Grupos de Trabalho (GT)
GT 055: Etnografias de processos de resistência de povos indígenas em Estados e governos de exceção
Coordenação
Jurema Machado de Andrade Souza (UFRB), Daniela Fernandes Alarcon (Ministério dos Povos Indígenas)
Debatedor(a)
Mariana Mora (Centro de Investigacione), Elisa Urbano Ramos (UFPE), Lauriene Seraguza olegário e Souza (UFGD)
Resumo:
Em regimes de governo declaradamente autoritários ou em contextos de conservadorismo e retração de direitos, os povos indígenas têm se articulado e mobilizado para o enfrentamento, denunciando o descumprimento de seus direitos fundamentais. No Brasil, por exemplo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) ao Tribunal Penal Internacional *(TPI), por genocídio. Este grupo de trabalho pretende reunir pesquisas, notadamente etnografias, que tenham acompanhado ações levadas a cabo por povos e organizações indígenas em processos de confrontação, de diversas naturezas, em face de violações de direitos ocorridas durante dois períodos históricos: a ditadura civil-militar (1964-1985) e o governo Bolsonaro. Em relação à política indigenista, esses dois governos se mostraram comprometidos com projetos de integracionismo dos povos, criando condições e incentivando arrendamento de terras, desmatamento, mineração, garimpo e negligência quanto à execução de políticas básicas de saúde e educação. Gostaríamos de colocar em diálogo trabalhos que analisem enfrentamentos em contextos diversos, desde mobilizações cotidianas de enfrentamento à pandemia de Covid-19 até respostas a perseguições, invasões e casos mais amplos que envolveram organizações de diversos povos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Anna Kurowicka (UFPE)
Resumo: Essa proposta visa debater os efeitos das políticas indigenistas do governo Bolsonaro para a
territorialidade do povo Pataxó, tendo como ponto da partida a etnografia dos processos de territorialização
na TI Barra Velha do Monte Pascoal durante esse período. Os anos posteriores a impeachment da presidenta
Dilma Russeff- os governos Temer, Bolsonaro e até o momento atual- trouxeram importantes mudanças para as
formas como os Pataxó pensam o presente e o futuro do seu território. Relaxamento dos mecanismos de
fiscalização, sucateamento das instituições responsáveis pelas execução das politicas públicas, recortes de
financiamento: todos esses fatores contribuíram para que o Estado não fosse mais capaz de manter o controle
dentro das Tis, entre elas dentro da TI Barra Velha do Monte Pascoal. As pressões de vários grupos de
interesse econômico, como as dos agropecuaristas, da industria da celulose, do setor de turismo e
imobiliário começaram ser cada vez mais perceptíveis no território Pataxó. As práticas ilegais como
arrendamentos e vendas de terra, instalação dos empreendimentos pelos não-indígenas dentro da TI,
apropriação pelos não-Pataxó dos recursos naturais do território - viraram frequentes. Essas ações foram
naturalizadas pelos discursos sobre a suposta necessidade de desenvolvimento dos Pataxó, de se introduzir
dentro da economia nacional e de se integrar com a sociedade geral. O mesmo discurso que o propagado pelo
governo Bolsonaro, que tenta ao também relativizar as garantias constitucionais dos territórios indígenas e
gera a divisão entre os próprios parentes.
A TI Barra Velha do Monte Pascoal encontra-se em processo de demarcação desde o ano 2008, tendo só uma
pequena parte do território homologada. É justamente nessa região onde se deu de forma mais visível o
processo de perda territorial dos Pataxó (vendas, arrendamentos), principalmente na faixa de praia. Ao mesmo
tempo, em outra região do território e que ainda está sem concluir o processo demarcatório, observamos um
grande levante pela terra, apropriado pelos Pataxó como a Autodemarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal.
