pela Funai em 1995 e são hoje uma das populações mais vulneráveis do mundo, tendo sido reduzidos a três mulheres adultas: Pugapía, Aiga e Babawro. Em um mundo devastado pelo genocídio, onde as crianças não nascem mais, os animais de criação, sobretudo os pássaros, conquistaram um lugar central. Hoje, entre araçaris-de-bico-riscado (Pteroglossus inscriptus), maracanãs-guaçu (Ara severus), periquitões (Psittacara leucophthalmus), jacamins-de-costas-verdes (Psophia viridis), jacupembas (Penelope superciliaris) e periquitos (Brotogeris chiriri), as três mulheres Akuntsú vivem com dezenove pássaros dentro de sua pequena maloca. Os animais são capturados pelos funcionários da Funai ou pelos homens Kanoé. Alguns são demandas específicas e diretas das mulheres, outros foram encontrados pelo caminho por acaso e trazidos para elas. Cada ave possui sua “mãe entre as três mulheres e suas respectivas relações de parentesco com as outras do grupo. As mulheres parecem ter criado com seus animais uma relação de mútua dependência, onde os pássaros foram tão acostumados à convivência com os humanos quanto os humanos o foram com os pássaros. Nesse sentido, mais do que “familiarizados”, os pássaros seriam, portanto, familiares. Adentrando etnograficamente no ninho das mulheres (e dos pássaros) Akuntsú, o presente trabalho busca conhecer sentidos e significados das relações entre humanos e outros-que-humanos, debruçando-se sobre a hipótese de que, após a experiência extrema da destruição, de assistir a quase todos os seus parentes humanos serem mortos, as mulheres vem produzindo relações de afeto e proximidade com outros-que-humanos que se aproximam de uma “mutualidade do ser”, nos termos de Sahlins (2013) - seres que compartilham de uma mesma existência, que vivem a vida uns dos outros e morrem a morte uns dos outros. Relações também chamadas de parentesco.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Medicina dos cavalos: saúde multiespécie e transdisciplinaridade a partir das terapias assistidas por equinos, na área cultural pampeana
Marília Floôr Kosby (UNIPAMPA), Cristoffer Rodrigues Lopes (UNIPAMPA), Maria Alexsandra do Nascimento Silva (UNIPAMPA)
Resumo: O presente estudo é uma investigação junto a intervenções terapêuticas assistidas por cavalos, que apresentam o desafio ao antropocentrismo como vórtice para o aperfeiçoamento da pessoa humana e consequente cura para diferentes mazelas e sofrimentos. Trata-se de um estudo transdisciplinar, partindo da desestabilização das fronteiras entre os campos das ciências humanas, das ciências da saúde e das ciências da natureza, a partir de uma perspectiva cara aos estudos da chamada virada animal (Yelin, 2015). Com essa pesquisa, busca-se compreender o funcionamento (técnicas, práticas, resultados) e os possíveis efeitos ontológicos sobre o paradigma equestre “campeiro”, de algumas terapias assistidas por cavalos que se desenvolveram no sul da américa do sul, mais especificamente abarcando a área cultural da pampa (Rieth et al, 2013). A metodologia que embasa a pesquisa é constituída de trabalho de observação participante, junto a terapeutas (humanos e não-humanos) e usuários das seguintes intervenções terapêuticas assistidas por cavalos: Constelações Xamânicas Assistidas por Cavalos, no sul do Brasil e no Uruguai; Doma Índia, na Argentina e no sul do Brasil; Movimentos Sistêmicos Assistidos por Cavalos, no sul e sudeste do Brasil e Psicoterapia à cavalo, em Porto Alegre/RS. No pampa, território onde emergem perspectivas etnográficas e etnografáveis específicas (Leal, 1997), conhece-se bem o paradigma equestre "campeiro" – protagonizado por homens que conhecem como lidar com os animais de criação, sua saúde, nascimento, reprodução, abate, zelando por manter os animais dentro dos limites da propriedade de terra. Nas terapias aqui abordadas, tal paradigma é problematizado por padrões de relação que primam pelo estabelecimento de uma convivência hierarquicamente simétrica entre humanos e equinos - na maioria das terapias abordadas aqui, por exemplo, a montaria é