ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 054: Etnografia da e na cidade: o viver no contexto urbano em suas formas sensíveis
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Coordenação
Cornelia Eckert (UFRGS), Regina de Paula Medeiros (PUC MINAS)
Debatedor(a)
Jose Luis Abalos Junior (FURG), Ulisses Neves Rafael (UFS), Maurício de Melo Raposo (EMATER)

Resumo:
A vida pulsa na cidade configurada pelas ações, performances, narrativas e gestos de seus habitantes (humanos e não humanos). Muitas etnografias realizadas no encontro da antropologia urbana com a antropologia das imagens têm revelado as múltiplas e complexas práticas de sociabilidades e as paisagens urbanas na vida cotidiana. Objetivamos reunir estudos antropológicos que tragam em evidência as estéticas, estilos e éticas que descrevem e interpretam as cidades a partir de práticas criativas e sensíveis, de experiências vividas e narradas por seus habitantes. As expressões artísticas na produção de murais, as paisagens sonoras e musicais, as práticas sociais políticas e culturais, colocam em evidência os cenários praticados, os arranjos sociais e as experiências compartilhadas que podem qualificar a vida pública em suas criatividades, tanto quanto cunhar as desigualdades, as contradições, os conflitos e as formas de exclusão reconhecidos pelos marcadores sociais de diferenças (étnicas e raciais, de gênero, de classe, de renda, de pertença social, etc.) que banalizam corpos e segregam comportamentos. O/a antropólogo/a como narrador/a reverbera as cidades contexto de suas pesquisas em suas relações sociais plurais e em suas lógicas singulares, por um lado, em suas crises e disjunções por outro lado. Consideramos um patrimônio etnográfico sobre as formas de viver nas cidades em suas ideias, gestos, motivações e desejos tanto quanto suas frustrações e injustiças ordinárias.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O que é ser jovem na cidade de São Luís-MA? Relatos das juventudes em seus territórios.
Ana Carolina Torrente Pereira (SEDUC), Andréa Joana Sodré de Sousa Garcia (UFMA)
Resumo: Este texto busca refletir sobre a categoria juventudes a partir do ambiente escolar e suas representações sobre a cidade. Compreender esse agrupamento se faz necessário para pensar nas questões educacionais postas nesses tempos que se permeiam de caracterizações próprias, como ser um momento pós-pandemia, de manifestação escancarada de pensamentos e grupos de extrema-direita, crises ambientais, revisão de epistemologias da modernidade ocidental, estruturas de poder em movimento, as tecnologias e rede de internet se colocando como importante território das mais variadas interações humanas, o individualismo neoliberal se intensificando e um aprofundamento das desigualdades sociais. A ideia deste artigo nasce do sentimento de angústia no trabalho docente, em que a visão de abismo entre estudantes e professorado aumentam cada vez mais por uma incompreensão sobre os indivíduos com os quais estamos lidando em nosso trabalho. A observação das vivências juvenis nos dá pistas para esse processo de compreensão, além de proporcionar o entendimento de quais questões os permeiam e os afetam, por onde caminham em seu cotidiano e assim como estão formulando suas identidades e culturas juvenis. Nesta pesquisa será utilizado o espaço urbano como território de aprendizado e constituição de si próprios. Pela cidade, em seus bairros, na rua realizam também trocas sociais e interações e assim vão gerando suas experiências e experimentações. Para possibilitar a coleta de percepções utilizamos estratégias diversas para buscar uma aproximação maior das subjetividades expressas pelos discentes. As percepções dos alunos e alunas foram retiradas de um processo de 3 encontros em que no primeiro momento os jovens identificaram seu lugar de moradia por meio do aplicativo Google Earth, para que aqui fossem reconhecidos seus bairros e fossem coletados alguns comentários e expressão de sentimentos. No segundo momento foi realizada uma roda de conversa a qual propus alguns questionamentos sobre a cidade de São Luís. E no terceiro momento os estudantes trouxeram imagens de locais da cidade que lhes tocava de alguma forma, então pedi que eles me contassem as motivações de terem escolhidos esses lugares. A escola aguarda o homogêneo, justamente o que as juventudes não podem oferecer (CARRANO, 2005). Mas podem oferecer muitas outras coisas que só é possível compreender ao reconhecê-los e entendê-los, como por exemplo possibilidades de transformação social. Os jovens são atores potentes que tensionam fronteiras, buscando sutilmente novas vivências, que transgridam. São revisores de modos de sociabilidades, e escutá-los é uma possível alternativa de enxergar outros mundos possíveis.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Tu vai estudar essa parafernália? - Uma Fotoetnografia na Praia do Porto da Barra em Salvador BA
Daniel de Menezes Soglia (UFBA)
Resumo: Este resumo é parte da minha pesquisa etnográfica de mestrado, que se atém à feitura da praia do Porto da Barra, na cidade de Salvador, Bahia. A pesquisa busca seguir modos de fazer praia a partir do que interlocutores(as) chamam de "Porto-Paredão". Mobilizo relatos etnográficos preliminares para propor, do ponto de vista analítico, que os modos de fazer a praia do Porto contam com uma cadeia de processamentos e associações, práticas, estratégias e manipulações, que articulam sua composição (LATOUR, 2021, CERTEAU, 1998). Penso, aqui, como meu interlocutores banhistas, donos de barraca, vendedores ambulantes produzem uma expertise no uso das palavras, no tato com os clientes, nas escolhas das músicas a serem tocadas nos paredões ou no silêncio deles, e na feitura das barracas através da associação de atores humanos e não humanos que se estende para muito além da faixa de areia. Busco, ainda, pensar como a minha prática de fotografar interlocutores(as) vem criando uma centralidade para eles/elas na pesquisa, da perspectiva imagética, uma vez que seus gestos e agenciamentos atuam sobre e transformam o registro visual etnográfico, que vem se afastando de uma captura atribuída somente a mim como pesquisador e tornando-se um encontro relacional (PINEEY, 2017).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O peito suado, armadura de si mesmo: as noções de corpo e a relação com o espaço urbano no metrô do Recife.
