Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 054: Etnografia da e na cidade: o viver no contexto urbano em suas formas sensíveis
Argonautas do asfalto: Estudo da formação do ethos de carroceiro
Este trabalho analisa o processo de formação do ethos dos carroceiros da Feira Central de Campina
Grande-PB. Carroceiros são trabalhadores que oferecem serviços de transportes de mercadorias às freguesas na
principal feira da cidade. A Feira é um grande evento, seja pela dimensão econômica, seja por sua
importância histórica e social. Ela funciona de segunda a sábado e recebe mais de oitenta mil compradores
aos sábados. Com uma área de 75 mil metros quadrados, 4.400 pontos comerciais e 10 mil comerciantes que
vendem os mais variados itens, a história da Feira se entrelaça à existência da cidade. É em meio ao
aglomerado de pessoas, nos labirintos da Feira que os cerca de 200 carroceiros oferecem seus préstimos. A
pesquisa de campo foi desenvolvida a partir da observação das práticas cotidianas dos carroceiros, de
entrevistas com 44 deles, seis feirantes, oito fregueses, além do administrador da Feira. Nos dias atuais os
carroceiros realizam o transporte em carrinhos de mão, mas até meados da década de oitenta do século
passado, eram conhecidos como balaieiros, pois usavam balaio de palha, no qual colocavam as compras, apoiado
numa rodilha de pano que era colocada sobre a cabeça. Neste sentido, o carroceiro é uma atualização do
outrora balaieiro. Atingido pelos ares da modernidade, com a maior oferta de carrinhos de aço e a facilidade
de locomoção pelos labirintos da feira, o carroceiro expressa bem o paradoxo de mudanças e continuidades no
universo da Feira Central. Por um lado, ele hoje oferece seus serviços como outrora, abordando senhoras e
senhores, gritando, colocando a carroça à sua frente, negociando o preço a cada situação. De outra forma, a
carroça é a nova marca do serviço secular de transporte na Feira Central, com facilidades de descolamento
em relação ao balaio, maior durabilidade, mas também com desafios para caminhar em meio à multidão, com
milhares de pernas que se apresentam como obstáculos dos quais os carroceiros precisam se fazer peritos na
arte de navegar, a fim de não atingi-las. Para isso, desenvolvem práticas de comunicação singulares: dá
licença, olha o ferro, olha o sangue. Dentre os carroceiros, apenas uma é do gênero feminino; a maioria tem
origem na cidade sede da Feira; com idade superior a quarenta anos, sendo a presença de idosos muito forte.
Alguns dos entrevistados têm mais de 80 anos. A renovação do quadro de carroceiros parece estar garantida
pela presença de crianças, adolescentes e jovens. As marcas da vulnerabilidade social são fortes e
permanentes: analfabetismo funcional, ausência de trabalhos no mercado formal, ou migração deste para à
feira por causa idade. Eles ainda convivem com as marcas de estigmas sociais, que entre outras, os acusam de
sumirem com as compras dos fregueses.