preterida. Nelas preponderam preceitos e técnicas que, além de cura e bem-estar, visam o aprimoramento humano com a ajuda da "sabedoria da manada" (Knaapen, 2016). Prevalece, portanto, a concepção de saúde multiespécie, por não ter a pessoa humana como protagonista isolável dos processos de adoecimento, tratamento, cura, tanto de humanos quanto de outros animais. Noções como de “sabedoria da manada”, “medicina dos cavalos”, “cura interespecífica”, estão relacionadas à capacidade que os equinos teriam de acionar nos humanos afetos e percepções que não aqueles que afirmam a tese da exceção humana (Schaeffer, 2009). Esses afetos despertariam nos humanos a consciência de que vivem em comunalidade com outros modos de vida, os quais costuma ser alocada no domínio da “natureza (Descola, 2023).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marina Abreu Torres (UFMG)
Resumo: No clássico trabalho de Florestan Fernandes (2008) sobre os ofícios exercidos pela população negra de São Paulo nos anos 1920, um dos seus informantes afirma que “os cocheiros eram geralmente brancos, mas os que cuidavam dos cavalos eram negros (p. 151). Neste trabalho, procuro compreender a relação entre pessoas e animais no contexto dos transportes no Brasil a partir de uma perspectiva racializada, evidenciando como esse vínculo se distingue daquele estabelecido entre as elites e os animais utilizados para transporte. Como se sabe, ao longo da história brasileira, bois, cavalos e mulas foram protagonistas na circulação de pessoas e de mercadorias em meio rural e urbano. Se a expansão dos sistemas de transportes foi comandada pelas elites e estruturada a serviço de suas pretensões coloniais — desbravar os sertões, ocupar terras, garantir a circulação de mercadorias —, a sua realização, de fato, ficava a cargo de trabalhadores humanos e não-humanos que não faziam parte das classes dominantes e que desenvolveram relações próprias uns com os outros. Tropeiros, em sentido estrito, eram os donos dos animais e das negociações efetuadas pelas tropas, mas o cuidado das mulas e dos outros animais que compunham os lotes era feito por camaradas, que organizavam as cargas, tratavam de suas enfermidades e faziam as viagens a pé, ao seu lado. Carros de bois, da mesma forma, embora pertencessem às elites rurais, eram conduzidos por carreiros — homens negros escravizados, livres ou libertos, muitas vezes referidos como mestres. Relatos históricos (SOUZA, 2003) trazem indícios sobre as relações complexas estabelecidas entre carreiros e bois, apontando para aspectos da comunicação, dos cuidados e dos laços de amizade desenvolvidos entre eles. Nos centros urbanos, a presença de carroças para o transporte de mercadorias é marcante desde a segunda metade do século XIX. Carlos Santos (2008), ao apontar que, em São Paulo, “nem tudo era italiano”, mostra como o trabalho de carroça, assim como o de lavadeiras, ambulantes e vendedores de raízes, fazia parte dos chamados “serviços de negro (p. 163), que configuravam verdadeiros espaços de resistência dessa população no pós-abolição. Carroceiros, ao contrário dos camaradas nas tropas e dos carreiros, eram geralmente os donos de suas próprias carroças e, possivelmente, dos animais com quem trabalhavam, sendo, como hoje, também os responsáveis pelos seus cuidados. A partir de trabalhos históricos e também de etnografias contemporâneas sobre tração animal (CARVALHO, 2016; OLIVEIRA, 2017; BARRETO, 2022), pretendo refletir sobre como a questão racial, tão cara à Antropologia, pode impactar a forma como pensamos as relações humano-animais no contexto dos transportes no Brasil.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A (des)humanização de humanos e animais em situação de rua no espaço urbano
Matheus Soares Ferreira (UFRRJ)