Denilson Aluizio da Silva (USP)
Resumo: A experiência corporal-cinestésica do trajeto nos vagões do metrô do Recife transcende as sensações previstas em um deslocamento dentro de uma máquina. As percepções são sobrepostas por outros estímulos de atores, redes e situações que se integram e interagem nos complexos metroviários. Diante disso, é crucial analisar os corpos no metrô sob uma ótica mais ampla. Adotar o paradigma da corporeidade proposto por Csordas (2008) e a noção de corpo-tela de Martins (2023) surge como uma possibilidade de observá-los e pensá-los em conjunto com o espaço urbano de forma implicada. Csordas nos oferece pistas, ou nos deixa brechas, para observar esse corpo não apenas em momentos extraordinários, mas também no dia a dia. Percebê-lo como um objeto, um meio e a origem da técnica, expressando a experiência a partir de uma linguagem constituída no corpo em performance nos percursos cotidianos. Do ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa desenvolveu a articulação entre corporeidade, etnografia, corpografia e fotografia dentro do Metrô do Recife. Como aponta Nascimento (2016), os estudos tendem a separar os campos da antropologia urbana ou da antropologia do corpo. E, como coloca Martins (2013), os antropólogos tendem a se dividir entre visuais e não visuais. Assim, o objetivo da pesquisa foi buscar romper com esses quadros dicotômicos e produzir uma antropologia social do corpo urbano. Ter as imagens como parte do processo de produção do saber etnográfico a fim de identificar esses corpos em ação tendo agência, incorporando, reeditando e fazendo o mundo. Nesse sentido, encontramos no ambiente da cidade um conjunto de condições interativas. Os corpos que nela estão inseridos apresentam a síntese da interação. Assim, o ambiente não é apenas um local, um espaço físico a ser ocupado pelo corpo, ele é um campo de processo. Nesse campo, o corpo interage e produz as corporalidades. Tudo isso acontece baseado na premissa de que a percepção corporal das cidades não é resultado da mera ocupação desse espaço, é antes a ação dos corpos que acontece nela. As condições interativas no metrô propiciam uma experiência corporificada singular no âmbito do fluxo de deslocamento urbano. Observa-se uma multiplicidade de corpos e uma significação que transcende o uso objetivo do espaço. Uma experiência corporal é gerada pelos corpos em trânsito e em interação. A investigação dessa experiência a partir do paradigma da corporeidade, do conceito de corpo-tela e da utilização da corpografia nos leva a: identificar as corporeidades presentes no metrô e seu conhecimento específico do lugar; caracterizar as interações entre as pessoas e o espaço urbano; e a traçar as ocupações e apropriações do metrô a partir da lógica própria de circulação dos/das transeuntes.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O Reviver Centro e algumas anunciações sobre o espaço urbano contemporâneo do Rio de Janeiro/RJ
Diego Pontes (UFSC), Alicia Norma González de Castells (PPGAS UFSC)
Resumo: As narrativas encontradas em uma gama de estudos antropológicos, literários, historiográficos e urbanísticos sobre a cidade do Rio de Janeiro, Brasil, apontam para ambivalentes processos de transformações em suas paisagens urbanas, sobretudo a partir do século XX. Alicerçada em complexas dinâmicas sanitaristas e excludentes, a cidade passou por um caleidoscópio de arbitrárias reconfigurações e reformas que deslocaram os sentidos atribuídos ao seu cotidiano e a própria ideia de vida urbana que nele se desenha. Desse modo, este trabalho tem por objetivo aprofundar o olhar sobre o centro do Rio de Janeiro pelo recorte de suas transformações atuais por meio da análise do Reviver Centro, anunciado como um promissor plano de recuperação urbanístico, cultural e econômico da região central. O projeto foi lançado e apresentado à população em julho de 2021 em cerimônia oficial em um centro cultural na Lapa, tradicional bairro central do Rio, contando com a presença do prefeito Eduardo Paes e outras autoridades políticas e empresários locais. O plano tem por meta, por meio da isenção tributária e incentivos fiscais, o “renascimento do centro estimulando a especulação imobiliária e mirando enfaticamente o turismo, a mobilidade urbana, a criação de novas área verdes e, conforme apresentado, a ativação do espaço público através da arte”. Dentre os objetivos do projeto, destaca-se a revitalização de áreas que compõem o centro do Rio de Janeiro, que seriam transformadas em espaços mais seguros, acessíveis e atrativos para moradores, comerciantes e a circulação de turistas. Por essa direção, este trabalho busca refletir sobre um plano que se anuncia baseado em um discurso alicerçado na promoção de uma concepção de cidade sustentável, onde exalta-se a melhoria da qualidade de vida, a recuperação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural. Assim, como visto, as narrativas direcionam um projeto que visiona novos investidores e moradores com destino ao centro da cidade, local que concentraria trabalho, comércio, habitação e lazer. Brotam, com isso, expectativas e especulações de um renascer mirando a projeção de um potencial movimentado mix cultural a partir da implementação do Reviver Centro, aquecendo o mercado imobiliário, o turismo e as marcas das desigualdades que envolvem o espaço aqui investigado.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ser negro: Reflexões sobre condições e vida e trabalho em Porto Alegre
Elisa Algayer Casagrande (UFRGS), Alexandro Cardoso (UFRGS)