A coincidência temporal desses dois processos aparentemente contraditórios chama atenção e incita para
reflexionar sobre as possíveis confluências discursivas aqui presentes. Se no caso dos arrendamentos na
beira da praia a evidencia do discurso e da práxis bolsonarista para sustentar a situação é evidente, já nas
áreas das retomadas a realidade demostra muito mais sutilezas neste sentido. Essa apresentação quer
contribuir para a discussão sobre a importância e a influencia do momento politico marcado pelo governo
Bolsonaro para os processos de territorialização entre os Pataxó, repensando os novos atores, debates e
estratégias presentes na luta neste contexto.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Arthur Paiva Octaviano (UFSC)
Resumo: O presente trabalho é fruto de um acúmulo teórico e etnográfico de reflexões que partiram durante a
feitura de minha dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Antropologia da
Universidade Federal da Grande Dourados (PPGAnt/UFGD), onde me dediquei a pesquisar os efeitos dos
dispositivos de criminalização, violência e punição do Estado e de sociedades civis e patronais vinculadas
ao agronegócio como métodos para atravancar a mobilização política da juventude Kaiowá e Guarani na região
sul de Mato Grosso do Sul, representada pelo coletivo Retomada Aty Jovem (RAJ). Durante a etnografia percebi
que, na atual composição política dos jovens Kaiowá e Guarani, o Estado é visualizado como uma figura de
contradição e equívoco, desempenhando, ora um papel de assistência e aliança, ora um papel repressivo e
punitivo contra estes coletivos, utilizando de artifícios jurídicos, cristalizados em operações de
reintegração de posse, que contam com um forte expediente policial, principalmente em áreas de retomadas.
Este jogo de produção de uma política de boa distância (Levi Strauss, 2004), complexifica as relações
(cosmo)políticas dos Kaiowá e Guarani, o Estado, entendido como o instrumento da política do modo de vida
dos brancos karaí reko kuera, pode ser um aliado ou um inimigo - razão pela qual utilizo o termo dupla vida
(Morel, 2023) para designar essas complexas relações - a depender das circunstâncias. Logo, a ação política
do coletivo com o qual convivi por cerca de dois anos envolve uma produção instável e ao mesmo tempo
recíproca de recusa e aproximação da instituição estatal.
PALAVRAS CHAVE: Criminalização; Violência; Mobilização Indígena; Cosmopolítica; Ação Política; Etnologia
Guarani
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Caio Helmer Gomes de Carvalho (UNIR)
Resumo: O presente trabalho se debruça sobre os documentários Corumbiara (2009) e O Território (2022) com o
intuito de traçar paralelos e semelhanças entre os materiais propostos, para que se possa realizar uma
análise crítica acerca do momento de edição das películas, e o atual momento histórico e político. Conta
também com o recorte tanto etnográfico como geográfico, pois, ao se privilegiar tais documentários, enquanto
objeto de pesquisa, busca-se investigar uma realidade local, onde se aborda a realidade dos povos indígenas
e os desafios para a sua sobrevivência no estado de Rondônia, localizado ao norte do país.
Para a realização da análise sociológica, foram feitas a análise textual fílmica, tal qual idealizada por
Bill Nichols, e instrumentalizada por Casetti e Di Chio, em Como analizar un film. O método se constitui em
dois momentos fundamentais para o processo: a decomposição e a recomposição do filme. No primeiro momento, a
decomposição, se constitui a segmentação do filme e a análise desses segmentos. Já num segundo momento, é
feita a inferência dos dados coletados e analisados. Para além do método de análise textual fílmica, a
pesquisa também conta com estudo qualitativo e bibliográfico acerca dos conflitos socioambientais.
A partir da análise textual fílmica dos documentários propostos, é possível aferir a adaptação por parte dos
indígenas no estado de Rondônia, em relação aos anos que se seguiram entre um primeiro contato, como
exposto no documentário de Vincent Carelli, Corumbiara. Verificou-se, também, a instrumentalização
tecnológica obtida pelos indígenas retratados em O Território, da etnia Uru-Eu-Wau-Wau. Tal processo além
de retratar a realidade, foi utilizada para o auxílio da sua própria existência e resistência, diante dos
avanços neocoloniais, e predatórios frequentemente associados ao capitalismo à brasileira em expansão, que
vão de encontro ao seu modo de vida.
