Grupos de Trabalho (GT)
GT 050: Entre arte e política: articulações contemporâneas em pesquisas antropológicas
Coordenação
Glauco Batista Ferreira (PPGAS/UFG), Vi Grunvald (UFRGS)
Resumo:
Em continuidade às reflexões desenvolvidas em Grupos de Trabalho da RBA e da RAM e em Simpósios Temáticos do Encontro Anual da ANPOCS, esta proposta tem como foco práticas e sujeitos sociais que operam nos interstícios entre arte e política. No cenário antropológico contemporâneo, são constantes as investigações que buscam analisar ações sociais que se processam através de imagens, sons, materialidades, objetos, performances e formas expressivas que, não raro, se coadunam em processos de organização coletiva e mobilizações sociais que apontam o rico potencial transformativo de agências que são, simultaneamente, artísticas e políticas. Por outro lado, pelo menos desde os anos 2000, tem se intensificado, em nossa disciplina, o que podemos caracterizar como “virada artística” e que aponta para uma aproximação entre arte e antropologia do ponto de vista de suas práticas e fazeres, enfatizando novos caminhos etnográficos possíveis para exprimir os resultados de nossas pesquisas, bem como atentando para outras possibilidades metodológicas de construção das mesmas. Nesse sentido, buscamos acolher tanto pesquisas que, ao se debruçarem sobre o campo artístico, enfatizam suas potencialidades políticas (e vice-versa) quanto aquelas nas quais o fazer etnográfico opera a partir de produções que mesclam antropologia e práticas artísticas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amanda Dias Winter (UFRGS)
Resumo: A proposta atual baseia-se nos estágios iniciais de minha pesquisa de mestrado, que investiga o impacto da deficiência visual na experiência de ser e estar no mundo, explorando a relação entre pessoas cegas ou com baixa visão e a produção de imagens e autorrepresentação. Utilizando o ato (também) político de registrar e, desse modo, reivindicar participação em um mundo visual, busco compreender a produção de imagens para além da visualidade convencional.
Considerando o poder evocativo da imaginação para criar e compartilhar mundos onde a percepção se estende além dos olhos, o objetivo é ampliar a compreensão da diversidade de corporeidades e experiências vividas em direção a uma "acessibilidade transformativa". Isso envolve compreender como diferentes modos sensoriais afetam a percepção e representação das experiências, ao mesmo tempo em que se questionam noções tradicionais de produção de imagens à luz da singularidade da condição corporal da deficiência visual.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ana Inês Aires Mesquita Vieira Ferreira (Universidade Lusófona - Centro Universitário de Lisboa)
Resumo: Em 2024 celebram-se 50 anos da revolução do 25 de Abril em Portugal, do momento em que Chico Buarque cantou Sei que está em festa, pá / Fico contente / E enquanto estou ausente / Guarda um cravo para mim. Várias são as memórias que se ins/escrevem deste momento de ruptura política e social, em diferentes pontos geográficos de luta, resistência e solidariedade e sob diferentes ângulos de observação e registo.
Na sequência de uma recolha etnográfica com base em depoimentos orais, memórias escritas e documentação escrita e visual, em paralelo com formação e prática metodológica na transição entre etnografia e teatro documental, propõe-se um esboço de etnodrama sobre memórias de educação popular na revolução portuguesa.
Sobretudo até 25 de novembro de 1975, em diversos territórios e contextos organizacionais portugueses houve debates e experiências no âmbito da educação popular, que, com leituras maioritariamente freireanas, interpelavam a educação formal e criavam dinâmicas educativas em contextos não necessariamente escolares. Se parte destas campanhas de educação popular e dinamização cultural, proximamente relacionadas com iniciativas de alfabetização e de valorização do conhecimento e das expressões do povo enquanto classe trabalhadora (ainda não necessariamente instruída, mas visando a sua alfabetização associada ao seu envolvimento cívico e político), eram promovidas e apoiadas por organizações de cunho mais estatal, outras emergiam de comissões de moradores e de trabalhadores e outras organizações associativas com enfoque no campo cultural. É o caso do Centro de Estudos Educação e Cultura (C.E.E.C.), que funcionou no Porto com particular dinamismo na década de 1970. Localizado numa zona com forte presença operária, o C.E.E.C. começou por funcionar como centro de apoio de e para jovens estudantes, os quais expandiram essa base organizacional para repensar as estruturas educativas de inspiração revolucionária e desenvolveram campanhas de alfabetização com diversas comissões de moradores e com os trabalhadores de uma fábrica local de borracha.
