ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 055: Etnografias de processos de resistência de povos indígenas em Estados e governos de exceção
Três retomadas Kaiowá e Guarani diante da Quarta Guerra Mundial: terror e insurreição no Mato Grosso do Sul
As retomadas dos Tekoha Kaiowá e Guarani consistem em recuperações de territórios ancestrais, ações orientadas e conduzidas pelos nhanderu (rezadores) e nhandesy (rezadoras) destes povos. Tais ações começam a ocorrer principalmente a partir do final da década de 1970 no sul do Mato Grosso do Sul (MS). Este período é caracterizado por intensa atividade extrativista e um novo dimensionamento dos monocultivos de grãos e da consolidação da propriedade privada da terra, escalonando bruscas transformações na paisagem, em especial, no macroterritório denominado pelos Kaiowá e Guarani de Ka’aguyrusu (“mata densa”), associadas a remoções forçadas de suas terras. Contemporaneamente, a emergência de novas retomadas desafia a simbiose entre Estado, latifúndio e corporações transnacionais. Este trabalho intentará discutir, a partir de uma etnografia militante em curso junto aos Kaiowá e Guarani, as políticas e os efeitos do terror de Estado e do latifúndio corporativo mediante o massacre como forma de acumulação e de dominação, efetuado por meio da pressão das plantations de soja e milho transgênico contra três retomadas recentemente mobilizadas por estes povos. Nomeadamente, o tekoha Jopara (município de Coronel Sapucaia), o tekoha Guapo’y Mirim Tujury (município de Amambai) e o tekoha Laranjeira Nhanderu (município de Rio Brilhante) serão os territórios focalizados neste estudo. A escolha destas retomadas diz respeito aos casos emblemáticos de violência enfrentados pelas comunidades, respectivamente 1) o assassinato do jovem Alex Lopes em maio de 2022; 2) o Massacre de Guapo’y, realizado pela Polícia Militar do MS em junho de 2022, seguido da execução de dois indígenas nas semanas seguintes; 3) a tentativa de despejo ilegal, que resultou na prisão de três pessoas na comunidade em questão. Através dos aportes da teoria zapatista da Quarta Guerra Mundial, o plantationceno como categoria analítica e as narrativas e testemunhos partilhados por interlocutores Kaiowá e Guarani dos tekoha que compõe este recorte de pesquisa, buscaremos debater a relação da pilhagem dos comuns ou forças vitais - transformadas em monoculturas maquinizadas e resguardadas por infraestruturas bélicas com os mecanismos de violência (para)estatal e privada que atingem as vidas cotidianas destes povos, no lastro de um Estado de Exceção permanente que vigora no MS (Mattos Johnson, 2021). Aqui, a pergunta de Veena Das nos move: o que é recolher os pedaços e viver nesse lugar de devastação? (2020:27). A questão permite localizar as insurgências que fazem brotar a reprodução e recomposição das relações sociocosmológicas e modos de existir face aos traumas resultantes das violações em análise, deslocando nosso olhar para as múltiplas práticas de resistência implicadas no ato de retomar.