Com a análise qualitativa, para além da análise textual dos filmes, é exequível o enfoque nos aspectos
sociais, políticos, econômicos e culturais retratados nos filmes documentários, para que se possa investigar
e analisar os conflitos socioambientais que se seguem nas relações desenvolvidas diante das películas
estudadas. Identificando assim os atores sociais e políticos contidos nos documentários e os seus
interesses, assim como os impactos que causados pelo aluguel capitalista do chão (WOOD; FOSTER, 1999) que,
travestido de desenvolvimento, diante dos investimentos públicos-privados, que colocam em risco a vida dos
povos autóctones da Amazônia. Mas que não só estes, como os únicos a serem afetados com a destruição da
natureza, mas toda a vida na terra, em última escala.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniela Fernandes Alarcon (Ministério dos Povos Indígenas)
Resumo: Examinar a mobilização política dos Tupinambá da aldeia Serra do Padeiro (Terra Indígena - TI Tupinambá
de Olivença, sul da Bahia) ao longo do mandato presidencial de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022) é o
principal objetivo desta comunicação. Ela apresenta uma síntese dos resultados de projeto de investigação
desenvolvido com apoio da Fundação Wenner Gren, por meio da linha de Pesquisa Engajada, com participação das
pesquisadoras tupinambá Glicéria Jesus da Silva, Jéssica Silva de Quadros e Sthefany Ferreira da Silva. Em
um quadro de graves violações de direitos de povos indígenas, quilombolas, camponeses e outros segmentos,
viabilizadas pelo governo federal por atuação direta ou omissão, o movimento indígena emergiu como uma das
principais forças de resistência ao bolsonarismo. Na descrição e análise das estratégias políticas
engendradas na Serra do Padeiro no período, tomamos como pontos de partida cinco episódios-chave: a
descoberta de um plano de extermínio visando lideranças indígenas, a tentativa de construção de um resort no
território tupinambá, retrocessos no procedimento de demarcação da TI, a mobilização de forças repressivas
contra ações protetivas adotadas pelos indígenas durante a pandemia de Covid-19 e a concessão de liminar em
ação de reintegração de posse contra os indígenas. Por meio do exame pormenorizado de um caso concreto,
buscamos contribuir com a produção sobre formas de ação coletiva levadas a cabo contemporaneamente por povos
indígenas no Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Eduarda Heineck Fernandes (UFRGS)
Resumo: Em 18 de outubro de 2022, poucos dias antes do segundo turno mais acirrado das eleições presidenciais
contemporâneas, indígenas Kaingang retomaram seu território ancestral ao sopé do Morro Santana (Porto
Alegre/RS) em área que, supostamente, pertencia a uma família de banqueiros que enriqueceu com a Ditadura
Militar o Grupo Maisonnave, ou os maionese, como passaram a ser chamados pelos indígenas. Fruto de pesquisa
etnográfica para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Ciências Sociais, busco aprofundar a discussão
acerca da conjuntura específica da ação retomada (Alarcon, 2013), circunscrevendo-a na ideia de "drama
social" (Turner, 1982) para, então, examinar o processo de territorialização a partir de situações sociais
específicas, que dialogam com o cenário de crise e com a mobilização política da etnicidade e dos laços de
parentescos. Convém destacar que esta coletividade kaingang estava territorializada na periferia do Morro
Santana, região conhecida como Jardim do Verde e, que a partir de uma tentativa de reintegração de posse, de
ameaças de grupos ligados ao tráfico de drogas e de assédio da especulação imobiliária, os indígenas
resolveram retomar seu território ancestral, para que as gerações mais novas pudessem crescer e reproduzir o
modo de vida dos kofá, os antigos kaingang. Insere-se, portanto, no âmbito das discussões sobre conflitos
fundiários e a resistência indígena, visando à garantia do modo de vida kaingang e à preservação do meio
ambiente.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Felipe Mattos Johnson (Universidade de Lisboa)
Resumo: As retomadas dos Tekoha Kaiowá e Guarani consistem em recuperações de territórios ancestrais, ações
orientadas e conduzidas pelos nhanderu (rezadores) e nhandesy (rezadoras) destes povos. Tais ações começam a
ocorrer principalmente a partir do final da década de 1970 no sul do Mato Grosso do Sul (MS). Este período é
caracterizado por intensa atividade extrativista e um novo dimensionamento dos monocultivos de grãos e da
consolidação da propriedade privada da terra, escalonando bruscas transformações na paisagem, em especial,
no macroterritório denominado pelos Kaiowá e Guarani de Kaaguyrusu (mata densa), associadas a remoções
forçadas de suas terras. Contemporaneamente, a emergência de novas retomadas desafia a simbiose entre
Estado, latifúndio e corporações transnacionais. Este trabalho intentará discutir, a partir de uma
etnografia militante em curso junto aos Kaiowá e Guarani, as políticas e os efeitos do terror de Estado e do
