Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 054: Etnografia da e na cidade: o viver no contexto urbano em suas formas sensíveis
Vivendo nas ruínas de Atafona: etnografia audiovisual da pesca artesanal e do avanço do mar
Imagine-se diante de uma praia repleta de ruínas de casas, onde ao caminhar pela areia se passa por
milhares de tijolos quebrados, vergalhões, resíduos de encanamentos, móveis, pedaços de asfalto, postes,
fiação elétrica, concretos e troncos de árvores esculpidos pela ação da erosão costeira, em um cenário em
que todo tipo de infraestrutura presentes às margens da praia urbana são engolidas pelo mar e submersas por
areia e água. Nesta comunicação apresento resultados iniciais da pesquisa antropológica e fílmica
desenvolvida desde 2022, intitulada Memória e identidade de pescadores artesanais de Atafona frente ao
avanço do mar, onde estudo como as famílias de pescadores artesanais residentes em ilhas fluviomarinhas de
Atafona ─ distrito de São João da Barra, situado no extremo Norte do Estado do Rio de Janeiro
─ lidam com o contínuo avanço do mar e com as mudanças ocasionadas por esses processos,
investigando de que maneira isso incide na manutenção da memória, identidade e transmissão de conhecimento
local desses grupos sociais. Na praia de Atafona o mar avança desde 1970, tendo destruído cerca de 500
construções e 14 quarteirões, o local mais crítico é no Pontal, nome dado ao lugar que margeia a foz do rio
Paraíba do Sul, onde o mar avança cerca de oito metros por ano. Os moradores locais sugerem que a erosão
costeira desencadeia-se por ações humanas predatórias, elencando como principais causas da progressão
marítima: as mudanças climáticas e o derretimento das calotas polares, o assoreamento e a seca do rio
Paraíba, a construção em 2007 do Porto do Açu e as constantes alterações da prefeitura no Pontal com
objetivo de escoar a água do rio Paraíba no período de cheia intensa. Atafona guarda em suas ruínas memórias
do antropoceno e da ferocidade dessa era, essa pressão de ações humanas influencia diretamente na sua
composição territorial e gera uma paisagem antropogênica. Busquei apresentar um panorama geral da pesquisa,
até então foram produzidos dois filmes etnográficos de curta duração com narrativas acerca da erosão
costeira e das ruínas de Atafona, o primeiro intitulado A foz em erosão e o segundo Na boca do mar, além de
um amplo acervo fotográfico. Em Atafona a possibilidade de terem as suas narrativas midiatizadas e
visibilizadas traz uma maior receptividade para produção de filmes e fotografias, permitindo uma discussão
acerca das contribuições da antropologia visual frente ao antropoceno, a partir do compartilhamento de
materiais audiovisuais que trazem um olhar local conectado ao global acerca das mudanças socioambientais
vivenciadas cotidianamente nas cidades.