ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 014: Antropologia das Relações Humano-Animais
“É bom para a minha vaca, é bom pra mim”: contrastes produzidos a partir da ideia de enriquecimento ambiental na pecuária leiteira
"A intensificação dos sistemas de criação mudou a forma sob a qual os animais interagem com os humanos e com o ambiente em que vivem. No caso da pecuária leiteira, mudanças que envolvem essas interações são vistas, em maior medida, quando vacas que viviam soltas no campo, pastando, brincando e se refrescando em águas de açudes, mais distantes dos humanos, passam a viver em galpões industriais e na companhia permanente de humanos, máquinas e estruturas artificiais. Uma das preocupações encontradas em manuais zootécnicos e veterinários, que faz parte de políticas bem-estaristas utilizadas, inicialmente com animais silvestres em cativeiro, mas também expandidas para animais de criação diante da intensificação de sistemas de produção, são medidas que visam deixar o ambiente desses animais supostamente mais próximo ao “natural”, adotando práticas de “enriquecimento ambiental”. A questão é que, quando confinadas, é preciso evitar o estresse das vacas, já que comportamentos considerados “anormais”, estereotipias e competição, são potencializados por ambientes entendidos como “empobrecidos”. Por isso é preciso “enriquecer esses espaços, ou seja, adicionar objetos que “reconstituam o que seriam o ambiente e o comportamento “naturais dos bovinos. Só que esse “natural promovido por meio de objetos e artefatos, é, antes de tudo, artificial, ou seja, há um esforço em produzir espaços que pareçam naturais com objetos sintéticos em um espaço também artificial/industrial feito de concreto. Por outro lado, esse “natural e o que julgam ser “bom para as vacas apresentam dimensões diferentes para produtores de leite e técnicos agrícolas vinculados à cooperativa Coopar de São Lourenço do Sul/RS. ""Vacas e açudes não combinam devido a questões sanitárias, diz o técnico, enquanto que produtores mostram-me suas vacas felizes se refrescando nos açudes. Por que preciso de um aspersor de água para aliviar o estresse térmico dos dias quentes, uma das medidas de “enriquecimento ambiental”, se as vacas podem ir até o açude se refrescar? Um técnico me disse que os produtores dessa região “não estão muito aí para essas coisas de bem-estar”, e que “não cuidam bem de suas vacas – sugerindo, assim, um bem-estar que só pode ser produzido artificialmente, um artefato que se opõe à condições naturais, mesmo que busque emular este mesmo “natural”. O contraste presente nas ideias de produtores e de técnicos é bastante visível em minha pesquisa de campo. Diante disso, esse trabalho pretende discutir como o natural, o conforto e o cuidado são encarados nesse contexto por diferentes perspectivas, com especial atenção para a implementação (ou não) de práticas de enriquecimento ambiental e confinamento, e suas possíveis justificativas no que se refere ao que é “bom para a minha vaca”."