latifúndio corporativo mediante o massacre como forma de acumulação e de dominação, efetuado por meio da
pressão das plantations de soja e milho transgênico contra três retomadas recentemente mobilizadas por estes
povos. Nomeadamente, o tekoha Jopara (município de Coronel Sapucaia), o tekoha Guapoy Mirim Tujury
(município de Amambai) e o tekoha Laranjeira Nhanderu (município de Rio Brilhante) serão os territórios
focalizados neste estudo. A escolha destas retomadas diz respeito aos casos emblemáticos de violência
enfrentados pelas comunidades, respectivamente 1) o assassinato do jovem Alex Lopes em maio de 2022; 2) o
Massacre de Guapoy, realizado pela Polícia Militar do MS em junho de 2022, seguido da execução de dois
indígenas nas semanas seguintes; 3) a tentativa de despejo ilegal, que resultou na prisão de três pessoas na
comunidade em questão. Através dos aportes da teoria zapatista da Quarta Guerra Mundial, o plantationceno
como categoria analítica e as narrativas e testemunhos partilhados por interlocutores Kaiowá e Guarani dos
tekoha que compõe este recorte de pesquisa, buscaremos debater a relação da pilhagem dos comuns ou forças
vitais - transformadas em monoculturas maquinizadas e resguardadas por infraestruturas bélicas com os
mecanismos de violência (para)estatal e privada que atingem as vidas cotidianas destes povos, no lastro de
um Estado de Exceção permanente que vigora no MS (Mattos Johnson, 2021). Aqui, a pergunta de Veena Das nos
move: o que é recolher os pedaços e viver nesse lugar de devastação? (2020:27). A questão permite localizar
as insurgências que fazem brotar a reprodução e recomposição das relações sociocosmológicas e modos de
existir face aos traumas resultantes das violações em análise, deslocando nosso olhar para as múltiplas
práticas de resistência implicadas no ato de retomar.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Ventura de Souza Fernandes (IFMG)
Resumo: Partindo de uma etnografia centrada na perspectiva do povo indígena Xakriabá a respeito da ditadura
militar o tempo da guerra ou da luta pela terra objetiva-se refletir sobre uma forma particular de exercício
da política, que chamaremos (cosmo)política de memória. As violências do tempo da guerra são compreendidas e
agenciadas por um conjunto múltiplo de seres, que incluem os corpos indígenas, a cultura e os gerais
(Cerrado), entre outros. O enfrentamento a essa guerra mobilizou um processo complexo de retomadas, em
movimentos de reativação da memória do território (Célia Xakriabá). Esse processo segue assumindo
significativa importância para os Xakriabá, revelando o que poderíamos chamar de uma pedagogia resistente
movimentos ativos, conectados às estratégias de luta territorial e à narrativa de verdadeiras histórias
implicando, como diz seu Valdemar Xakriabá, o pequeno, até quem ainda não nasceu, ou que não sabe onde
tá, já que todos têm parte nessa luta de sangue derramado. Os diferentes elementos dessa pedagogia, além
da produção de uma narrativa contracolonial e contramestiça, colocam-se a serviço de um devir da
possibilidade de continuidade da vida e do bem viver no território e se expressam, por exemplo, nos espaços
de reflexão, que anualmente recordam a chacina das lideranças Xakriabá nos anos 1980. Do ponto de vista do
Estado, essa violência foi justificada a partir da negação da indianeidade Xakriabá em virtude de seu
relacionamento com povos quilombolas - o que retiraria seu estatuto de "verdadeiros indígenas". Essa
discussão pode trazer elementos para a proposição do que pode significar uma política de reparação para o
caso dos povos indígenas, como também a uma leitura sobre as formas pelas quais alguns povos indígenas veem
se relacionando com os passados e presentes violentos e com a excepcionalidade da política que ataca seus
territórios.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jurema Machado de Andrade Souza (UFRB)
Resumo: A comunicação propõe refletir, a partir de narrativas indígenas, literatura e material jornalístico,
sobre os enfrentamentos protagonizados pelo povo Pataxó Hãhãhãi da Terra Indígena Caramuru-Catarina
Paraguassu, localizada no sul da Bahia, durante dois períodos de exceção vivenciados pelo Estado brasileiro:
o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura civil-militar (1964-1985). Entre os anos de 1937 e 1938, o Serviço de
Proteção aos Índios (SPI) procedeu à demarcação das terras da reserva, que havia criado em 1926. Ocorre que
ela não contemplou toda a área inicialmente reservada, e os jornais da época noticiaram que os indígenas
realizaram um "levante comunista", acusando-os, assim como o chefe de posto do SPI, de pertencerem ao
Partido Comunista do Brasil (PCB) (Lins, 2007). O objetivo de uma apresentação sobre esse período não se
restringe a uma descrição simples dos fatos; busca-se, antes, analisar como as narrativas dos indígenas, dos
jornais e da literatura trataram as ações de enfrentamento e resistência indígena frente às acusações.
