ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 055: Etnografias de processos de resistência de povos indígenas em Estados e governos de exceção
alt

Coordenação
Jurema Machado de Andrade Souza (UFRB), Daniela Fernandes Alarcon (Ministério dos Povos Indígenas)
Debatedor(a)
Mariana Mora (Centro de Investigacione), Elisa Urbano Ramos (UFPE), Lauriene Seraguza olegário e Souza (UFGD)

Resumo:
Em regimes de governo declaradamente autoritários ou em contextos de conservadorismo e retração de direitos, os povos indígenas têm se articulado e mobilizado para o enfrentamento, denunciando o descumprimento de seus direitos fundamentais. No Brasil, por exemplo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) ao Tribunal Penal Internacional *(TPI), por genocídio. Este grupo de trabalho pretende reunir pesquisas, notadamente etnografias, que tenham acompanhado ações levadas a cabo por povos e organizações indígenas em processos de confrontação, de diversas naturezas, em face de violações de direitos ocorridas durante dois períodos históricos: a ditadura civil-militar (1964-1985) e o governo Bolsonaro. Em relação à política indigenista, esses dois governos se mostraram comprometidos com projetos de integracionismo dos povos, criando condições e incentivando arrendamento de terras, desmatamento, mineração, garimpo e negligência quanto à execução de políticas básicas de saúde e educação. Gostaríamos de colocar em diálogo trabalhos que analisem enfrentamentos em contextos diversos, desde mobilizações cotidianas de enfrentamento à pandemia de Covid-19 até respostas a perseguições, invasões e casos mais amplos que envolveram organizações de diversos povos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Etnografia dos processos de territorialização dos Pataxó de Barra Velha do Monte Pascoal.
Anna Kurowicka (UFPE)
Resumo: Essa proposta visa debater os efeitos das políticas indigenistas do governo Bolsonaro para a territorialidade do povo Pataxó, tendo como ponto da partida a etnografia dos processos de territorialização na TI Barra Velha do Monte Pascoal durante esse período. Os anos posteriores a impeachment da presidenta Dilma Russeff- os governos Temer, Bolsonaro e até o momento atual- trouxeram importantes mudanças para as formas como os Pataxó pensam o presente e o futuro do seu território. Relaxamento dos mecanismos de fiscalização, sucateamento das instituições responsáveis pelas execução das politicas públicas, recortes de financiamento: todos esses fatores contribuíram para que o Estado não fosse mais capaz de manter o controle dentro das Tis, entre elas dentro da TI Barra Velha do Monte Pascoal. As pressões de vários grupos de interesse econômico, como as dos agropecuaristas, da industria da celulose, do setor de turismo e imobiliário começaram ser cada vez mais perceptíveis no território Pataxó. As práticas ilegais como arrendamentos e vendas de terra, instalação dos empreendimentos pelos não-indígenas dentro da TI, apropriação pelos não-Pataxó dos recursos naturais do território - viraram frequentes. Essas ações foram naturalizadas pelos discursos sobre a suposta necessidade de desenvolvimento dos Pataxó’, de se introduzir dentro da economia nacional’ e de se integrar com a sociedade geral’. O mesmo discurso que o propagado pelo governo Bolsonaro, que tenta ao também relativizar as garantias constitucionais dos territórios indígenas e gera a divisão entre os próprios parentes. A TI Barra Velha do Monte Pascoal encontra-se em processo de demarcação desde o ano 2008, tendo só uma pequena parte do território homologada. É justamente nessa região onde se deu de forma mais visível o processo de perda territorial dos Pataxó (vendas, arrendamentos), principalmente na faixa de praia. Ao mesmo tempo, em outra região do território e que ainda está sem concluir o processo demarcatório, observamos um grande levante pela terra, apropriado pelos Pataxó como a Autodemarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal. A coincidência temporal desses dois processos aparentemente contraditórios chama atenção e incita para reflexionar sobre as possíveis confluências discursivas aqui presentes. Se no caso dos arrendamentos na beira da praia a evidencia do discurso e da práxis bolsonarista para sustentar a situação é evidente, já nas áreas das retomadas a realidade demostra muito mais sutilezas neste sentido. Essa apresentação quer contribuir para a discussão sobre a importância e a influencia do momento politico marcado pelo governo Bolsonaro para os processos de territorialização entre os Pataxó, repensando os novos atores, debates e estratégias presentes na luta neste contexto.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A Dupla Vida do Estado na Mobilização da Juventude Kaiowá e Guarani