Resumo: No presente ensaio, propomos uma reflexão sobre as condições de vida e trabalho atravessados pelo racismo ambiental na cidade de Porto Alegre, trazendo observações de campo sobre catadoras/es de materiais recicláveis e população negra na cidade. Este estudo se baseia em uma perspectiva antropológica das cidades, da memória e dos resíduos, explorando a intersecção entre as experiências históricas dessas populações e suas paisagens urbanas, sob o olhar da Antropologia Urbana. Inspirados pelos trabalhos de Gilberto Velho (1981, 1994) sobre sociedades complexas, e guiados pela abordagem da etnografia da duração (Eckert, 1991; Rocha, 1994), buscamos investigar as metrópoles e seus habitantes. Nossas pesquisas, conduzidas no doutorado em Antropologia Social pelos Programas de Pós-Graduação em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS), utilizando técnicas de observação participante e mais profundo, como pesquisador que vem de dentro (Cardoso, 2022) e etnografia audiovisual para trazer estes relatos. É importante também considerar a destruição criativa (Durand, 1997) e a ideia de renascimento urbano trazida por um canteiro de obras (Halbwachs, 1990) presente no discurso utilizado para as remoções no processo de "revitalização" em que projetos de desenvolvimento urbano são implementados sem considerar os impactos sociais e ambientais, resultando na marginalização e deslocamento de comunidades inteiras. Nosso objetivo é refletir não apenas as condições materiais, mas também as dinâmicas sociais e ambientais que moldam suas vidas e trabalho, mas, mais do que isso, de que forma algumas populações se deslocam e são deslocadas para a vida em determinados locais da cidade, e como a memória destes grupos se entrelaça com a memória da cidade e das paisagens urbanas. Porto Alegre, como muitas outras cidades brasileiras, é marcada por uma história de urbanização desigual e segregação espacial. As populações negras frequentemente enfrentam condições precárias de moradia, acesso limitado a serviços básicos e discriminação no mercado de trabalho. Além disso, o racismo ambiental se manifesta através da poluição e degradação ambiental concentradas em áreas habitadas predominantemente por pessoas negras. Neste contexto, as relações entre os moradores das cidades e as paisagens urbanas são complexas e multifacetadas. As experiências das populações negras e dos catadores de materiais recicláveis refletem não apenas as injustiças sociais, mas também formas de resistência. Através de nossas pesquisas, buscamos destacar essas vozes e promover uma reflexão mais ampla sobre questões de justiça social, o urbano e direitos humanos.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mari dihtero, mari catiro: nascer, viver e conviver na cidade mais indígena do Rio Negro/SGC-AM Brasil
Flavio Pereira Ferraz (Secretaria Municipal de Educação/São Gabriel da Cachoeira; UFAM/PPGAS/COLIND)
Resumo: Este resumo apresenta a visão de um homem indígena, nascido na cidade de São Gabriel da Cachoeira, filho de um Kótiria e de uma Tariana, sobre a urbanização da cidade de São Gabriel da Cachoeira/AM, localizada entre as Terras Indígenas do Rio Negro, no extremo noroeste do Brasil, conhecida como Cabeça do Cachorro”. O território onde viria a ser a cidade, já era habitada por povos indígenas, que segundo Silva (1977) eram os Barés, Mepurí e Jurí. Desde então a mobilidade dos parentes indígenas para a cidade só tem aumentado, mas a conexão com a comunidade/aldeia não se perde totalmente. Apesar da chegada na cidade, no início, fazer com que nos distanciassemos um pouco das nossas culturas, devido ao impacto de estar em uma cidade, onde o coletivo ficou em segundo plano, dentro das familias não se perdeu a partilha da cultura, da vivência na e em comunidade. No momento que se vivenciou o território com os quiti/narrativas existentes no espaço da cidade, onde os lagos, cachoeiras, ilhas e pedras tem uma ligação cosmológica com os parentes na cidade, houve o fortalecimento da identidade indigena no contexto da cidade. Neste processo o Movimento Indígena e os Indígenas em Movimento tiveram muita importância, pois os parentes indígenas começaram a se auto-organizar em associações para assim poderem vivenciar a coletividade, a rede de parentesco e territorializar o espaço urbano. Neste processo também é importante mencionar a oficialização (Lei n° 145, 11/12/2002 e o Projeto de Lei nº 001/2017) de quatro línguas indígenas: Nheengatú, Tukano, Baniwa e o Yanomami. E mais recentemente o município foi decretado pelo Estado do Amazonas como a Capital Estadual dos Povos Indígenas (Lei nº 5.796, 12/01/2022). Apesar das leis existentes a nível macrossocial (Município), os agentes políticos ainda precisam atender os parentes indígenas na cidade com mais ações de políticas públicas de fortalecimento da identidade indígena na cidade, pois estar na cidade e viver na cidade é resistir e territorializar o espaço geográfico delimitado pelo pensamento colonizador. A população da cidade é formada praticamente por 23 povos indígenas oriundos de várias comunidades que compõem o Município, onde alguns parentes, falam com certo orgulho Nós fundamos uma grande cidade aqui”. E neste aqui, há a presença de artesãos, organizados em associações e ainda praticam a produção na roça, a agricultura tradicional, procuram por benzimentos para poder ter a cura de determinada doença, existem quiti/narrativas, como por exemplo da Ilha Adana. Mantém os cantos, danças, bebidas e comidas tradicionais. Diante deste contexto, é muito importante salientar o direito à cidade a partir da compreensão do território urbano conhecendo a sua formação histórica, geográfica, política e antropológica.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões de antropologia urbana sobre dinheiro, carros e aplicativos em Buenos Aires, Argentina
Guillermo Stefano Rosa Gómez (UFPEL), Hernan Palermo (CONICET)