Neste esboço de etnodrama procura-se apresentar uma história da experiência do C.E.E.C., exemplar de movimentos populares pela educação revolucionária em Portugal, através de um texto dramático com base no real, conjugando abordagens de investigação qualitativa com princípios de prática artística, na senda metodológica proposta por Johnny Saldaña.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
André Gouvêa Andrade (UFMG)
Resumo: Acompanhando minha pesquisa de dissertação, a proposta deste trabalho é falar sobre o Carnaval de Belo Horizonte e das letras das canções mineiras, com o intuito de me aprofundar na efervescência cultural vivida pela cidade, nos últimos 15 anos; e catalisada pelo surgimento da Praia da Estação. A Praia foi uma manifestação popular, surgida a partir de uma performance teatral, que tinha como objetivo transformar o espaço da Praça da Estação em um local para banhistas. Como forma de propor novas ocupações do território urbano. A manifestação, que surgiu ao final de 2009, ganhou forças em 2010, junto ao Carnaval de Beagá. Isso ocorreu, pois a partir da Praia da Estação, muitas estudantes universitárias, artistas e ativistas políticos, passaram a se conhecer, e com isso, novas coletividades, formadas graças aos blocos de Carnaval, começaram a surgir, agregando gradativamente, também pessoas periféricas. O número de blocos e foliões na cidade avançou de forma exponencial. E em um intervalo de menos de 15 anos, Belo Horizonte já tem hoje um dos maiores carnavais do Brasil, tanto em número de público, quanto em número de blocos.
Um dos objetivos desta pesquisa é tratar deste crescimento das festividades na cidade, como uma efervescência cultural por qual passa Belo Horizonte atualmente. Para isso, trabalharemos com a ideia de que o Carnaval da cidade pode ser definido como uma Movimentação Artístico-Cultural. Movimentação, compreendida com um sentido diferente de Movimento Artístico, pois enquanto o Movimento é algo fechado, com número delimitado de participantes e orientações objetivas das preocupações estéticas de seus membros; uma Movimentação é algo mais transversal, aberto a porosidades, e com associações mais livres. Portanto, utilizamos nesta pesquisa, como Movimentação Artístico-Cultural, três categorias para defini-la: Vanguardista, Rizomática e Antropofágica. Vanguardista, no sentido de Gonzalo Aguilar, como algo que rompe com a estética dominante de sua contemporaneidade; Rizomática, por ser algo difuso, múltiplo e horizontal, no qual a organização entre os blocos se dá de maneira descentralizada e; Antropofágico, pois o que ocorre é uma apropriação do espaço e das canções populares, de modo a afirmar novas formas de sociabilidade e ocupações da cidade.
Com o objetivo de ter uma etnografia suscinta das festas e shows de Carnaval, e a partir também da realização de entrevistas com artistas e foliãs, o material empírico que irá orientar este trabalho são as letras das canções mineiras contemporâneas, que foram selecionadas, a partir de um número total de 1800 músicas, disponíveis na plataforma Spotify e coletadas a partir de certos critérios metodológicos. Deste total, foram escolhidas cerca de 40 músicas, para serem trabalhadas nesta pesquisa.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Clara Alvarenga Vale de Castro (UFMG)
Resumo: A pesquisa busca incentivar reflexões sobre o cenário de arte urbana da cidade de Belo Horizonte, com direcionamento ao Pixo e ao Graffiti, pela abordagem da Antropologia Urbana e da Antropologia Visual/Gráfica. Entendendo a cidade como uma rede de relações em constante transformação, a intenção é trazer um pouco do recorte da arte e da cultura de rua como formas de expressão, de questionamento e de liberdade, que devem ser interpretadas dentro das particularidades do contexto em que estão inseridas. O trabalho traz também o resultado de experimentações gráficas como exercício etnográfico, uma das principais óticas pelas quais optei por observar e apresentar a cidade e suas intervenções. Tive como focos principais os projetos desenvolvidos pelo CURA Art - Circuito Urbano de Arte - na região central de Belo Horizonte, assim como uma análise sobre o Pixo como manifestação cultural de arte e de resistência.
Aspecto relevante no processo da pesquisa de que trato aqui diz respeito à Antropologia Urbana e como é ter a cidade como campo, dentro de suas pluralidades e especificidades, que se mostraram bem contraditórias.
Há no trabalho uma utilização extensa de recursos gráficos, como fotografias e releituras de algumas intervenções urbanas, com a intenção de trazer um pouco da subjetividade analítica das fotos e desenhos para a pesquisa, e pela dificuldade que vejo em trazer para a escrita algumas percepções e sensações que o tema evoca. As imagens são utilizadas aqui de modo a complementar algumas ideias que as palavras não me pareceram suficientes para expressar, além de funcionarem, por si só, como linguagem comunicativa em suportes variados.