Note-se que as narrativas indígenas reputam a esse evento a sua capacidade de mobilização e organização nos
anos 1970 para reaver áreas da terra indígena invadida entre as décadas de 1930 e 1970. Criado em 1976, o
grupo intitulado Luta pela Terra representou o começo das mobilizações para recuperar o território. Ele era
formado por indígenas do povo Pataxó Hãhãhãi que se encontravam em localidades distintas, tanto no interior
da terra indígena como em seu entorno. Considerando o Estado Novo e a ditadura civil-militar como uma
continuidade histórica, os Pataxó Hãhãhãi constroem suas narrativas considerando o Estado como um ente
tutor, ao mesmo tempo incentivador das invasões, opressor e repressivo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luisa Suriani (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato)
Resumo: A porção leste da Terra Indígena Vale do Javari é a região com a maior presença confirmada de coletivos
indígenas em isolamento, categoria usada pelo Estado que se refere a determinado grupo indígena que não
estabelece relações frequentes com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas - Funai. Esses coletivos são
conhecidos como Flecheiros devido ao uso de arco e flecha e se diferenciam dos Caceteiros, grupos
historicamente korubo que costumam usar bordunas para desferir ataques a terceiros (Coutinho, 1998:43). Os
episódios de conflitos entre os Flecheiros e madeireiros precede a chegada da Petrobras, que em 1983 inicia
os trabalhos de pesquisa sismográfica para prospecção de petróleo e gás natural nos rios Jutaí, Jandiatuba e
Javari. (Coutinho, 1998:42), pouco tempo depois são trazidos por volta de 400 trabalhadores da Companhia
Brasileira de Geofísica (CBG), que passam a ocupar acampamentos na margem dos rios Itaquaí e Jandiatuba.