Resumo: Um motorista peruano que trabalha com aplicativos de transporte se desloca pelas ruas de Buenos Aires. Leva passageiros para todos os cantos da metrópole sul americana e aproveita os dias de bastante calor e o ampliado turismo de dezembro a janeiro, apesar da ascensão da direita à presidência e a incansável inflação de mais de 200% no ano de 2023. O carro um veículo usado fora comprado ali mesmo, na Argentina. O dinheiro usado para o financiamento em uma concessionária da capital argentina vinha de um empréstimo de suas redes familiares no Peru. As parcelas, pagava em dólares todo o mês, o que dependia das variações do câmbio. Apesar de ser econômico, o carro, por ser de segunda mão, demandava constante manutenção, fator intensificado pelo uso constante ao ser utilizado como ferramenta de trabalho. As peças de reposição disponíveis nas oficinas da Argentina vinham, em sua maioria, da indústria automotiva brasileira, o que aumentava o custo. Essa descrição, que combina múltiplas nacionalidades e a circulação de dinheiro e de coisas, poderia ser uma confecção difusionista inspirada no homem americano, de Ralph Linton ou trecho de uma canção de Jorge Drexler sobre a globalização. No entanto, é parte de uma etnografia atenta a complexidade da metrópole e de seus narradores que performam atividades de trabalho. Nosso trabalho de campo nos conduziu pela capital de um país em crise, condição registrada e narrada por romancistas como Tomás Eloy Martinez e Miranda France. Com âncora lançada na antropologia urbana, tecemos reflexões sobre a experiência de trabalho de motoristas de aplicativo em Buenos Aires e suas relações com a cidade, o carro e o dinheiro. Confeccionamos essas reflexões com base em experiência de pesquisa antropológica em outras duas metrópoles: Porto Alegre que primeiro autor desse texto define como minha base, tomando emprestado os dizeres do antropólogo Ruben Oliven e Atlanta, na qual residiu e entrevistou motoristas, durante o doutorado sanduíche na Emory University em 2021. Argumentamos que essas cidades são boas para pensar em uma antropologia que toma o aqui e o lá como constantes motes de reflexão, provocação e deslocamento, como ensinam Mariza Peirano, Janet Carsten e Ruben Oliven. Refletimos sobre como os temas da economia, do trabalho e do parentesco são narrados por motoristas de aplicativo e possibilitam pensar etnograficamente sobre a complexidade das metrópoles contemporâneas, suas desigualdades, crises e imaginários. Fazemos isso a partir de uma etnografia que mergulha nas imagens evocadas em narrativas de sujeitos que não se resignam frente aos tempos descontínuos (Bachelard) provocados por múltiplas formas e escalas de crise urbana (Rocha & Eckert).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vivendo nas ruínas de Atafona: etnografia audiovisual da pesca artesanal e do avanço do mar
Julia Dias Pereira (UERJ)
Resumo: Imagine-se diante de uma praia repleta de ruínas de casas, onde ao caminhar pela areia se passa por milhares de tijolos quebrados, vergalhões, resíduos de encanamentos, móveis, pedaços de asfalto, postes, fiação elétrica, concretos e troncos de árvores esculpidos pela ação da erosão costeira, em um cenário em que todo tipo de infraestrutura presentes às margens da praia urbana são engolidas pelo mar e submersas por areia e água. Nesta comunicação apresento resultados iniciais da pesquisa antropológica e fílmica desenvolvida desde 2022, intitulada Memória e identidade de pescadores artesanais de Atafona frente ao avanço do mar, onde estudo como as famílias de pescadores artesanais residentes em ilhas fluviomarinhas de Atafona ─ distrito de São João da Barra, situado no extremo Norte do Estado do Rio de Janeiro ─ lidam com o contínuo avanço do mar e com as mudanças ocasionadas por esses processos, investigando de que maneira isso incide na manutenção da memória, identidade e transmissão de conhecimento local desses grupos sociais. Na praia de Atafona o mar avança desde 1970, tendo destruído cerca de 500 construções e 14 quarteirões, o local mais crítico é no Pontal, nome dado ao lugar que margeia a foz do rio Paraíba do Sul, onde o mar avança cerca de oito metros por ano. Os moradores locais sugerem que a erosão costeira desencadeia-se por ações humanas predatórias, elencando como principais causas da progressão marítima: as mudanças climáticas e o derretimento das calotas polares, o assoreamento e a seca do rio Paraíba, a construção em 2007 do Porto do Açu e as constantes alterações da prefeitura no Pontal com objetivo de escoar a água do rio Paraíba no período de cheia intensa. Atafona guarda em suas ruínas memórias do antropoceno e da ferocidade dessa era, essa pressão de ações humanas influencia diretamente na sua composição territorial e gera uma paisagem antropogênica. Busquei apresentar um panorama geral da pesquisa, até então foram produzidos dois filmes etnográficos de curta duração com narrativas acerca da erosão costeira e das ruínas de Atafona, o primeiro intitulado A foz em erosão e o segundo Na boca do mar, além de um amplo acervo fotográfico. Em Atafona a possibilidade de terem as suas narrativas midiatizadas e visibilizadas traz uma maior receptividade para produção de filmes e fotografias, permitindo uma discussão acerca das contribuições da antropologia visual frente ao antropoceno, a partir do compartilhamento de materiais audiovisuais que trazem um olhar local conectado ao global acerca das mudanças socioambientais vivenciadas cotidianamente nas cidades.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vozes que vem do rio: a poética nas paisagens de beirada em Santarém-PA
Karina Cunha Pimenta (UFPA)
Resumo: O presente estudo possui como objetivo discutir a relação entre indivíduo e rio no contexto de construção de memórias e imaginários, utilizando uma abordagem poética. Dessa forma, busco analisar de que maneira a poesia se expressa também através de imagens que nos acompanham durante nossa vivência, contemplando os detalhes que são capturados pelos olhares e percepções dos moradores do município de Santarém e frequentadores da antiga praia da vera paz. Além disso, pretendo analisar a complexa relação de ocupação entre homem e cidade, explorando as influências da relação com o rio Tapajós e como essa conexão com a paisagem atua na elaboração de memórias essencialmente de cunho sensível. Nesse sentido, serão utilizados poemas e canções, além dos relatos e fotografias produzidos durante minha graduação em antropologia.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Territórios em disputa: o carnaval e o projeto Novo Recife’
Leonardo Leal Esteves (PPGA-UFS)