A exploração de cada dimensão da metodologia me trouxe uma perspectiva diferente sobre as temáticas, tendo como intenção compor diálogos que possam relacionar o que observei pela Antropologia Urbana, pela Antropologia Visual/Gráfica e pelas conversas e entrevistas, visto que cada experiência trouxe questões específicas que eu não necessariamente tinha elaborado previamente.
As cidades carregam em si uma série de relações, literais ou de poder, de hierarquias exploratórias, de pobrezas extremas e riquezas acumuladas, numa dinâmica capitalista que conhecemos por inevitavelmente fazermos parte dela. Entre a propriedade privada, a mercantilização do conhecimento e das artes, as cidades são os polos que abrigam toda a complexidade de redes entre pessoas, o ambiente e os demais seres vivos, assim como suas expressões. Quando digo que respiramos a cidade, é uma analogia a esse contato interminável, ao cotidiano que estamos expostos coletivamente, às pessoas, aos prédios e aos muros cobertos de pixações e pinturas, e essa é a dimensão que tentei trazer e tornar mais palpável ao elaborar este trabalho.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Francilins Castilho Leal (AMU)
Resumo: Há mais de vinte anos tenho me dedicado à realização de trabalhos de representação, interação e intervenção sócio=artísticas. Para esta edição da RBA proponho apresentar obras realizadas ao longo destes anos; desde a monografia, realizada em suporte visual durante a graduação em Ciências Sociais na UFMG, chegando às pesquisas atuais, desenvolvidas no doutorado em Criação Artística na Universidade de Aix-Marseille, na França. As produções em questão se materializam em forma de livros, exposições, textos, curadorias, performances e situAções.
Considerando o texto de Hal Foster « The artist as ethnographer » como marco reflexivo incontornável das contaminações entre o fazer antropológico e artístico, realizarei uma refração crítica a partir das criações da minha lida e suas repercussões. Partiremos da análise do ensaio etnofotográfico « vi elas » (2001-2007), realizado a partir das interações com/na Guaicurus, o maior complexo de prostituição das Américas. Esta empreitada deu origem ao livro-objeto homônimo, que foi um dos trabalhos precursores em antropologia visual a ser apresentado formalmente como requisito para obtenção de um título acadêmico. Trataremos do outros desdobramentos desta investigação, como o livro Limbo (2015), a exposição Umbral de las Pasiones (2013) e o site specific Inframundo Tropical (2014).
Outro foco de apreciação se dará em torno das situações sociais criadas a partir de curadorias artísticas, que articularam períodos de residência, criação e exposição. Serão apresentadas as experiêncas do Museu do Sexo Hilda Furacão, onde artistas habitaram, interagiram e criaram a partir da vivência nos prostíbulos da Guaicurus. Outro projeto examinado será o « Cemitério do Peixe : Arte, Morte, Magia », uma comunhão artística que convergiu centenas de seres em uma cidade dedicada às almas encantadas, na região diamantina das Minas Gerais.
JaymeFygura é artista maior, que transcendeu a vida ordinária, incorporando Exu na totalidade da sua vida pública. Fygura passou mais de 30 anos sem mostrar seu rosto em público e tive a honra de publicar um livro biográfico, coordenar diversas exposições, além de consolidarmos fortes laços de amizade. Um pequeno resumo da intercessão dos nossos percursos e experiências também será contemplado nesta apresentação.
Chegaremos à Via Francilina, uma errância baseada num deslocamento físico pela superfície da terra. Uma marcha artística que atravessa o continente Europeu, África e Brasil. Tratarei do conceito de fotografia ancestral e da formação de um trajeto cultural baseado na interAção com diversos seres e comunidades encontradas.
Diálogos com/entre natureza, sociedade e transcendência serão tecidos numa perspectiva antropológica, a partir dos e+feitos de uma arte engajada.
O futuro é ancestral.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Greg Alexandre Malaquias (UFSC)
Resumo: A partir de inquietações que nos convida a refletir as relações percebidas no contexto da cultura ballroom, originária do contexto geográfico estadunidense, no bairro do Harlem em Nova Iorque cruzando experiências de pessoas racializadas - pretas e latinas -, LGBTQIAPN+ por meio do gesto de Crystal Labeija - mulher trans preta - ao inaugurar o sistema de casas que sustenta a cultura ballroom ao acolher corpos dissidentes na organização de um espaço que se tornem sujeitas políticas. Logo, campo de notáveis tensionamentos para a compreensão de corpo ao considerar que a cultura ballroom é local de corporeidades artivistas, no sentido que a vida cotidiana das pessoas componentes não se separa da arte do(s) corpo(s)-ballroom, confrontando a questão social de produzir vidas e mortes, ideia que cruzo com a noção de reXistência (GRUNVALD, 2022) na constituição das subjetividades em corporeidades ballroom, mais especificamente em diálogo com o cenário nacional que desponta na região sul do Brasil, enfatizando suas reverberações em Florianópolis.