Arthur Paiva Octaviano (UFSC)
Resumo: O presente trabalho é fruto de um acúmulo teórico e etnográfico de reflexões que partiram durante a feitura de minha dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGAnt/UFGD), onde me dediquei a pesquisar os efeitos dos dispositivos de criminalização, violência e punição do Estado e de sociedades civis e patronais vinculadas ao agronegócio como métodos para atravancar a mobilização política da juventude Kaiowá e Guarani na região sul de Mato Grosso do Sul, representada pelo coletivo Retomada Aty Jovem (RAJ). Durante a etnografia percebi que, na atual composição política dos jovens Kaiowá e Guarani, o Estado é visualizado como uma figura de contradição e equívoco, desempenhando, ora um papel de assistência e aliança, ora um papel repressivo e punitivo contra estes coletivos, utilizando de artifícios jurídicos, cristalizados em operações de reintegração de posse, que contam com um forte expediente policial, principalmente em áreas de retomadas. Este jogo de produção de uma política de boa distância (Levi Strauss, 2004), complexifica as relações (cosmo)políticas dos Kaiowá e Guarani, o Estado, entendido como o instrumento da política do modo de vida dos brancos karaí reko kuera, pode ser um aliado ou um inimigo - razão pela qual utilizo o termo dupla vida (Morel, 2023) para designar essas complexas relações - a depender das circunstâncias. Logo, a ação política do coletivo com o qual convivi por cerca de dois anos envolve uma produção instável e ao mesmo tempo recíproca de recusa e aproximação da instituição estatal. PALAVRAS CHAVE: Criminalização; Violência; Mobilização Indígena; Cosmopolítica; Ação Política; Etnologia Guarani

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
De Corumbiara à O Território: estrátegias de resistência indígena
Caio Helmer Gomes de Carvalho (UNIR)
Resumo: O presente trabalho se debruça sobre os documentários Corumbiara (2009) e O Território (2022) com o intuito de traçar paralelos e semelhanças entre os materiais propostos, para que se possa realizar uma análise crítica acerca do momento de edição das películas, e o atual momento histórico e político. Conta também com o recorte tanto etnográfico como geográfico, pois, ao se privilegiar tais documentários, enquanto objeto de pesquisa, busca-se investigar uma realidade local, onde se aborda a realidade dos povos indígenas e os desafios para a sua sobrevivência no estado de Rondônia, localizado ao norte do país. Para a realização da análise sociológica, foram feitas a análise textual fílmica, tal qual idealizada por Bill Nichols, e instrumentalizada por Casetti e Di Chio, em Como analizar un film. O método se constitui em dois momentos fundamentais para o processo: a decomposição e a recomposição do filme. No primeiro momento, a decomposição, se constitui a segmentação do filme e a análise desses segmentos. Já num segundo momento, é feita a inferência dos dados coletados e analisados. Para além do método de análise textual fílmica, a pesquisa também conta com estudo qualitativo e bibliográfico acerca dos conflitos socioambientais. A partir da análise textual fílmica dos documentários propostos, é possível aferir a adaptação por parte dos indígenas no estado de Rondônia, em relação aos anos que se seguiram entre um primeiro contato, como exposto no documentário de Vincent Carelli, Corumbiara”. Verificou-se, também, a instrumentalização tecnológica obtida pelos indígenas retratados em O Território, da etnia Uru-Eu-Wau-Wau. Tal processo além de retratar a realidade, foi utilizada para o auxílio da sua própria existência e resistência, diante dos avanços neocoloniais, e predatórios frequentemente associados ao capitalismo à brasileira em expansão, que vão de encontro ao seu modo de vida. Com