Resumo: Neste trabalho, procuro refletir sobre as repercussões no patrimônio imaterial decorrentes das transformações em curso na área central do Recife, originadas pelo megaprojeto urbanístico, imobiliário e turístico intitulado "Novo Recife". De modo particular, procuro analisar como esse projeto de desenvolvimento e ocupação para a referida região tem impactado na dinâmica de produção e realização do carnaval na cidade. A área central do Recife, neste estudo, é pensada a partir da noção de território, cujas características não dizem respeito apenas à materialidade do espaço, mas, sobretudo, à dimensão simbólica, discursiva e política. As mudanças planejadas para essa área tendem alterar significativamente a paisagem urbana e a dinâmica festiva, introduzindo novos usos e formas de ocupação do espaço. As discussões apresentadas fazem parte de um estudo mais amplo sobre os impactos do Projeto Novo Recife. Para isso, utilizo estratégias metodológicas como observação direta, conversas informais com moradores, comerciantes, carnavalescos, representantes do poder público e integrantes de movimentos sociais. Além disso, estão no escopo da pesquisa a análise de relatórios oficiais, mapas, notícias na mídia e projetos disponibilizados em portais do poder público. Pretende-se que este trabalho contribua para uma compreensão mais ampla sobre as possíveis implicações dos projetos de desenvolvimento urbano no campo do patrimônio imaterial, com ênfase na experiência do carnaval no Recife.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
LEITURAS SOCIOANTROPOLÓGICAS: Manipulações e estratégias da família Marley nas aproximações entre escola e comportamento desviante
Lucas Eustaquio de Paiva Silva (Faculdade Famart), Luciano Borges Muniz (Faculdade Famart)
Resumo: Este trabalho nasce do desejo de dois pesquisadores da juventude em situações de conflito dentro de contextos escolares, discutirem as formas diversas em que os jovens tem enfrentado contextos e percursos desfavoráveis a eles e aos seus variados propósitos. Este estudo tem como objetivo central analisar os efeitos produzidos pelos estigmas criados pelos profissionais da educação em relação aos jovens pertencentes à Família Marley, maneira como se autodenominaram, bem como investigar as estratégias adotadas por estes últimos para se manterem inseridos no ambiente escolar em um contexto adverso à essa permanência. A autodenominação Família Marley, foi um tributo ao músico jamaicano, Bob Marley, chamado pelos jovens de Cabuloso e Vida Loka”. A Família Marley, embora formada por mais de 40 indivíduos que foram alunos da escola, estando entre 16 e 18 anos de idade, foi representada nesse estudo por seis participantes, pois, à época da coleta de dados eram os únicos que ainda estudavam na escola investigada, denominada de Chai, termo nativo daqueles jovens que significa situação embaraçosa”. As entrevistas foram feitas em grupo, em vista da temática em pauta ser comum entre eles e por se constituírem numa família, na qual todo mundo cuida de todo mundo, como bem explicou um dos meninos durante as entrevistas semiestruturadas. Durante o trabalho de campo foi perceptível na fala de professores e principalmente do corpo administrativo da escola, o discurso de que, a escola não estereotipa e/ou estigmatiza nenhum estudante. Ao contrário, possibilita e reforça a ideia de valorização da diferença e do respeito à diversidade. O referencial teórico que embasa o presente trabalho encontra-se na sociologia da experiência, do sociólogo François Dubet, na teoria do Estigma de Erving Goffman, na teoria da Rotulagem de Howard Becker e na teoria de Acusação do antropólogo Gilberto Velho. Em termos metodológicos, a referida pesquisa figura-se na perspectiva sócio antropológica, utiliza-se, como instrumento de coleta de dados, a entrevista com grupos de conversação e a observação participante. Utiliza-se também, no que se refere à interpretação dos dados, a análise do discurso. Os resultados decorrentes da coleta e análise dos dados, trouxeram uma infinidade de exposição de contextos, interações e estratégias utilizadas pelos jovens, na tentativa de contrapor os rótulos e estigmas direcionados a eles por parte da escola, que mesmo não se assumindo ou se percebendo como instituição estigmatizadora, atua de forma efetiva nesse sentido na concepção dos jovens estudantes.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“A gente se uniu, os vendedores que tavam lá, e falamos, toca aqui que a gente vai te pagar!”: Um estudo etnográfico com ambulantes no Samba Batuque da Feira do Açaí (Belém/PA)
Luísa Maria Silva Dantas (UFPA), Yasmim Costa Rosalino (ufpa)
Resumo: Na Feira do Açaí, que faz parte do complexo do mercado Ver-o-Peso, localizada no centro histórico da cidade de Belém do Pará, além do comércio da fruta, também acontece toda primeira sexta-feira de cada mês o Samba Batuque da Feira do Açaí, coordenado pela Roda de Samba Fé no Batuque”. O evento tornou-se mais organizado posteriormente à pandemia da Covid-19 e tem como peculiaridade o financiamento estrutural de vendedores ambulantes, predominantemente de cerveja, com exceção de uma barraca com oferta de espetos de churrasco, que têm nestas ocasiões a oportunidade de faturarem seu provento mensal e rateiam os custos com som e tenda, além de, algumas vezes, com grades e segurança do evento. Esta etnografia está vinculada ao projeto de pesquisa: Trabalhadores das e nas cidades: trajetórias sociais, memórias e práticas laborais na Amazônia brasileira, seu universo é predominantemente de mulheres negras que tem a rua/eventos culturais enquanto local de trabalho, em que por meio de observações diretas, conversas informais e entrevistas formais descobrimos que além do trabalho no samba, elas também são fundamentais na promoção, manutenção e estética do evento.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Assembleias condominiais: conflitos e reflexos no ambiente urbano
Marisa Dreys da Silva Xavier (UFF)
