Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 055: Etnografias de processos de resistência de povos indígenas em Estados e governos de exceção
"Sem demarcação não há democracia": movimento indígena nacional na disputa hegemônica
Entre 2017 e 2022, houve uma escalada no ataque aos direitos indígenas no Brasil. Governos
declaradamente anti-indígenas promoveram o seu extermínio por meio de discursos, atos normativos e
desestruturação de órgãos indigenistas oficiais. Na posição antagônica, o movimento indígena, representado
nacionalmente pela maior instância de aglutinação de suas organizações, a Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB), também intensificou a sua luta. Os protestos em Brasília se ampliaram, conquistas no campo
jurídico foram observadas e o número de candidaturas indígenas cresceu, seguindo uma estratégia planejada de
aldear a política institucional e ocupar espaços de decisão cruciais para a defesa de seus direitos. Em
2022, foi a primeira vez que se observou nos quase 20 anos de história da APIB, a coordenação de
candidaturas indígenas alinhadas na luta em defesa de seus direitos, em especial, do direito à terra. Também
foi inédito o apoio explícito do movimento à campanha de um candidato à presidência, Lula, em uma ampla
articulação para retirar do poder a força política que atuou como inimiga dos povos indígenas. No presente
trabalho, analisamos como a APIB aderiu à disputa hegemônica, sobretudo, nas eleições presidenciais de 2022.
Para Laclau e Mouffe (1985), hegemonia é uma prática discursiva que articula uma polifonia de demandas em
uma cadeia de equivalências capaz de criar uma unidade contingencial, fixada apenas parcialmente e cujo
sentido é expresso em torno de um significante vazio. Em 2022, talvez o mais importante significante vazio
em disputa por projetos políticos antagônicos tenha sido o termo democracia. Demonstramos como o movimento
indígena mobilizou este termo, preenchendo-o com significados próprios e históricos de sua luta, ao
articulá-lo com a demarcação de terras indígenas em seu mote de campanha sem demarcação, não há democracia,
ao mesmo tempo aderindo a uma certa unidade contingencial antibolsonarista. Nosso método consiste na análise
qualitativa do discurso das cartas lançadas a cada ano (de 2004 a 2023) na principal mobilização do
movimento indígena nacional, o Acampamento Terra Livre (ATL), que vem sendo organizado pela APIB desde a sua
criação. Complementarmente, apresentamos observações etnográficas do ATL de 2023. A partir de um exercício
interdisciplinar entre teorias políticas e antropológicas, refletimos como a adesão da APIB nessa disputa
pode ser entendida como uma estratégia tanto de adaptação resistente (Albert 1993) frente a uma hegemonia
política genocida, quanto de acordos pragmáticos (Almeida 2013; 2021) com parcelas da sociedade empenhadas
em construir novos discursos e ação política pautada naquilo que vem sendo chamado, principalmente pela
antropologia, de pluralismo ontológico.