Com isso, ao notar sua proliferação e fortalecimento nos últimos anos no contexto brasileiro, aponto experiência e memória como aspectos marcantes da arte no contexto citado se encontrando inclusive na vivência da Feitiço Laboratório Ballroom - prática experimental da cultura ballroom sediada no bar Opium para aproximação da cena ballroom de Florianópolis e a comunidade externa da cidade, ou mesmo pessoas nativas da cultura, proporcionando um recorte do que se encontra nas balls - como as categorias competitivas ou não, o chant feito por quem conduz o microfone, as batalhas, ou ainda explanações sobre o objetivo das categorias, as performances, a entrega do grand prize [prêmio da pessoa vencedora], a bancada de júri, entre outras questões que dão suporte às corporeidades em jogo na residência que ocorre mensalmente em parceria da Casa das Feiticeiras, primeira casa do sul do Brasil a qual faço parte, e a coordenação do bar Opium. Assim, como pessoa nativa e pesquisadora artivista, proponho a pensar nossa cultura, nossa cena, não apenas com minha experiência, mas na relação com outras realidades que vivenciam a cena de Florianópolis, dialogando com suas experiências na Feitiço Laboratório Ballroom, refletindo suas presenças na cultura ballroom de Florianópolis e os tensionamentos enquanto cultura afrodiaspórica que desafia a cisheteronormatividade racista por meio de suas corporeidades que se constituem de arte e política.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabel Wittmann (USP)
Resumo: Neste trabalho pretendo trazer à discussão a filmografia das cineastas estadunidenses Lana e Lily Wachowski, dialogando com o que pode ser chamado de pós-humanismo, conforme Braidotti (2018). O pós-humanismo desloca demarcações entre categorias binárias muitas vezes acionadas por filmes fantásticos que centralizam a temática do corpo, como os da referida filmografia. Segundo o Marchesini (2017), o termo "pós-humano" foi cunhado em 1992 pelo curador Jeffrey Deitch, referindo-se a uma exposição coletiva que apresentou obras de diversos artistas com obras que questionaram a essencialização e a rigidez da corporeidade e da identificação humanas. Em obras como Matrix (1999) e suas sequências, bem como A Viagem (2012) e Sense8 (2015-2018), as autoras abordam temas como gênero, sexualidade, conexão corpórea, espiritualidade panteísta e anticapitalismo, que refletem suas posições políticas e trajetórias pessoais. Essa pesquisa, ainda em estágio inicial, é herdeira de uma lógica de discussões que perpassam o corpo e que discutem o que é "ser humano", abrindo caminho para reflexões futuras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jackson Francisco da Conceição Müller (Prefeitura Municipal de Florianópolis)
Resumo: A cidade de Florianópolis, a partir dos anos 1990, em virtude de estímulos conjuntos visando integração ao Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), favorece o turismo de veraneio, tornando-a uma de suas principais atividades econômicas. Com isso, setores voltados ao entretenimento desenvolveram-se de forma fértil, fazendo com que clubes e festas de música eletrônica, fizessem parte de uma paisagem construída de capital hedonista e cosmopolita.
A pesquisa apresentada neste resumo, ainda em seu estágio de desenvolvimento, é uma etnografia que visa discorrer acerca de como as concepções em torno das noções de mainstream e underground, agenciam práticas políticas no circuito de música eletrônica em Florianópolis. Mainstream e underground, configuram concepções musicais antagônicas - uma relacionada a lógica de prazer e outra de comercialização - que operam nos mais diferentes circuitos de festas, gêneros e estilos musicais, bem como representam posicionamentos políticos relacionados à produção do mercado fonográfico.
A observação participante de festas, assim como entrevistas e conversas informais com os mais variados atores deste circuito, são utilizados junto a diários de campo e leituras acerca deste tema, para guiar o trabalho de campo, realizado na cidade de Florianópolis. Os resultados preliminares, permitem-nos inferir, que essas concepções se apresentam de forma plural e diversa, e que o pertencimento a grupos permeados por estilos e gêneros musicais é também utilizado como forma de agenciamento político a uma série de demandas e debates pertinentes na cidade.