Resumo: O objetivo desta apresentação é promover a reflexão acerca da dinâmica das assembleias condominiais em condomínios edilícios e suas consequências para seus moradores e comunidade de vizinhança, considerando-as como um ponto de observação crítico das demais dinâmicas em condomínio e sua relação com o seu entorno na cidade: outros condomínios, moradias, empresas e o meio ambiente urbano, os espaços circunvizinhos. A assembleia compõe a estrutura normativa responsável pela associação de pessoas e grupos familiares no condomínio edilício. Estas relações têm como pressuposto a capacidade para a vida em comum, compartilhando espaços e experiências de acordo com o sistema de crenças e práticas democráticas. Além disso, também como estes conflitos violentos ou não se coadunam com estas expectativas e como são administrados. A experiência empírica mostra em que medida o esforço para a administração destes conflitos corresponde a propor soluções para desafios importantes como pensar sobre o ideal democrático e como a violência pode influenciar a resolução das disputas de interesses que desbordam os muros do condomínio e alcançam o espaço público. Quanto maior a participação assemblear maiores serão as chances de debater os diversos problemas e formas de melhoria da vida condominial. Todavia, esta não tem se mostrado uma realidade. Apenas pequena parcela de condôminos frequenta as assembleias. Este breve estudo problematiza e expõe que o baixo quórum de participação em assembleias se deva inicialmente à falta da tradição, do exercício de participação democrática direta em decisões tanto para o país quanto em outras searas. Ainda neste sentido, a violência que vem ocorrendo constantemente a nas reuniões de condomínio e a falta de adequada administração dos conflitos quando eles acontecem na prática, são capazes de afastar os condôminos das assembleias condominiais, tornando estes momentos que seriam de trocas, em conflitos violentos e permeados por interesses econômicos ou de mera disputa de poder.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Implicações da concessão privada dos cemitérios da Cidade de São Paulo
Pedro Lima Shiraishi (USP)
Resumo: O município de São Paulo tem sido objeto de políticas neoliberais na última década. Tais políticas voltadas à concessão da administração de diversos serviços e logradouros públicos foi seguida pelos sucessivos administradores, João Dória, Bruno Covas e Ricardo Nunes, prática também adotada pelo atual governador Tarcísio Freitas. Nessa lógica, os parques municipais foram os primeiros a serem concedidos à iniciativa privada, como o Ibirapuera em 2019 e o parque Villa-Lobos em 2022, hoje administrados pela empresa Construcap e o Consórcio Novos Parques Urbanos. Entretanto, entre esses serviços públicos que foram concedidos à iniciativa privada, a concessão dos cemitérios municipais ocorreu de forma sútil, e com pouco alarde da imprensa. Veiculadas em portais de notícias, a discussão sobre a privatização dos serviços funerários começou a ser debatida em 2017, e atualmente é alvo de inquérito do Ministério Público Estadual. A justificativa da gestão atual da prefeitura de São Paulo para a privatização desses serviços é a redução do valor do funeral social do edital de concessão, que passa de R$766 para R$566. Os consórcios vencedores serão responsáveis pela administração, gestão, exploração e revitalização dos cemitérios, bem como a criação de 3 novos crematórios para a cidade. Em uma das audiências públicas realizadas na assembleia legislativa do estado de São Paulo no ano de 2023, discutiu-se a privatização dos serviços funerários, sobretudo a sua piora, com denúncias de extorsão e assédio sofridos pelos servidores/ funcionários a partir da nova gestão. Com a concessão da administração, os antigos funcionários, antes empregados pelo serviço funerário municipal, foram realocados, e tiveram suas funções reorganizadas dentro das novas gestões. Por se tratarem de concessões recentes, foi possível perceber algumas mudanças em comparação com os cemitérios antes das concessões. A partir das idas a campo realizadas no âmbito de pesquisas desenvolvidas pela pesquisa Cemitério também é cidade: uma análise antropológica dos espaços cemiteriais urbanos realizada pelo (Laboratório do núcleo de antropologia urbana da USP) foi possível refletir sobre algumas destas questões, em uma tentativa de compreender de que modo essas concessões rebatem nas práticas dos servidores. Se entre eles ocorreu alguma mudança na forma como encaram os sepultamentos, os velórios e os cuidados com o cemitério, e a convivência com os frequentadores. Ou de modo mais agudo se houve alguma mudança na percepção da morte por parte destes servidores. Este trabalho tem como objetivo expor as questões observadas em relação à posição dos servidores nos cemitérios concessionados, sobre como encaram a administração privada dos cemitérios.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O imaginário do Carimbó nas paisagens urbanas de Belém do Pará: o curimbó como resistência cultural das ruas
Pierre de Aguiar Azevedo (UFPA)
Resumo: Na região metropolitana de Belém do Pará é onde podemos afirmar que existe o Carimbó Urbano, um tipo de vertente estilística da manifestação cultural do Carimbó, patrimônio cultural imaterial brasileiro. Neste campo, imerso nas rotinas do ir e vir que ocupam as ruas, praças, feiras e mercados é possível ouvir frequências rítmicas que por vezes se destacam no cotidiano, imersos na variedade sonora imensurável que pulsa na cidade. Este ritmo é o do curimbó, que no Carimbó é o tambor que dá nome à manifestação e é condição necessária para a permanência da tradição carimbozeira através dos tempos. As representações relacionadas a ele vinculam-se ao imaginário afro-amazônico, também responsável pela formação de aspectos da cultura local, que atualmente dialogam com as expressões da modernidade contemporânea, neste caso, conectadas aos discursos de resistência cultural no meio urbano. Neste estudo, analiso o Carimbó percebido e vivido nas paisagens urbanas