a análise qualitativa, para além da análise textual dos filmes, é exequível o enfoque nos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais retratados nos filmes documentários, para que se possa investigar e analisar os conflitos socioambientais que se seguem nas relações desenvolvidas diante das películas estudadas. Identificando assim os atores sociais e políticos contidos nos documentários e os seus interesses, assim como os impactos que causados pelo aluguel capitalista do chão (WOOD; FOSTER, 1999) que, travestido de desenvolvimento, diante dos investimentos públicos-privados, que colocam em risco a vida dos povos autóctones da Amazônia. Mas que não só estes, como os únicos a serem afetados com a destruição da natureza, mas toda a vida na terra, em última escala.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Resistindo a Bolsonaro: uma análise sobre a mobilização dos Tupinambá da Serra do Padeiro, Bahia
Daniela Fernandes Alarcon (Ministério dos Povos Indígenas)
Resumo: Examinar a mobilização política dos Tupinambá da aldeia Serra do Padeiro (Terra Indígena - TI Tupinambá de Olivença, sul da Bahia) ao longo do mandato presidencial de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022) é o principal objetivo desta comunicação. Ela apresenta uma síntese dos resultados de projeto de investigação desenvolvido com apoio da Fundação Wenner Gren, por meio da linha de Pesquisa Engajada, com participação das pesquisadoras tupinambá Glicéria Jesus da Silva, Jéssica Silva de Quadros e Sthefany Ferreira da Silva. Em um quadro de graves violações de direitos de povos indígenas, quilombolas, camponeses e outros segmentos, viabilizadas pelo governo federal por atuação direta ou omissão, o movimento indígena emergiu como uma das principais forças de resistência ao bolsonarismo. Na descrição e análise das estratégias políticas engendradas na Serra do Padeiro no período, tomamos como pontos de partida cinco episódios-chave: a descoberta de um plano de extermínio visando lideranças indígenas, a tentativa de construção de um resort no território tupinambá, retrocessos no procedimento de demarcação da TI, a mobilização de forças repressivas contra ações protetivas adotadas pelos indígenas durante a pandemia de Covid-19 e a concessão de liminar em ação de reintegração de posse contra os indígenas. Por meio do exame pormenorizado de um caso concreto, buscamos contribuir com a produção sobre formas de ação coletiva levadas a cabo contemporaneamente por povos indígenas no Brasil.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Processo de recuperação territorial na Retomada Kaingang Gãh Ré, Morro Santana, Porto Alegre/RS
Eduarda Heineck Fernandes (UFRGS)
Resumo: Em 18 de outubro de 2022, poucos dias antes do segundo turno mais acirrado das eleições presidenciais contemporâneas, indígenas Kaingang retomaram seu território ancestral ao sopé do Morro Santana (Porto Alegre/RS) em área que, supostamente, pertencia a uma família de banqueiros que enriqueceu com a Ditadura Militar o Grupo Maisonnave, ou os maionese, como passaram a ser chamados pelos indígenas. Fruto de pesquisa etnográfica para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Ciências Sociais, busco aprofundar a discussão acerca da conjuntura específica da ação retomada (Alarcon, 2013), circunscrevendo-a na ideia de "drama social" (Turner, 1982) para, então, examinar o processo de territorialização a partir de situações sociais específicas, que dialogam com o cenário de crise e com a mobilização política da etnicidade e dos laços de parentescos. Convém destacar que esta coletividade kaingang estava territorializada na periferia do Morro Santana, região conhecida como Jardim do Verde e, que a partir de uma tentativa de reintegração de posse, de ameaças de grupos ligados ao tráfico de drogas e de assédio da especulação imobiliária, os indígenas resolveram retomar seu território ancestral, para que as gerações mais novas pudessem crescer e reproduzir o modo de vida dos kofá, os antigos kaingang. Insere-se, portanto, no âmbito das discussões sobre conflitos fundiários e a resistência indígena, visando à garantia do modo de vida kaingang e à preservação do meio ambiente.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Três retomadas Kaiowá e Guarani diante da Quarta Guerra Mundial: terror e insurreição no Mato Grosso do Sul