Neste sentido, se deduz, a partir dos dados levantados, que a arte é um estimulante para intervenções, pois a sua natureza estética, produzida por pessoas ou por coletivos, possui o poder amplificador e sensibilizador necessários para reivindicação social.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Júlia de Freitas Motta (UFRN)
Resumo: Esta pesquisa em andamento faz uma reflexão sobre a relação entre migração e violência de gênero. Através da metodologia criada para o projeto doutoral, realizo uma ação performática em rodoviárias de capitais nordestinas. Essa metodologia ocorre a partir da minha vivência artística. Vestida com um macacão vermelho, sentada em silêncio em um banco na área de embarque, seguro um cartaz com as frases: Escuto mulheres. Escrevo/escrevemos histórias de mulheres sobre chegadas e partidas.
Por meio da ação performática, busco ouvir e escrever relatos sobre deslocamentos de mulheres. Compartilhar diferentes experiências, num fluxo de memórias, uma movência que convoca escuta, espaço, passagem (KRUCKEN, 2021). Conhecer parte das histórias dessas mulheres, até então, têm me trazido dados de violências de gênero que atravessam diferentes trajetórias ao longo dos anos.
No campo, a entrevista piloto já conseguiu mostrar outras dimensões de violências e por isso trago um dos relatos ouvidos até então. Damiana, uma mulher branca, de 52 anos, classe baixa, mora em Salvador e chegou na capital potiguar há quase três meses. Viajou para cuidar da mãe, que está doente. Ficou como cuidadora dela num hospital público em Natal, por dois meses, até a mãe ir para a UTI. Precisou sair do hospital e passou a morar na rodoviária. No dia que participou da ação, estava há duas semanas nessa situação, mas não pensava em voltar para casa. O sentimento que a moveu a viajar foi a perda, o medo de não encontrar mais a mãe viva. Com isso, podemos localizar como o recorte de violência de gênero é ampliado e traz outras dimensões, como a violência de Estado, uma vez que ela precisa morar numa rodoviária para cuidar da mãe, por falta de recursos.
Na metodologia, também coloco o meu corpo e experiências. Damiana indaga o que estou fazendo ali. Pergunto se gostaria de ouvir o meu relato, que abre o caderno usado na performance. Damiana será a única a ouvi-lo. Ela narra sua travessia, eu escuto. Eu conto o motivo de minha partida, ela ouve. Damiana fica curiosa e me pergunta mais sobre o projeto. Digo que faz parte de uma pesquisa de doutorado e pergunto se ela autoriza que eu leia o dela para a próxima mulher que se sentar comigo. Ela diz que sim. Volto a ficar em silêncio. Ela, então, começa a falar. Conta sobre as violências que sofreu do ex-marido e do dia que 18 anos depois de casada o colocou para fora de casa.
Desse modo, através da escuta de relatos de mulheres, apresento o de outras, construindo uma teia de significados. Rodoviária, são espaços de classe popular e por isso, escolho dialogar com Oyěwùmí (2004), Lugones (2008) e Kimberlé (1991), por também considerar que gênero precisa ser analisado junto com raça e classe, como marcadores da diferença entre as mulheres.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Laís Tercioti Vieira (UEL)
Resumo: O Movimento dos Artistas de Rua de Londrina surgiu em 2012 com a intenção de consolidar a prática artística nos lugares públicos, não categorizados e abandonados da cidade. Ele pretende promover uma articulação com outros movimentos brasileiros que vêm das ruas, a fim de fomentar o debate crítico acerca do uso livre da cidade para fins artísticos. Sua principal conquista enquanto movimento social se deu a partir da ocupação do antigo prédio da União Londrinense dos Estudantes Secundaristas, construído em 1959 e desativado desde 2006. Dois anos antes da conquista do imóvel, o Movimento pôde participar ativamente na assinatura da Lei do Artista de Rua (N° 12.230/2014), que isenta os artistas do pagamento de taxa de ocupação de solo em locais públicos. Esta lei também permite a permanência transitória neles, sem a interferência de órgãos públicos que atuam não como seus promotores, mas como obstáculos à livre expressão do artista (Cirino e Vieira, 2023).
No caso da ocupação da atual vila cultural visando a conquista do prédio, o não cumprimento da Lei do Artista de Rua observado nos embates entre o poder público e o Movimento, gerou uma reação que incitava a agitação popular para a conquista de uma conjuntura mais favorável para a vida na cidade, de modo a pensar na necessidade de fomentar uma pulsão criadora, de obra e atividades lúdicas, e não apenas de troca de bens materiais de consumo.
