Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 014: Antropologia das Relações Humano-Animais
Medicina dos cavalos: saúde multiespécie e transdisciplinaridade a partir das terapias assistidas por equinos, na área cultural pampeana
O presente estudo é uma investigação junto a intervenções terapêuticas assistidas por cavalos, que apresentam o desafio ao antropocentrismo como vórtice para o aperfeiçoamento da pessoa humana e consequente cura para diferentes mazelas e sofrimentos. Trata-se de um estudo transdisciplinar, partindo da desestabilização das fronteiras entre os campos das ciências humanas, das ciências da saúde e das ciências da natureza, a partir de uma perspectiva cara aos estudos da chamada virada animal (Yelin, 2015). Com essa pesquisa, busca-se compreender o funcionamento (técnicas, práticas, resultados) e os possíveis efeitos ontológicos sobre o paradigma equestre “campeiro”, de algumas terapias assistidas por cavalos que se desenvolveram no sul da américa do sul, mais especificamente abarcando a área cultural da pampa (Rieth et al, 2013). A metodologia que embasa a pesquisa é constituída de trabalho de observação participante, junto a terapeutas (humanos e não-humanos) e usuários das seguintes intervenções terapêuticas assistidas por cavalos: Constelações Xamânicas Assistidas por Cavalos, no sul do Brasil e no Uruguai; Doma Índia, na Argentina e no sul do Brasil; Movimentos Sistêmicos Assistidos por Cavalos, no sul e sudeste do Brasil e Psicoterapia à cavalo, em Porto Alegre/RS. No pampa, território onde emergem perspectivas etnográficas e etnografáveis específicas (Leal, 1997), conhece-se bem o paradigma equestre "campeiro" – protagonizado por homens que conhecem como lidar com os animais de criação, sua saúde, nascimento, reprodução, abate, zelando por manter os animais dentro dos limites da propriedade de terra. Nas terapias aqui abordadas, tal paradigma é problematizado por padrões de relação que primam pelo estabelecimento de uma convivência hierarquicamente simétrica entre humanos e equinos - na maioria das terapias abordadas aqui, por exemplo, a montaria é preterida. Nelas preponderam preceitos e técnicas que, além de cura e bem-estar, visam o aprimoramento humano com a ajuda da "sabedoria da manada" (Knaapen, 2016). Prevalece, portanto, a concepção de saúde multiespécie, por não ter a pessoa humana como protagonista isolável dos processos de adoecimento, tratamento, cura, tanto de humanos quanto de outros animais. Noções como de “sabedoria da manada”, “medicina dos cavalos”, “cura interespecífica”, estão relacionadas à capacidade que os equinos teriam de acionar nos humanos afetos e percepções que não aqueles que afirmam a tese da exceção humana (Schaeffer, 2009). Esses afetos despertariam nos humanos a consciência de que vivem em comunalidade com outros modos de vida, os quais costuma ser alocada no domínio da “natureza (Descola, 2023).