de Belém, levando em conta o imaginário que o compõe e o inscreve no cotidiano das ruas, no dia-a-dia dos carimbozeiros na relação com a população nos espaços de sociabilidade. Parto de minha experiência na vivência com o Carimbó enquanto pesquisador no campo antropológico, produtor cultural e carimbozeiro, para então propor uma etnografia sonora do curimbó na capital paraense a partir da atuação de mestras, mestres e grupos que fazem das ruas o ambiente para consagração da arte e cultura carimbozeira. Para muitos, o Carimbó é um estilo de vida, que remete às várias dimensões deste código cultural, expressas na cantoria, poesia, visualidade e celebração de sua sabedoria e saber-fazer característico. No entanto, a cidade, com seus espaços urbanos caóticos, é um território sujeito a acordos e conflitos entre quem circula diariamente nos locais comuns, o que implica dinâmicas de aceitação a ocupação dos espaços de sociabilidade, muitas vezes reservados arbitrariamente ou restritos aos ordenamentos do poder público. Neste contexto, considerando a atuação de movimentos culturais de Belém, entre eles os carimbozeiros, que propõem programações em espaços públicos, e as limitações existentes para as suas atividades, é fundamental refletir sobre a representatividade e resistência de uma cultura popular no espaço urbano e como a presença dos tambores, como o curimbó, historicamente ainda provocam a atenção do público, seja partilhando momentos de consagração da cultura, ou mesmo de repressão aos movimentos e expressões culturais de populações pobres na urbe. Portanto, as paisagens urbanas de Belém revelam um universo compartilhado com e pelo imaginário carimbozeiro, que se afirma enquanto tradição local e mantém seus códigos culturais e formas de sociabilidade resistindo no cotidiano de uma metrópole amazônica.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sarau da Cooperifa: quando o bar se transforma em centro cultural
Priscila Silva Queiroz Cevada (IFSP)
Resumo: Por meio do discurso da cultura de periferia o espaço urbano se reorganiza e toma novos significados. A exemplo dessa reconfiguração está a formação dos saraus, que a partir dos anos 2000, começam a ser realizados na periferia da cidade de São Paulo. Estes eventos são acolhidos pelo bar que o transforma em centro cultural, tornando-o um lugar significativo de ações culturais. Ao mesmo tempo em que ele é palco para performance artística é também escola de formação, transcendendo o sentido convencional da ideia de teatro (palco/plateia), pois agora está no contexto dos bairros populares. Ele assume também o lugar de divulgação e apreciação estética da literatura, formando ouvinte/consumidores, a partir da fruição, para a literatura/poesia declamada, assim como espaço de incentivo para profissionais da cultura. A reconfiguração urbana ao redor do bar também acontece por meio das relações que os participantes estabelecem com o próprio bairro, pois ao consumirem a cultura da periferia também movimentam a economia local. Nas noites de sarau o fluxo do bairro se altera: vendem-se bebidas e comidas, as pessoas chegam e vão de transporte público, carros de aplicativos, escolas organizam excursões para os alunos, professores se organizam em grupos; ou seja, o bar se torna o centro da periferia. A metodologia adotada para este trabalho foi a da Etnografia, realizada por meio da observação participante em períodos distintos, tendo observado a dinâmica do Sarau da Cooperifa na zona sul da cidade de São Paulo. Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado em andamento intitulada O silêncio é uma prece: a dinâmica da cidade no sarau e na sala de concerto no Departamento de Antropologia Social da USP, estabelecendo relações entre a dinâmica do fazer cidade e as organizações culturais na periferia e no centro.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cidade em pausa e a arte em movimento. Um estudo etnográfico do graffiti em tempos de isolamento social.
Rodrigo de Abreu Ribeiro (PUC MINAS), Thiago de Andrade Morandi (PUC MINAS)
Resumo: Este trabalho integra o processo de uma pesquisa etnográfica realizada no curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas. Seu objetivo é analisar os efeitos da pandemia de COVID-19 no modo de vida e trajetórias laborais de grafiteiros belo-horizontinos. O ato de pintar a cidade vai além da estética, revela as intrincadas relações entre o social e o estético, bem como as memórias, conflitos e formas de apropriação dos espaços urbanos. Foram analisados grafites pintados nos muros de cidades, em especial Belo Horizonte, os quais expressam sentimentos, denúncias e reações à emergência do vírus SARS-COV-2 e suas implicações sociais. Durante o ano de 2023, foram realizadas incursões nas ruas, pesquisas imagéticas nas plataformas digitais e entrevistas com os autores das obras artísticas. As narrativas dos autores expressaram a subjetividade, principalmente, a indignação relativa às desigualdades sociais e o momento político brasileiro refletido no sistema de saúde pública, de educação, cultura, e econômico.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Formas de viver e sentir a cidade: a Feira da Glória como um espaço potente na construção de uma cultura de rua carioca.
Taiany Braga Marfetan (Colégio Pedro II)
Resumo: O presente artigo parte de um recorte da tese em andamento, que trata de analisar algumas feiras livres da cidade do Rio de Janeiro, no intuito de compreender as possibilidades de uso e produção de sociabilidades, assim como de subjetividades presentes no ato de fazer a feira”. Trago aqui uma análise da Feira da Glória, que se apropria da Avenida Augusto Severo e suas imediações e a transforma num potente espaço relacional da cidade, que extrapola os sentidos comumente dados ao ato de fazer a feira”. Para tal, lanço mão da etnografia de rua (ROCHA E ECKERT, 2003) a fim de compreender as possibilidades de uso desse espaço ora tornado feira aos domingos como um potente local na produção de uma cultura de rua carioca.