Assim, o trabalho acompanha as atividades do Movimento através da etnografia do espaço e suas práticas. Avalia, a partir do desmembramento das leis e documentos que se aliam à ação artística popular no espaço público, as condições oferecidas pelo município para a efetivação do direito à cidade por meio da tentativa de democratização dos bens culturais. Segundo Botelho (2001), esse método é conveniente porque elabora diagnósticos para atacar os problemas de maneira programada. De modo a pensar, principalmente, na extensão dos bens culturais às margens, permitindo aos citadinos o movimento de fazer a cidade (Agier, 2015) conforme as suas necessidades e desejos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGIER, Michel. Do direito à cidade ao fazer-cidade. O antropólogo, a margem e o centro. Mana [online]. 21, v. 3, 2015 Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/wJfG33S5nmwwjb344NF3s8s/?lang=pt#.
BOTELHO, Isaura. Dimensões da cultura e políticas públicas. São Paulo em Perspectiva [online] ,15 v.2, 2001. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S010288392001000200011.
CIRINO, Giovanni. VIEIRA, Tercioti Laís. Canto do MARL como possibilidade de um fazer artístico popular em Londrina, Paraná. Ponto Urbe [online], 31 v. 1, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.4000/pontourbe.15039.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Liza Ysamarli Acevedo Sáenz (USP)
Resumo: O crime de desaparecimento forçado é tipificado na Colômbia desde o ano 2000 e é caracterizado como a privação da liberdade de um sujeito seguida pela negação de fornecer qualquer informação sobre seu estado ou paradeiro às autoridades ou aos seus entes queridos. Ou seja, no cotidiano, é implantada a ausência de uma pessoa sem qualquer tipo de explicação, narrativa, ferimento ou prova que relate o que aconteceu. Diante disso, surge a pergunta: Como testemunhar o desaparecimento forçado? Ou melhor, o que resta quando não há testemunho que dê conta da violência? Marc Nichinian (2012) propõe refletir sobre a violência a partir do que resta do testemunho, ou seja, refletir sobre o que sobrevive depois que a violência nega até mesmo a possibilidade de ver e narrar o dano. Diante disso, mulheres familiares de detidos e desaparecidos têm criado uma série de dispositivos para apontar a ausência dos seus, ou seja, para evocar o vazio sem defini-lo ou preenchê-lo de significados (DIEGUEZ, 2021). Um dos dispositivos mais usados pelas mulheres é a exposição constante do retrato fotográfico do desaparecido em espaços públicos Esta apresentação, partindo de dados e reflexões provenientes de minha pesquisa de doutorado em andamento, aborda o uso do retrato fotográfico dos desaparecidos na Colômbia como dispositivos que testemunham o vazio criado pelo crime.
Bibliografía.
NICHANIAN, Marc. A morte da testemunha. Para uma poética do resto. Escritas da violência, vol I: O testemunho. Org. M. Seligmann-silva, J. Ginzburg & F. Hardman. Rio de Janeiro, 7 letras, 2012
DIEGUEZ, Ileana. Cuerpos liminales: la performatividad de la búsqueda. Córdoba: DocumentA/Escénicas. 2021
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luz Mariana Blet (UFSC)
Resumo: Nas últimas décadas vimos emergir, nas periferias das grandes cidades, coletivos artivistas que utilizam o espaço das cidades para criar, propor crítica e mobilização social, utilizando diferentes formas de expressão artística.
Este artigo tem como objetivo abordar a atuação de coletivos oriundos de regiões periféricas e territórios marginalizados, tecendo um comparativo entre coletivos das cidades de Buenos Aires, na Argentina, e Rio de janeiro, no Brasil, que utilizam o audiovisual como principal meio de expressão, construção de narrativas e subjetividades.
Ao falar sobre coletivos de periferia, é importante não pensá-los como grupos homogêneos de pessoas, mas contemplar a diversidade, subjetividade e singularidade de cada sujeito. Neste ponto, as contribuições de Stuart Hall (2000) sobre identidade, e a necessidade de pensar o conceito sob rasura, são fundamentais, para fugir da ideia de uma identidade fixa e homogeneizante dos sujeitos de periferia. Aqui, interessa pensar no processo de criação e experimentação compartilhada como possibilidade de inserção social do indivíduo em um grupo e de produção de sentido e subjetividade a partir de locais marginalizados da cidade.
Considerando as periferias territórios múltiplos e diversos, opto por pensar na produção audiovisual desses coletivos independentes, não a partir da chave da representação, mas sim, a partir da vivência de uma coletividade, busca criar novas formas de ser e estar no mundo, possibilitando outras narrativas além daquelas que são dadas às pessoas subalternizadas. Neste sentido, opto pelos conceitos de fabulação crítica de Saidiya Hartman ( 2021) e escrevivência, de Conceição Evaristo (2006), para pensar essas produções audiovisuais.