(ibidem, 1998:42). Este trabalho reflete sobre o isolamento de coletivos indígenas no interflúvio dos rios
Itaquaí, Jandiatuba e Jutaí (Góis, 2023:69) a partir das ações da Petrobrás na região, para tanto recupero
relatos de conflitos entre agentes do Estado e indígenas. Devido aos conflitos e violências sofridas por
esses povos é possível interpretar a escolha pelo isolamento como um processo de resistência ou como
declaração de recusa ao Estado (Ribeiro; Aparicio: Matos, 2022). Por outro lado, busco produzir uma crítica
etnológica ao conceito de isolamento a partir de narrativas indígenas que evidenciam outros contextos de
socialidade na região. Seguirei para tanto as estratégias de manifestação utilizadas pelos ditos isolados,
seguindo a comunicação que há entre eles, os não isolados, os animais, plantas, espíritos etc.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Rosário Gonçalves de Carvalho (Univeridade Federal da Bahia /UFBA)
Resumo: Os fatos que serão aqui preliminarmente apresentados constituem uma espécie de núcleo duro da história
de vicissitudes dos Pataxó ao longo do período compreendido entre 1937 e1945, quando o Brasil viveu um
regime de exceção, o Estado Novo, articulado e chefiado pelo presidente Getúlio Vargas, com o apoio dos
chefes militares.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marina A. R. de Mattos Vieira (UNICAMP), Artionka Manuela Góes Capiberibe (UNICAMP)
Resumo: Entre 2017 e 2022, houve uma escalada no ataque aos direitos indígenas no Brasil. Governos
declaradamente anti-indígenas promoveram o seu extermínio por meio de discursos, atos normativos e
desestruturação de órgãos indigenistas oficiais. Na posição antagônica, o movimento indígena, representado
nacionalmente pela maior instância de aglutinação de suas organizações, a Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB), também intensificou a sua luta. Os protestos em Brasília se ampliaram, conquistas no campo
jurídico foram observadas e o número de candidaturas indígenas cresceu, seguindo uma estratégia planejada de
aldear a política institucional e ocupar espaços de decisão cruciais para a defesa de seus direitos. Em
2022, foi a primeira vez que se observou nos quase 20 anos de história da APIB, a coordenação de
candidaturas indígenas alinhadas na luta em defesa de seus direitos, em especial, do direito à terra. Também
foi inédito o apoio explícito do movimento à campanha de um candidato à presidência, Lula, em uma ampla
articulação para retirar do poder a força política que atuou como inimiga dos povos indígenas. No presente
trabalho, analisamos como a APIB aderiu à disputa hegemônica, sobretudo, nas eleições presidenciais de 2022.
Para Laclau e Mouffe (1985), hegemonia é uma prática discursiva que articula uma polifonia de demandas em
uma cadeia de equivalências capaz de criar uma unidade contingencial, fixada apenas parcialmente e cujo
sentido é expresso em torno de um significante vazio. Em 2022, talvez o mais importante significante vazio
em disputa por projetos políticos antagônicos tenha sido o termo democracia. Demonstramos como o movimento
indígena mobilizou este termo, preenchendo-o com significados próprios e históricos de sua luta, ao
articulá-lo com a demarcação de terras indígenas em seu mote de campanha sem demarcação, não há democracia,
ao mesmo tempo aderindo a uma certa unidade contingencial antibolsonarista. Nosso método consiste na análise
qualitativa do discurso das cartas lançadas a cada ano (de 2004 a 2023) na principal mobilização do
movimento indígena nacional, o Acampamento Terra Livre (ATL), que vem sendo organizado pela APIB desde a sua
criação. Complementarmente, apresentamos observações etnográficas do ATL de 2023. A partir de um exercício
interdisciplinar entre teorias políticas e antropológicas, refletimos como a adesão da APIB nessa disputa
pode ser entendida como uma estratégia tanto de adaptação resistente (Albert 1993) frente a uma hegemonia
política genocida, quanto de acordos pragmáticos (Almeida 2013; 2021) com parcelas da sociedade empenhadas
em construir novos discursos e ação política pautada naquilo que vem sendo chamado, principalmente pela
antropologia, de pluralismo ontológico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rodrigo Theophilo Folhes (UFMA), Daisy Damasceno Araújo (IFMA), Ana Caroline Amorim Oliveira (UFMA)
Resumo: O presente trabalho traz como proposta de análise a luta por acesso à saúde dos povos indígenas em
retomada no Maranhão, durante a pandemia da Covid-19, especialmente o contexto da vacinação dos Akroá
Gamella, Anapuru Muypurá, Kariú-Kariri, Tremembé da Raposa, Tremembé do Engenho e Tupinambá, no ano de 2021.