Felipe Mattos Johnson (Universidade de Lisboa)
Resumo: As retomadas dos Tekoha Kaiowá e Guarani consistem em recuperações de territórios ancestrais, ações orientadas e conduzidas pelos nhanderu (rezadores) e nhandesy (rezadoras) destes povos. Tais ações começam a ocorrer principalmente a partir do final da década de 1970 no sul do Mato Grosso do Sul (MS). Este período é caracterizado por intensa atividade extrativista e um novo dimensionamento dos monocultivos de grãos e da consolidação da propriedade privada da terra, escalonando bruscas transformações na paisagem, em especial, no macroterritório denominado pelos Kaiowá e Guarani de Ka’aguyrusu (“mata densa”), associadas a remoções forçadas de suas terras. Contemporaneamente, a emergência de novas retomadas desafia a simbiose entre Estado, latifúndio e corporações transnacionais. Este trabalho intentará discutir, a partir de uma etnografia militante em curso junto aos Kaiowá e Guarani, as políticas e os efeitos do terror de Estado e do latifúndio corporativo mediante o massacre como forma de acumulação e de dominação, efetuado por meio da pressão das plantations de soja e milho transgênico contra três retomadas recentemente mobilizadas por estes povos. Nomeadamente, o tekoha Jopara (município de Coronel Sapucaia), o tekoha Guapo’y Mirim Tujury (município de Amambai) e o tekoha Laranjeira Nhanderu (município de Rio Brilhante) serão os territórios focalizados neste estudo. A escolha destas retomadas diz respeito aos casos emblemáticos de violência enfrentados pelas comunidades, respectivamente 1) o assassinato do jovem Alex Lopes em maio de 2022; 2) o Massacre de Guapo’y, realizado pela Polícia Militar do MS em junho de 2022, seguido da execução de dois indígenas nas semanas seguintes; 3) a tentativa de despejo ilegal, que resultou na prisão de três pessoas na comunidade em questão. Através dos aportes da teoria zapatista da Quarta Guerra Mundial, o plantationceno como categoria analítica e as narrativas e testemunhos partilhados por interlocutores Kaiowá e Guarani dos tekoha que compõe este recorte de pesquisa, buscaremos debater a relação da pilhagem dos comuns ou forças vitais - transformadas em monoculturas maquinizadas e resguardadas por infraestruturas bélicas com os mecanismos de violência (para)estatal e privada que atingem as vidas cotidianas destes povos, no lastro de um Estado de Exceção permanente que vigora no MS (Mattos Johnson, 2021). Aqui, a pergunta de Veena Das nos move: o que é recolher os pedaços e viver nesse lugar de devastação? (2020:27). A questão permite localizar as insurgências que fazem brotar a reprodução e recomposição das relações sociocosmológicas e modos de existir face aos traumas resultantes das violações em análise, deslocando nosso olhar para as múltiplas práticas de resistência implicadas no ato de retomar.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Excepcionalidade do Estado e Políticas de Reparação: uma reflexão a partir da (cosmo)política de memória Xakriabá
Juliana Ventura de Souza Fernandes (IFMG)
Resumo: Partindo de uma etnografia centrada na perspectiva do povo indígena Xakriabá a respeito da ditadura militar o tempo da guerra ou da luta pela terra objetiva-se refletir sobre uma forma particular de exercício da política, que chamaremos (cosmo)política de memória. As violências do tempo da guerra são compreendidas e agenciadas por um conjunto múltiplo de seres, que incluem os corpos indígenas, a cultura e os gerais (Cerrado), entre outros. O enfrentamento a essa guerra mobilizou um processo complexo de retomadas, em movimentos de reativação da memória do território (Célia Xakriabá). Esse processo segue assumindo significativa importância para os Xakriabá, revelando o que poderíamos chamar de uma pedagogia resistente movimentos ativos, conectados às estratégias de luta territorial e à narrativa de verdadeiras histórias implicando, como diz seu Valdemar Xakriabá, o pequeno, até quem ainda não nasceu, ou que não sabe onde tá, já que todos têm parte nessa luta de sangue derramado”. Os diferentes elementos dessa pedagogia, além da produção de uma narrativa contracolonial e contramestiça, colocam-se a serviço de