Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 014: Antropologia das Relações Humano-Animais
Um humano no ninho - As mulheres Akuntsú e os pássaros
Babawru, ou “pica-paus”, era como se autodenominavam os Akuntsú, povo falante de língua da subfamília Tupari (tronco tupi) que atualmente vive dentro dos limites da Terra Indígena Rio Omerê, junto a um coletivo Kanoé de quatro indivíduos, em meio a monocultura e pastagens, no sul de Rondônia. Sobreviventes de inúmeros massacres que aconteceram como fruto da colonização dos "vazios" amazônicos, os Akuntsú foram contatados pela Funai em 1995 e são hoje uma das populações mais vulneráveis do mundo, tendo sido reduzidos a três mulheres adultas: Pugapía, Aiga e Babawro. Em um mundo devastado pelo genocídio, onde as crianças não nascem mais, os animais de criação, sobretudo os pássaros, conquistaram um lugar central. Hoje, entre araçaris-de-bico-riscado (Pteroglossus inscriptus), maracanãs-guaçu (Ara severus), periquitões (Psittacara leucophthalmus), jacamins-de-costas-verdes (Psophia viridis), jacupembas (Penelope superciliaris) e periquitos (Brotogeris chiriri), as três mulheres Akuntsú vivem com dezenove pássaros dentro de sua pequena maloca. Os animais são capturados pelos funcionários da Funai ou pelos homens Kanoé. Alguns são demandas específicas e diretas das mulheres, outros foram encontrados pelo caminho por acaso e trazidos para elas. Cada ave possui sua “mãe entre as três mulheres e suas respectivas relações de parentesco com as outras do grupo. As mulheres parecem ter criado com seus animais uma relação de mútua dependência, onde os pássaros foram tão acostumados à convivência com os humanos quanto os humanos o foram com os pássaros. Nesse sentido, mais do que “familiarizados”, os pássaros seriam, portanto, familiares. Adentrando etnograficamente no ninho das mulheres (e dos pássaros) Akuntsú, o presente trabalho busca conhecer sentidos e significados das relações entre humanos e outros-que-humanos, debruçando-se sobre a hipótese de que, após a experiência extrema da destruição, de assistir a quase todos os seus parentes humanos serem mortos, as mulheres vem produzindo relações de afeto e proximidade com outros-que-humanos que se aproximam de uma “mutualidade do ser”, nos termos de Sahlins (2013) - seres que compartilham de uma mesma existência, que vivem a vida uns dos outros e morrem a morte uns dos outros. Relações também chamadas de parentesco.