Diante de todo o histórico de desterritorializações e conflitos violentos que marcam a existência desses
povos, durante a pandemia da Covid-19 os povos se depararam com o retorno de um antigo debate sobre os
critérios de indianidade estabelecido pelo indigenismo oficial. A contenda se instaurou em virtude de
deliberações das políticas indigenistas postas em prática pelo governo federal, sobretudo a partir do
lançamento do Plano Nacional de Imunização (PNI), que estabeleceu a categoria indígena aldeado em terras
demarcadas, e a publicação da Resolução n. 4/2021 da FUNAI, em que se criou critérios jurídicos para
determinar quem é ou não é indígena. Os documentos evidenciavam o projeto do governo Bolsonaro em promover a
exclusão de políticas públicas voltadas aos povos indígenas. Ainda em 2020, os mesmos povos haviam
denunciado a recusa, por parte do Distrito Sanitário Especial Indígena no Maranhão (DSEI/MA), em prestar
atendimento específico e diferenciado no tratamento contra a Covid-19, sob a justificativa do cumprimento
dos critérios de indianidade e a alegação de que os mesmos deveriam ser atendidos pelo SUS dos municípios
onde encontram-se localizados. No dia 25 de janeiro de 2021, os povos redigiram a primeira Carta Aberta
denunciando a exclusão dos mesmos no Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, argumentando que são
duplamente violentados e penalizados e que o plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros
urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no
Brasil. Após a carta, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP)
garantiu em nota que tanto os Tremembé quanto os Akroá Gamella haviam iniciado processo de imunização, além
de reforçar a atuação da Força Estadual de Saúde do Maranhão (FESMA) para atuar junto ao DSEI no processo de
vacinação dos indígenas. Manifestou-se, ainda, favorável ao diálogo com os povos Kariri, Anapuru Muypurá e
Tupinambá para garantir a vacinação dos mesmos, além do diálogo com movimentos sociais, representantes do
CIMI e da CNBB e demais interessados. Após a circulação e impacto do primeiro documento, outras cartas foram
redigidas e novas estratégias de articulação e resistências, visando garantir o acesso à saúde de forma
específica e diferenciada, foram traçadas pelos povos, culminando em uma dinâmica de fortalecimento de seus
processos de retomada, luta por reconhecimento e garantia de direitos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sandro Henrique Calheiros Lôbo (CESMAC Sertão), Sandro Henrique Calheiros Lôbo (CESMAC Sertão)
Resumo: O artigo aborda o protagonismo dos movimentos indígenas brasileiros junto ao Sistema Interamericano de
Direitos Humanos (SIDH), entendido como importante instrumento de resistência contra a ação/omissão do
Estado em razão do avanço do garimpo ilegal e as tentativas de legalizar a mineração nos territórios
indígenas. Essas mobilizações sociolegais são caracterizados como uma forma de ação coletiva pautada pela
ambientalização das lutas políticas (ACSELRAD, 2010), contra a expansão das fronteiras do agronegócio e da
mineração nos territórios tradicionais, para constituição como um caso de direitos humanos (SEGATTO, 2006).
Foram pesquisados diversos documentos como publicações de matérias jornalísticas relativas a conflitos
minerais em terras indígenas, bem como informes produzidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB) para as agências da ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), visando entender a
atuação dessa organização indígena nesses fóruns internacionais, a partir de um diálogo interdisciplinar
entre a Antropologia e o Direito.
PALAVRAS-CHAVE: MOVIMENTO INDÍGENA. SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS. MINERAÇÃO.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Thamires Pessanha Angelo (UFAM), Maria Helena Ortolan (UFAM)
Resumo: Cada vez mais o tema "movimento de mulheres indígenas" vem conquistando interesses etnográficos pela sua
relevância analítica para os estudos que abordam a política indígena e política indigenista do Estado
brasileiro. Neste GT, propomos apresentar, a partir de pesquisa de Doutorado em Antropologia Social, nossas
reflexões sobre como a Marcha de Mulheres Indígenas se tornou um dos eventos políticos de maior destaque
entre os diversos movimentos sociais brasileiros. Nos últimos anos, milhares de mulheres etnicamente
diferenciadas têm ocupado Brasília com força reivindicativa em defesa dos direitos dos povos indígenas,
organizadas em delegações provenientes de vários estados do país.