um devir da possibilidade de continuidade da vida e do bem viver no território e se expressam, por exemplo, nos espaços de reflexão, que anualmente recordam a chacina das lideranças Xakriabá nos anos 1980. Do ponto de vista do Estado, essa violência foi justificada a partir da negação da indianeidade Xakriabá em virtude de seu relacionamento com povos quilombolas - o que retiraria seu estatuto de "verdadeiros indígenas". Essa discussão pode trazer elementos para a proposição do que pode significar uma política de reparação para o caso dos povos indígenas, como também a uma leitura sobre as formas pelas quais alguns povos indígenas veem se relacionando com os passados e presentes violentos e com a excepcionalidade da política que ataca seus territórios.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Resistência indígena durante o Estado Novo e a ditadura civil-militar no sul da Bahia
Jurema Machado de Andrade Souza (UFRB)
Resumo: A comunicação propõe refletir, a partir de narrativas indígenas, literatura e material jornalístico, sobre os enfrentamentos protagonizados pelo povo Pataxó Hãhãhãi da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, localizada no sul da Bahia, durante dois períodos de exceção vivenciados pelo Estado brasileiro: o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura civil-militar (1964-1985). Entre os anos de 1937 e 1938, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) procedeu à demarcação das terras da reserva, que havia criado em 1926. Ocorre que ela não contemplou toda a área inicialmente reservada, e os jornais da época noticiaram que os indígenas realizaram um "levante comunista", acusando-os, assim como o chefe de posto do SPI, de pertencerem ao Partido Comunista do Brasil (PCB) (Lins, 2007). O objetivo de uma apresentação sobre esse período não se restringe a uma descrição simples dos fatos; busca-se, antes, analisar como as narrativas dos indígenas, dos jornais e da literatura trataram as ações de enfrentamento e resistência indígena frente às acusações. Note-se que as narrativas indígenas reputam a esse evento a sua capacidade de mobilização e organização nos anos 1970 para reaver áreas da terra indígena invadida entre as décadas de 1930 e 1970. Criado em 1976, o grupo intitulado Luta pela Terra representou o começo das mobilizações para recuperar o território. Ele era formado por indígenas do povo Pataxó Hãhãhãi que se encontravam em localidades distintas, tanto no interior da terra indígena como em seu entorno. Considerando o Estado Novo e a ditadura civil-militar como uma continuidade histórica, os Pataxó Hãhãhãi constroem suas narrativas considerando o Estado como um ente tutor, ao mesmo tempo incentivador das invasões, opressor e repressivo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Redes e Relações: Um estudo sobre povos indígenas isolados no Vale do Javari
Luisa Suriani (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato)
Resumo: A porção leste da Terra Indígena Vale do Javari é a região com a maior presença confirmada de coletivos indígenas em isolamento, categoria usada pelo Estado que se refere a determinado grupo indígena que não estabelece relações frequentes com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas - Funai. Esses coletivos são conhecidos como Flecheiros devido ao uso de arco e flecha e se diferenciam dos Caceteiros, grupos historicamente korubo que costumam usar bordunas para desferir ataques a terceiros (Coutinho, 1998:43). Os episódios de conflitos entre os Flecheiros e madeireiros precede a chegada da Petrobras, que em 1983 inicia os trabalhos de pesquisa sismográfica para prospecção de petróleo e gás natural nos rios Jutaí, Jandiatuba e Javari. (Coutinho, 1998:42), pouco tempo depois são trazidos por volta de 400 trabalhadores da Companhia Brasileira de Geofísica (CBG), que passam a ocupar acampamentos na margem dos rios Itaquaí e Jandiatuba. (ibidem, 1998:42). Este trabalho reflete sobre o isolamento de coletivos indígenas no interflúvio dos rios Itaquaí, Jandiatuba e Jutaí (Góis, 2023:69) a partir das ações da Petrobrás na região, para tanto recupero relatos de conflitos entre agentes do Estado e indígenas. Devido aos conflitos e violências sofridas por esses povos é possível interpretar a escolha pelo isolamento como um processo de resistência ou como declaração de recusa ao Estado (Ribeiro; Aparicio: Matos, 2022). Por outro lado, busco produzir uma crítica etnológica ao conceito de isolamento a partir de narrativas indígenas que evidenciam outros contextos de socialidade na região. Seguirei para tanto as estratégias de manifestação utilizadas pelos ditos isolados, seguindo a comunicação que há entre eles, os não isolados, os animais, plantas, espíritos etc.