Estas produções configuram-se também como intervenções no território, considerando aqui o território como uma categoria definida socialmente, pelos indivíduos e suas práticas, preenchida por fluxos e narrativas (SANTOS, 1996). Seja por meio da identificação ou estranhamento, ou pela participação ativa da comunidade, essas narrativas implicam os sujeitos em implicam os sujeitos em uma decolonização estética e subjetiva. Pensando na estética como uma experiência sensível partilhada, que reverbera nas subjetividades, dando sentido à comunidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Alice Souza Silva (UFES)
Resumo: Este ensaio é fruto do trabalho de conclusão do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, que teve como objetivo a análise cultural da construção da estética funk e suas implicações na sociedade colonialista brasileira. A partir dos resultados pode-se elucidar o potencial político e contra-colonial do funk e sua estética, que, ao mesmo tempo que sucinta na perseguição ao ritmo, agrega a ele o poder de sobrevivência e (re)invenção. O objetivo deste ensaio é analisar as diferentes perseguições sofridas pelo funk institucionais, morais, acadêmicas, políticas, etc. em busca de semelhanças morais e ontológicas entre os eventos e os perseguidores. Também é objetivo aqui, contrapor os argumentos que estruturam tais perseguições a partir de uma análise crítica do que o funk e a sua estética implicam em uma sociedade em constante colonização. Também é parte central na metodologia a análise e exposição de letras de funk, a fim de estreitar o espaço entre as produções acadêmicas e os saberes localizados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rafa Ella Pinheiro Souza (USP)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo traçar as potencialidades e articulações dissidentes mobilizadas nas produções audiovisuais da plataforma on-line EdiyPorn autointitulada como pornô desviante: arejando imaginários sexuais. Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa de mestrado, ainda em desenvolvimento, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade de São Paulo (USP). Lançada no primeiro semestre de 2020, a plataforma independente de pornografia desviante foi criada por um coletivo de pessoas artistas e performers residentes na capital paulista. Diferentemente da maioria das produtoras mainstream ou até mesmo de produtoras de pornografia alternativa (chamadas de altporn), a EdiyPorn não trabalha com a ideia de ter um casting de atrizes e/ou atores pornôs (as pessoas que aparecem nos vídeos são creditadas como performers), tampouco classifica os seus vídeos como homossexuais, heterossexuais, bissexuais ou utiliza categorias de práticas sexuais que comumente aparecem em sites com um alto volume de acesso, como Xvideos e Pornhub. Na plataforma com espaços para acesso gratuito e para produções audiovisuais exclusivas destinadas para assinantes os filmes são divididos em séries: Autoprazer, PornoBlock, Sessão, Encontro de Putes, DIY faça você mesme, além de vídeos que não integram nenhuma série. De modo geral, as publicações se mostram mais interessadas em borrar fronteiras e erotizar o corpo inteiro, incitando o prazer e o gozo para além da fragmentação do corpo que institui os órgãos sexuais reprodutivos como polos únicos de prazer. A partir do questionamento como a plataforma de pornô desviante elabora e produz esses imaginários sexuais?, que norteia toda a pesquisa, este trabalho busca aproximar as características experimentais e as nuances estético-políticas da EdiyPorn com o movimento pós-pornô, bem como investigar os elementos que constroem essa plataforma que se apresenta como desviante. Cruzando arte, sexo e política, as pessoas artistas que aparecem nas produções audiovisuais evocam corporalidades não-normativas, dissidentes, e com um interesse em ampliar as possibilidades de desejos, além de minar os imaginários cisheteronormativos construídos pedagogicamente pela pornografia tradicional. Nesse sentido, busca-se evidenciar como a EdiyPorn incorpora em suas produções discussões sobre dissidências de gênero e sexualidade, critica as estruturas corporais e de desejo normativas, aponta para possibilidades contrassexuais (Preciado, 2014) e como elabora os seus vídeos a partir de uma ética pornô termo defendido por uma artista performer que integra a equipe da plataforma.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Solluá Borges Ramires de Souza (UNICAMP)