Resumo: Historicamente, humanos e animais em situação de rua vivem à mercê da sociedade que tantas vezes a descrimina como indivíduos, cidadãos e humanos. O trabalho, ainda em construção, procura observar como esses dois grupos encontram formas de sobreviver juntos e reconhecem socialmente um ao outro no espaço urbano. Como mostra o relato a SP Invisível (@SPInvisivel) em 2020, onde o humano conta que seu cachorro, Capitão, mudou a sua vida trazendo esperança em meio as vulnerabilidades da rua. A troca de reconhecimento entre esses humanos e animais que vivem nas ruas produz afetos, autoconfiança, respeito e o sentimento de pertencer a algo. Marcados pela negligência e a ausência de direitos, esta população está sujeita a violência urbana e a invisibilidade, colocando em debate a sua humanidade e a perda dela. Há vidas que são violentadas e desumanizadas nas ruas, muitas vezes suas mortes e dores não são condenadas, e sim invisibilizadas, desaparecendo entre outras vidas invisíveis. O debate da humanidade, animalidade e desumanização não é recente nas Ciências Sociais, autores como Tim Ingold em “What is an Animal? (1994) e Jussara Freire e Cesar Pinheiro Teixeira em “Humanidade disputada: sobre as (des)qualificações dos seres no contexto de ‘violência urbana’ do Rio de Janeiro (2016) discutem a ideia de humanidade e as suas desqualificações na sociedade. A humanidade de humanos e animais em situação de rua entra em disputa no contexto da violência urbana, há desqualificações do “estado de humano (FREIRE e TEIXEIRA, 2019) nesse ambiente e a perda de direitos. Tendo em vista as ideias apresentadas, essa pesquisa tem como plano metodológico a utilização de técnicas e métodos de pesquisa qualitativa e a adoção de uma abordagem compreensiva a respeito dos grupos sociais que proponho o estudo. Através dessa metodologia pretende-se compreender de forma abrangente e aprofundada as perspectivas morais e as controvérsias, conforme os distintos contextos relacionais que envolvem relações entre humanos e animais e o ambiente que vivem, nesse caso, a rua. Desse modo, para a realização desse trabalho está sendo feita a pesquisa bibliográfica e a análise das redes sociais da ONG “SP Invisível que destaca a importância de contar a história desses sujeitos. O início da construção dessa pesquisa tem como debate a humanidade e desumanização da população em situação de rua, colocando como principal questão se humanos e animais em contextos de vulnerabilidade tem uma vida qualificada moralmente e como é construída as ideias de humanidade e desumanização acerca dessa população. Logo, procuro refletir sobre tais ideias e analisar esses grupos a respeito de compreender a posição que animais e humanos em contexto de rua ocupam na sociedade urbana brasileira.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre Vargens e Morrarias: a criação de animais no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses
Ricardo Rodrigues Cutrim (UFMA), Benedito Souza Filho (UFMA)
Resumo: Este trabalho toma como referência o modelo de natureza que orienta o modo vida das populações tradicionais que historicamente vivem e trabalham na área hoje identificada como Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que se dedicam à atividade de criação de animais e que, não ocasionalmente, aparece em oposição ao modelo do Estado. O estudo teve como universo empírico o Povoado Mocambo, localizado no município de Barreirinhas-MA, e procura refletir sobre a relação entre humanos e não humanos a partir das análises em torno de uma atividade econômica tradicional e historicamente desenvolvida pelas famílias, a criação de animais, que aparece no Plano de Manejo daquela Unidade de Conservação de Proteção Integral como de baixo valor econômico e grande impacto ambiental. Contrariamente a essa visão oficial, e levando em conta o ponto de vista daqueles que se dedicam a tal atividade, o trabalho procura demonstrar que essa atividade extrapola os fatores puramente econômicos, expressando um modelo de natureza compatível com a conservação do meio ambiente, expressando múltiplas formas de interação entre humanos e não humanos derivados de processos históricos, mobilização de conhecimentos tradicionais na relação com o mundo biofísico e respeito aos ciclos ecológicos.
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