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Etnografias de processos de resistência de povos indígenas em Estados e governos de exceção: o caso Pataxó do extremo-sul da Bahia
Maria Rosário Gonçalves de Carvalho (Univeridade Federal da Bahia /UFBA)
Resumo: Os fatos que serão aqui preliminarmente apresentados constituem uma espécie de núcleo duro da história de vicissitudes dos Pataxó ao longo do período compreendido entre 1937 e1945, quando o Brasil viveu um regime de exceção, o Estado Novo, articulado e chefiado pelo presidente Getúlio Vargas, com o apoio dos chefes militares.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Sem demarcação não há democracia": movimento indígena nacional na disputa hegemônica
Marina A. R. de Mattos Vieira (UNICAMP), Artionka Manuela Góes Capiberibe (UNICAMP)
Resumo: Entre 2017 e 2022, houve uma escalada no ataque aos direitos indígenas no Brasil. Governos declaradamente anti-indígenas promoveram o seu extermínio por meio de discursos, atos normativos e desestruturação de órgãos indigenistas oficiais. Na posição antagônica, o movimento indígena, representado nacionalmente pela maior instância de aglutinação de suas organizações, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), também intensificou a sua luta. Os protestos em Brasília se ampliaram, conquistas no campo jurídico foram observadas e o número de candidaturas indígenas cresceu, seguindo uma estratégia planejada de aldear a política institucional e ocupar espaços de decisão cruciais para a defesa de seus direitos. Em 2022, foi a primeira vez que se observou nos quase 20 anos de história da APIB, a coordenação de candidaturas indígenas alinhadas na luta em defesa de seus direitos, em especial, do direito à terra. Também foi inédito o apoio explícito do movimento à campanha de um candidato à presidência, Lula, em uma ampla articulação para retirar do poder a força política que atuou como inimiga dos povos indígenas. No presente trabalho, analisamos como a APIB aderiu à disputa hegemônica, sobretudo, nas eleições presidenciais de 2022. Para Laclau e Mouffe (1985), hegemonia é uma prática discursiva que articula uma polifonia de demandas em uma cadeia de equivalências capaz de criar uma unidade contingencial, fixada apenas parcialmente e cujo sentido é expresso em torno de um significante vazio. Em 2022, talvez o mais importante significante vazio em disputa por projetos políticos antagônicos tenha sido o termo democracia”. Demonstramos como o movimento indígena mobilizou este termo, preenchendo-o com significados próprios e históricos de sua luta, ao articulá-lo com a demarcação de terras indígenas em seu mote de campanha sem demarcação, não há democracia, ao mesmo tempo aderindo a uma certa unidade contingencial antibolsonarista. Nosso método consiste na análise qualitativa do discurso das cartas lançadas a cada ano (de 2004 a 2023) na principal mobilização do movimento indígena nacional, o Acampamento Terra Livre (ATL), que vem sendo organizado pela APIB desde a sua criação. Complementarmente, apresentamos observações etnográficas do ATL de 2023. A partir de um exercício interdisciplinar entre teorias políticas e antropológicas, refletimos como a adesão da APIB nessa disputa pode ser entendida como uma estratégia tanto de adaptação resistente (Albert 1993) frente a uma hegemonia política genocida, quanto de acordos pragmáticos (Almeida 2013; 2021) com parcelas da sociedade empenhadas em construir novos discursos e ação política pautada naquilo que vem sendo chamado, principalmente pela antropologia, de pluralismo ontológico.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Povos indígenas no Maranhão e as políticas de controle e homogeneização do Estado civil-militar: a luta por acesso à saúde durante a pandemia da Covid-19.
