Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 054: Etnografia da e na cidade: o viver no contexto urbano em suas formas sensíveis
Reflexões de antropologia urbana sobre dinheiro, carros e aplicativos em Buenos Aires, Argentina
Um motorista peruano que trabalha com aplicativos de transporte se desloca pelas ruas de Buenos Aires.
Leva passageiros para todos os cantos da metrópole sul americana e aproveita os dias de bastante calor e o
ampliado turismo de dezembro a janeiro, apesar da ascensão da direita à presidência e a incansável inflação
de mais de 200% no ano de 2023. O carro um veículo usado fora comprado ali mesmo, na Argentina. O dinheiro
usado para o financiamento em uma concessionária da capital argentina vinha de um empréstimo de suas redes
familiares no Peru. As parcelas, pagava em dólares todo o mês, o que dependia das variações do câmbio.
Apesar de ser econômico, o carro, por ser de segunda mão, demandava constante manutenção, fator
intensificado pelo uso constante ao ser utilizado como ferramenta de trabalho. As peças de reposição
disponíveis nas oficinas da Argentina vinham, em sua maioria, da indústria automotiva brasileira, o que
aumentava o custo.
Essa descrição, que combina múltiplas nacionalidades e a circulação de dinheiro e de coisas, poderia ser uma
confecção difusionista inspirada no homem americano, de Ralph Linton ou trecho de uma canção de Jorge
Drexler sobre a globalização. No entanto, é parte de uma etnografia atenta a complexidade da metrópole e de
seus narradores que performam atividades de trabalho. Nosso trabalho de campo nos conduziu pela capital de
um país em crise, condição registrada e narrada por romancistas como Tomás Eloy Martinez e Miranda France.
Com âncora lançada na antropologia urbana, tecemos reflexões sobre a experiência de trabalho de motoristas
de aplicativo em Buenos Aires e suas relações com a cidade, o carro e o dinheiro. Confeccionamos essas
reflexões com base em experiência de pesquisa antropológica em outras duas metrópoles: Porto Alegre que
primeiro autor desse texto define como minha base, tomando emprestado os dizeres do antropólogo Ruben
Oliven e Atlanta, na qual residiu e entrevistou motoristas, durante o doutorado sanduíche na Emory
University em 2021.
Argumentamos que essas cidades são boas para pensar em uma antropologia que toma o aqui e o lá como
constantes motes de reflexão, provocação e deslocamento, como ensinam Mariza Peirano, Janet Carsten e Ruben
Oliven. Refletimos sobre como os temas da economia, do trabalho e do parentesco são narrados por motoristas
de aplicativo e possibilitam pensar etnograficamente sobre a complexidade das metrópoles contemporâneas,
suas desigualdades, crises e imaginários. Fazemos isso a partir de uma etnografia que mergulha nas imagens
evocadas em narrativas de sujeitos que não se resignam frente aos tempos descontínuos (Bachelard) provocados
por múltiplas formas e escalas de crise urbana (Rocha & Eckert).