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Argonautas do asfalto: Estudo da formação do ethos de carroceiro
Vanderlan Francisco da Silva (UFCG)
Resumo: Este trabalho analisa o processo de formação do ethos dos carroceiros da Feira Central de Campina Grande-PB. Carroceiros são trabalhadores que oferecem serviços de transportes de mercadorias às freguesas na principal feira da cidade. A Feira é um grande evento, seja pela dimensão econômica, seja por sua importância histórica e social. Ela funciona de segunda a sábado e recebe mais de oitenta mil compradores aos sábados. Com uma área de 75 mil metros quadrados, 4.400 pontos comerciais e 10 mil comerciantes que vendem os mais variados itens, a história da Feira se entrelaça à existência da cidade. É em meio ao aglomerado de pessoas, nos labirintos da Feira que os cerca de 200 carroceiros oferecem seus préstimos. A pesquisa de campo foi desenvolvida a partir da observação das práticas cotidianas dos carroceiros, de entrevistas com 44 deles, seis feirantes, oito fregueses, além do administrador da Feira. Nos dias atuais os carroceiros realizam o transporte em carrinhos de mão, mas até meados da década de oitenta do século passado, eram conhecidos como balaieiros, pois usavam balaio de palha, no qual colocavam as compras, apoiado numa rodilha de pano que era colocada sobre a cabeça. Neste sentido, o carroceiro é uma atualização’ do outrora balaieiro. Atingido pelos ares da modernidade, com a maior oferta de carrinhos de aço e a facilidade de locomoção pelos labirintos da feira, o carroceiro expressa bem o paradoxo de mudanças e continuidades no universo da Feira Central. Por um lado, ele hoje oferece seus serviços como outrora, abordando senhoras e senhores, gritando, colocando a carroça à sua frente, negociando o preço a cada situação. De outra forma, a carroça é a nova’ marca do serviço secular de transporte na Feira Central, com facilidades de descolamento em relação ao balaio, maior durabilidade, mas também com desafios para caminhar em meio à multidão, com milhares de pernas que se apresentam como obstáculos dos quais os carroceiros precisam se fazer peritos na arte de navegar, a fim de não atingi-las. Para isso, desenvolvem práticas de comunicação singulares: dá licença, olha o ferro, olha o sangue”. Dentre os carroceiros, apenas uma é do gênero feminino; a maioria tem origem na cidade sede da Feira; com idade superior a quarenta anos, sendo a presença de idosos muito forte. Alguns dos entrevistados têm mais de 80 anos. A renovação’ do quadro de carroceiros parece estar garantida pela presença de crianças, adolescentes e jovens. As marcas da vulnerabilidade social são fortes e permanentes: analfabetismo funcional, ausência de trabalhos no mercado formal, ou migração deste para à feira por causa idade. Eles ainda convivem com as marcas de estigmas sociais, que entre outras, os acusam de sumirem com as compras dos fregueses.
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Tecendo um outro centro narrativo: Arte política, memória e sensibilidade nas ruas de Belém do Pará
Victória Ester Tavares da Costa (UFPA)
Resumo: O fazer artístico que evoca coletividades de bairros periferizados tem se tornado uma forma de agir através de ferramentas criativas para (re)configurar novas imagens sobre/a partir de seu espaço de habitação, circulação e lazer, repleto de histórias. Com base na etnografia de rua (Eckert; Rocha, 2013) que venho realizando, neste texto, parto das observações de vivências, relatos e imagens de habitantes de bairros de Belém do Pará que vêm transformando suas ruas, seus lugares de trânsito cotidiano a partir de artes visuais, performances, música, audiovisual, entre outras maneiras de ocupar a cidade sonora e visualmente. As expressões do sensível tornam-se produtos carregados de narrativas sobre vivências periféricas, questões de raça, de classe e que convergem no viver a cidade, suas relações com este espaço, permeadas por afeto, mas também por descaso e violência, memórias de pertencimento, mas também de dor. Historicamente, existem as práticas coletivas como forma de construção do viver e fazer-cidade (Agier, 2015), quando se trata de áreas periferizadas. O que estas pessoas vêm fazendo com maior frequência é criar suas formas de recontar estas narrativas, criar outras memórias e reelaborar cotidianamente as referências hegemônicas. Deste modo, pelo aspecto do sensível emergem outras configurações de imaginário, outros símbolos são evocados e tomados como importantes para contar estas histórias, que antes eram eclipsadas por imagens elaboradas por centros (sejam eles econômicos, de poder ou geográficos). Notamos, assim, a intrínseca natureza política dessas práticas artísticas para cidadãos tão periféricos quanto seus territórios.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Produzindo territórios festivos em São Paulo: as fraternidades folclóricas bolivianas como experiência e pertencimento
Vinícius de Souza Mendes (FMU)
Resumo: Para além das oficinas de costura e do trabalho informal (SILVA, 2002, SILVA, 2008), FREITAS, 2012), já contemplados pela literatura sobre a presença boliviana em São Paulo, o presente trabalho prossegue uma linha de pesquisa iniciada pelo autor em 2019 e em desenvolvimento atualmente em observá-la por meio das fraternidades folclóricas, conjuntos baseados, de forma inicial, em danças "típicas" do país, cujas origens remetem ao período colonial e à conformação do sujeito "cholo-mestiço" (FLORES, 2017). Os contextos de aparição desses grupos de grandes festas urbanas a pequenos encontros privados recolocam os bolivianos na experiência urbana a partir de outra condição: a de "fraternos" (ARTEAGA, 2017). Nessa mudança de perspectiva, se transforma também a forma como eles experimentam a cidade: figuram nesse pertencimento, sobretudo, espaços e temporalidades que só são consumidos por ocasião das festividades das fraternidades, e cujos impactos podem ser vistos tanto nas práticas do trabalho quanto no tempo de lazer, assim como tem efeitos materiais na constituição da cidade como um campo permanente de convivência e relações. O trabalho sustenta, em caráter embrionário e baseado na aplicação de métodos móveis (JIRON, IMILÁN, 2018, FREIRE-MEDEIROS, LAGES, 2020), que há uma outra territorialidade marcada não pela rigidez do trabalho nas oficinas ou pelo lazer em guetos étnicos, como a Praça Kantuta (IKEMURA, 2018), mas pelo movimento constante no tempo e no espaço do mapa de São Paulo. Nele, os "fraternos" se movimentam por regiões urbanas que não estariam acessíveis a eles nas outras condições em que se inserem. É por isso que as fraternidades estão na dobradura entre o mundo do trabalho e o do lazer, à medida em que são produtoras de "territórios de encontro festivo" (González 2020) que concretizam as demandas dos seus ciclos de festas. Tão relevante quanto é observar como as fraternidades, ao se moverem junto com seus protagonistas por entre as fronteiras nacionais, se tornaram instrumentos reivindicatórios, repetindo, na experiência migrante, a história recente delas na Bolívia andina da segunda metade do século XX, quando foram instrumentos reivindicatórios por novos espaços sociais e políticos, sobretudo das populações "cholo-mestiças" (TASSI, 2010).