Rodrigo Theophilo Folhes (UFMA), Daisy Damasceno Araújo (IFMA), Ana Caroline Amorim Oliveira (UFMA)
Resumo: O presente trabalho traz como proposta de análise a luta por acesso à saúde dos povos indígenas em retomada no Maranhão, durante a pandemia da Covid-19, especialmente o contexto da vacinação dos Akroá Gamella, Anapuru Muypurá, Kariú-Kariri, Tremembé da Raposa, Tremembé do Engenho e Tupinambá, no ano de 2021. Diante de todo o histórico de desterritorializações e conflitos violentos que marcam a existência desses povos, durante a pandemia da Covid-19 os povos se depararam com o retorno de um antigo debate sobre os critérios de indianidade estabelecido pelo indigenismo oficial. A contenda se instaurou em virtude de deliberações das políticas indigenistas postas em prática pelo governo federal, sobretudo a partir do lançamento do Plano Nacional de Imunização (PNI), que estabeleceu a categoria indígena aldeado em terras demarcadas, e a publicação da Resolução n. 4/2021 da FUNAI, em que se criou critérios jurídicos para determinar quem é ou não é indígena. Os documentos evidenciavam o projeto do governo Bolsonaro em promover a exclusão de políticas públicas voltadas aos povos indígenas. Ainda em 2020, os mesmos povos haviam denunciado a recusa, por parte do Distrito Sanitário Especial Indígena no Maranhão (DSEI/MA), em prestar atendimento específico e diferenciado no tratamento contra a Covid-19, sob a justificativa do cumprimento dos critérios de indianidade e a alegação de que os mesmos deveriam ser atendidos pelo SUS dos municípios onde encontram-se localizados. No dia 25 de janeiro de 2021, os povos redigiram a primeira Carta Aberta denunciando a exclusão dos mesmos no Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, argumentando que são duplamente violentados e penalizados e que o plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil”. Após a carta, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) garantiu em nota que tanto os Tremembé quanto os Akroá Gamella haviam iniciado processo de imunização, além de reforçar a atuação da Força Estadual de Saúde do Maranhão (FESMA) para atuar junto ao DSEI no processo de vacinação dos indígenas. Manifestou-se, ainda, favorável ao diálogo com os povos Kariri, Anapuru Muypurá e Tupinambá para garantir a vacinação dos mesmos, além do diálogo com movimentos sociais, representantes do CIMI e da CNBB e demais interessados. Após a circulação e impacto do primeiro documento, outras cartas foram redigidas e novas estratégias de articulação e resistências, visando garantir o acesso à saúde de forma específica e diferenciada, foram traçadas pelos povos, culminando em uma dinâmica de fortalecimento de seus processos de retomada, luta por reconhecimento e garantia de direitos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O movimento indígena brasileiro e as mobilizações sociolegais contra a mineração no Sistema Interamericano de Direitos Humanos
Sandro Henrique Calheiros Lôbo (CESMAC Sertão), Sandro Henrique Calheiros Lôbo (CESMAC Sertão)
Resumo: O artigo aborda o protagonismo dos movimentos indígenas brasileiros junto ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), entendido como importante instrumento de resistência contra a ação/omissão do Estado em razão do avanço do garimpo ilegal e as tentativas de legalizar a mineração nos territórios indígenas. Essas mobilizações sociolegais são caracterizados como uma forma de ação coletiva pautada pela ambientalização das lutas políticas (ACSELRAD, 2010), contra a expansão das fronteiras do agronegócio e da mineração nos territórios tradicionais, para constituição como um caso de direitos humanos (SEGATTO, 2006). Foram pesquisados diversos documentos como publicações de matérias jornalísticas relativas a conflitos minerais em terras indígenas, bem como informes produzidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) para as agências da ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), visando entender a atuação dessa organização indígena nesses fóruns internacionais, a partir de um diálogo interdisciplinar entre a Antropologia e o Direito. PALAVRAS-CHAVE: MOVIMENTO INDÍGENA. SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS. MINERAÇÃO.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcha das Mulheres Indígenas em destaque: concepções e ações etnopolíticas femininas pelos direitos dos povos indígenas no Brasil
Thamires Pessanha Angelo (UFAM), Maria Helena Ortolan (UFAM)