A primeira edição da Marcha das Mulheres Indígenas foi realizada em Brasília entre 9 e 14 de agosto de 2019,
com o tema principal Território: nosso corpo, nosso espírito. Em 2021, foi realizada a segunda edição,
entre 07 e 10 de setembro, com a presença de mais de cinco mil mulheres indígenas, provenientes de cento e
setenta e duas etnias distintas. O tema da Marcha foi: Mulheres originárias: reflorestando mentes para a
cura da Terra. O contexto político da época era de tensão que prevalecia pelo Governo Federal brasileiro
estar posicionado declaradamente contra os direitos indígenas, tendo na Presidência da República Jair
Messias Bolsonaro. Durante a Marcha, no dia 07 de setembro, ocasião de evento comemorativo em Brasília pelo
Dia da Independência do Brasil, Brasília foi tomada por caminhoneiros mobilizados em apoio à política
presidencial, como demonstração de força política. Por conta da insegurança resultante das hostilidades
advindas de apoiadores do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, o deslocamento de mobilização política das
mulheres indígenas em direção à Esplanada dos Ministérios, que estava marcada para acontecer no dia 8 de
setembro, teve que ser adiada. Somente dois dias depois do programado, ocorreu o deslocamento de
mobilização, com a trajetória de deslocamento também modificada - estava previsto para percorrer a
Esplanada, no entanto, os caminhoneiros já estavam ocupando o local e as mulheres indígenas tiveram que
negociar a autorização do Governo do Distrito para sua mobilização poder percorrer e, desta vez, em uma das
principais avenidas de Brasília - W3 Sul. Também em 2022 ocorreu a Caravana das Originárias, resultante da
primeira Marcha das Mulheres Indígenas, com finalidade de promover ações de fortalecimento, protagonismo,
acolhimento, reflexão da importância dos Biomas e territórios de todo o Brasil (ANMIGA, 2022). Em 2023,
entre os dias 10 (incluindo a chegada das delegações) e 13 de setembro, realizou-se em Brasília a terceira
Marcha das Mulheres Indígenas, com o tema Mulheres Biomas e Defesa da Biodiversidade pelas Raízes
Ancestrais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Victor Ferri Mauro (UFMS)
Resumo: Apoiado em informações captadas em obras científicas, reportagens e em arquivos públicos, investigamos
aqui os chamados Projetos de Desenvolvimento Comunitário que a Fundação Nacional do Índio (Funai) empreendeu
nas reservas do povo Terena em fins dos anos 1970 e no quinquênio posterior, inserindo a agricultura
mecanizada nas aldeias. Analisamos as expectativas, interesses e estratégias dos indígenas que aderiram à
essa proposta e dos agentes públicos que a conceberam e lideraram sua execução. Os resultados alcançados (ou
não) e a avaliação de membros da referida etnia sobre o desempenho dessas ações são por nós observados.
Conclui-se que o compromisso do governo de garantir a autossuficiência das comunidades através de tais
planos não se cumpriu nem mesmo em curto prazo. Por trás dessa promessa havia a intenção ardilosa do Estado
em revogar a tutela legal dos indígenas, retirar-lhes a assistência continuada e suprimir direitos
territoriais. Os tais projetos não valorizaram as tradições de plantio dos Terena, que tiveram que se render
a novas rotinas e disciplinas, não sem contestação. Após um curto período de expansão, as atividades
sucumbiram por retardo e diminuição no repasse de insumos e verbas. Em paralelo, a Funai deixou de proceder
a ampliação dos limites das áreas indígenas reivindicada pelas comunidades. Por consequência, a dependência
econômica e a insegurança alimentar se agravaram, resultando na intensificação das migrações para as cidades
e do engajamento dos trabalhadores locais em empreitadas em fazendas e destilarias da região do Pantanal
sul-mato-grossense. Danos ambientais de difícil reversão foram deflagrados nas áreas indígenas devido,
dentre outros fatores, ao desmatamento, ao uso contínuo do maquinário e o desrespeito da necessidade de
pousio do solo. No entanto, os Terena não deixaram de ativar a todo momento suas estratégias políticas ora
mais diplomáticas, ora abertamente combativas - de resistência à dominação que o Estado buscava impingir a
eles. E, pelo menos em parte, foram bem-sucedidos. A própria agricultura tradicional de subsistência não
deixou de ser praticada por todos os integrantes do grupo, embora as condições fossem limitadas. No período
da redemocratização do país, como consequência da organização do movimento indígena nacional e como reação
ao confinamento socioespacial ao qual foram relegados, os Terena intensificaram a luta coletiva pela
recuperação do controle de seus territórios ancestrais, encarando até hoje intrincados embates com o poder
público e com a elite agrária de Mato Grosso do Sul.