Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 055: Etnografias de processos de resistência de povos indígenas em Estados e governos de exceção
Três retomadas Kaiowá e Guarani diante da Quarta Guerra Mundial: terror e insurreição no Mato Grosso do
Sul
As retomadas dos Tekoha Kaiowá e Guarani consistem em recuperações de territórios ancestrais, ações
orientadas e conduzidas pelos nhanderu (rezadores) e nhandesy (rezadoras) destes povos. Tais ações começam a
ocorrer principalmente a partir do final da década de 1970 no sul do Mato Grosso do Sul (MS). Este período é
caracterizado por intensa atividade extrativista e um novo dimensionamento dos monocultivos de grãos e da
consolidação da propriedade privada da terra, escalonando bruscas transformações na paisagem, em especial,
no macroterritório denominado pelos Kaiowá e Guarani de Kaaguyrusu (mata densa), associadas a remoções
forçadas de suas terras. Contemporaneamente, a emergência de novas retomadas desafia a simbiose entre
Estado, latifúndio e corporações transnacionais. Este trabalho intentará discutir, a partir de uma
etnografia militante em curso junto aos Kaiowá e Guarani, as políticas e os efeitos do terror de Estado e do
latifúndio corporativo mediante o massacre como forma de acumulação e de dominação, efetuado por meio da
pressão das plantations de soja e milho transgênico contra três retomadas recentemente mobilizadas por estes
povos. Nomeadamente, o tekoha Jopara (município de Coronel Sapucaia), o tekoha Guapoy Mirim Tujury
(município de Amambai) e o tekoha Laranjeira Nhanderu (município de Rio Brilhante) serão os territórios
focalizados neste estudo. A escolha destas retomadas diz respeito aos casos emblemáticos de violência
enfrentados pelas comunidades, respectivamente 1) o assassinato do jovem Alex Lopes em maio de 2022; 2) o
Massacre de Guapoy, realizado pela Polícia Militar do MS em junho de 2022, seguido da execução de dois
indígenas nas semanas seguintes; 3) a tentativa de despejo ilegal, que resultou na prisão de três pessoas na
comunidade em questão. Através dos aportes da teoria zapatista da Quarta Guerra Mundial, o plantationceno
como categoria analítica e as narrativas e testemunhos partilhados por interlocutores Kaiowá e Guarani dos
tekoha que compõe este recorte de pesquisa, buscaremos debater a relação da pilhagem dos comuns ou forças
vitais - transformadas em monoculturas maquinizadas e resguardadas por infraestruturas bélicas com os
mecanismos de violência (para)estatal e privada que atingem as vidas cotidianas destes povos, no lastro de
um Estado de Exceção permanente que vigora no MS (Mattos Johnson, 2021). Aqui, a pergunta de Veena Das nos
move: o que é recolher os pedaços e viver nesse lugar de devastação? (2020:27). A questão permite localizar
as insurgências que fazem brotar a reprodução e recomposição das relações sociocosmológicas e modos de
existir face aos traumas resultantes das violações em análise, deslocando nosso olhar para as múltiplas
práticas de resistência implicadas no ato de retomar.
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