Resumo: Cada vez mais o tema "movimento de mulheres indígenas" vem conquistando interesses etnográficos pela sua relevância analítica para os estudos que abordam a política indígena e política indigenista do Estado brasileiro. Neste GT, propomos apresentar, a partir de pesquisa de Doutorado em Antropologia Social, nossas reflexões sobre como a Marcha de Mulheres Indígenas se tornou um dos eventos políticos de maior destaque entre os diversos movimentos sociais brasileiros. Nos últimos anos, milhares de mulheres etnicamente diferenciadas têm ocupado Brasília com força reivindicativa em defesa dos direitos dos povos indígenas, organizadas em delegações provenientes de vários estados do país. A primeira edição da Marcha das Mulheres Indígenas foi realizada em Brasília entre 9 e 14 de agosto de 2019, com o tema principal Território: nosso corpo, nosso espírito”. Em 2021, foi realizada a segunda edição, entre 07 e 10 de setembro, com a presença de mais de cinco mil mulheres indígenas, provenientes de cento e setenta e duas etnias distintas. O tema da Marcha foi: Mulheres originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra. O contexto político da época era de tensão que prevalecia pelo Governo Federal brasileiro estar posicionado declaradamente contra os direitos indígenas, tendo na Presidência da República Jair Messias Bolsonaro. Durante a Marcha, no dia 07 de setembro, ocasião de evento comemorativo em Brasília pelo Dia da Independência do Brasil, Brasília foi tomada por caminhoneiros mobilizados em apoio à política presidencial, como demonstração de força política. Por conta da insegurança resultante das hostilidades advindas de apoiadores do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, o deslocamento de mobilização política das mulheres indígenas em direção à Esplanada dos Ministérios, que estava marcada para acontecer no dia 8 de setembro, teve que ser adiada. Somente dois dias depois do programado, ocorreu o deslocamento de mobilização, com a trajetória de deslocamento também modificada - estava previsto para percorrer a Esplanada, no entanto, os caminhoneiros já estavam ocupando o local e as mulheres indígenas tiveram que negociar a autorização do Governo do Distrito para sua mobilização poder percorrer e, desta vez, em uma das principais avenidas de Brasília - W3 Sul. Também em 2022 ocorreu a Caravana das Originárias, resultante da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, com finalidade de promover ações de fortalecimento, protagonismo, acolhimento, reflexão da importância dos Biomas e territórios de todo o Brasil (ANMIGA, 2022)”. Em 2023, entre os dias 10 (incluindo a chegada das delegações) e 13 de setembro, realizou-se em Brasília a terceira Marcha das Mulheres Indígenas, com o tema Mulheres Biomas e Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Estratégias de resistência terena em uma conjuntura da política indigenista da ditadura civil-militar
Victor Ferri Mauro (UFMS)
Resumo: Apoiado em informações captadas em obras científicas, reportagens e em arquivos públicos, investigamos aqui os chamados Projetos de Desenvolvimento Comunitário que a Fundação Nacional do Índio (Funai) empreendeu nas reservas do povo Terena em fins dos anos 1970 e no quinquênio posterior, inserindo a agricultura mecanizada nas aldeias. Analisamos as expectativas, interesses e estratégias dos indígenas que aderiram à essa proposta e dos agentes públicos que a conceberam e lideraram sua execução. Os resultados alcançados (ou não) e a avaliação de membros da referida etnia sobre o desempenho dessas ações são por nós observados. Conclui-se que o compromisso do governo de garantir a autossuficiência das comunidades através de tais planos não se cumpriu nem mesmo em curto prazo. Por trás dessa promessa havia a intenção ardilosa do Estado em revogar a tutela legal dos indígenas, retirar-lhes a assistência continuada e suprimir direitos territoriais. Os tais projetos não valorizaram as tradições de plantio dos Terena, que tiveram que se render a novas rotinas e disciplinas, não sem contestação. Após um curto período de expansão, as atividades sucumbiram por retardo e diminuição no repasse de insumos e verbas. Em paralelo, a Funai deixou de proceder a ampliação dos limites das áreas indígenas reivindicada pelas comunidades. Por consequência, a dependência econômica e a insegurança alimentar se agravaram, resultando na intensificação das migrações para as cidades e do engajamento dos trabalhadores locais em empreitadas em fazendas e destilarias da região do Pantanal sul-mato-grossense. Danos ambientais de difícil reversão foram deflagrados nas áreas indígenas devido, dentre outros fatores, ao desmatamento, ao uso contínuo do maquinário e o desrespeito da necessidade de pousio do solo. No entanto, os Terena não deixaram de ativar a todo momento suas estratégias políticas ora mais diplomáticas, ora abertamente combativas - de resistência à dominação que o Estado buscava impingir a eles. E, pelo menos em parte, foram bem-sucedidos. A própria agricultura tradicional de subsistência não deixou de ser praticada por todos os integrantes do grupo, embora as condições fossem limitadas. No período da redemocratização do país, como consequência da organização do movimento indígena nacional e como reação ao confinamento socioespacial ao qual foram relegados, os Terena intensificaram a luta coletiva pela recuperação do controle de seus territórios ancestrais, encarando até hoje intrincados embates com o poder público e com a elite agrária de Mato Grosso do Sul.