Resumo: Esta proposta de trabalho reúne um conjunto de reflexões que vem sendo tecidas a partir de pesquisa de doutoramento que acompanha a cena MPBixa e MPBTrans da música brasileira, dando especial atenção para como ela é produzida em um continuum entre ambientes online e off-line. A cena pode ser compreendida a partir de um conjunto de relações, imagens, suas estéticas e sonoridades que, quando sobrepostas, tencionam quadros de representação e visibilidade de corpas dissidentes em termos de gênero, sexualidade, raça, dentre outros marcadores sociais da diferença, articulados interseccionalmente na produção de experiências. A pesquisa acompanha, assim, artistas musicistas que, com sua produção estético-poética, problematizam normas sociais cis-hetero-branco-centradas, fazendo-o a partir de imagens e sons que falam de lugares outros da política e da estética, traçando tramas e traços, mediando sentidos na fabulação de espaços possíveis a serem habitados por corpas trans, travestis e não-bináries na música, na arte e na política. A cena é acompanhada a partir de etnografia que vem sendo realizada em espaços de produção musical, shows de artistas, eventos de movimentos sociais, espaços de intervenção estética e política, festas e engajamentos em plataformas de mídias digitais, tais como Instagram e YouTube. Busco mostrar como a produção da cena MPBixa e MPBTrans engaja uma audiência ora comercial e midiática, ora que demanda por representatividade política nessas produções, ao mesmo tempo em que produz imagens e sonoridades que friccionam estéticas e políticas engessadas em termos de normas de gênero, sexualidade e raça.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Verdi Lazaro Alves Vilela (UFSC), Lino Gabriel Nascimento dos Santos (IFSC)
Resumo: Embora a academia ainda tenha uma relutância em problematizar a Moda em vista de um senso comum que a insere no campo da futilidade, este trabalho trata da Moda com M maiúsculo, enquanto sistema ou melhor [c]istema (VERGUEIROS, 2015), o mesmo que SantAnna (2005;2007) vem afirmando ser a própria dinâmica da modernidade de modo que uma não existiria sem a outra. Deste modo, desacuendando da repetição do debate de defesa da legitimidade da Moda enquanto ciência ou arte, e seguindo o pedido de não hierarquização do triângulo arte, política e antropologia proposto por Grunvald, Raposo e Roca (2023). Este trabalho objetiva avançar debate sobre Moda e indicar o rico campo etnográfico a respeito de grupos, coletivos de estilistas trans/travestis/NB que utilizam de suas artes para problematizar o [c]istema Moda. Para tanto, o texto se divide em duas partes, na primeira apresento brevemente o debate já superado a respeito da Moda como uma importante ferramenta moderna (SANTANNA, 2005), mas dessa vez iluminado pela ideia de Segato (2016) para qual o gênero, sobretudo o patriarcado, estrutura as relações de poder. Assim, denunciamos a Moda como uma ferramenta da pedagogia da crueldade (SEGATO, 2016). Na segunda parte, apresento que, em contrapartida, já existem caminhos alternativos que denunciam o [c]istema Moda, como a transmutação têxtil, uma tecnologia decolonial desenvolvida por travestis, mas que entretanto a mesma ainda é negligenciado pela academia. Arte, Desfile, manifesto, fashion show, catwalk de vogue, política. Muitas poderiam ser as definições para desfiles de transmutação têxtil. Entretanto, pouco nos importa classificá-los, nos interessa mais discutir a respeito de suas performances sobre duas direções: i) como os mesmos estão análogos ao debate de Dawsey (2005) a respeito de drama social e drama estético do teatro dos boia-frias, e ii) o discurso necropoético (HEAD 2020; 2023) evidente nesta arte, seja pela comunicação visual das peças, pela performance de quem as desfila ou a paisagem sonora que a acompanha. Por fim, espera-se que este trabalho apresente a potência do campo etnográfico desses grupos e coletives de estilitas, artistas trans que vem propondo novos caminhos metodológicos de Moda, travestilizados e interseccionados com arte, performance e política. Mas que para além disso, também denuncia a negligência do descaso da academia sobre a transmutação têxtil e reivindica a urgência de travestilizar a educação (ODARA, 2020) de Moda no País.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vinicius Pereira dos Santos (UFRRJ)
Resumo: Observa-se na América Latina o fortalecimento do estilo musical Heavy Metal enquanto meio de expressão e ação no engajamento em lutas e movimentos de resistência descoloniais, antirracistas, feministas, ambientalistas, entre outros. Segundo Nelson Varas-Díaz, atualmente um dos maiores especialistas no assunto, tal fenômeno ainda é bastante negligenciado em trabalhos acadêmicos que discutem esse estilo musical. Nesta presente pesquisa, busca-se investigar como essa luta vem acontecendo na cena Heavy Metal brasileira, especialmente a partir da perspectiva antirracista de diverso(a)s metaleiro(a)s negro(a)s.
Em sua dimensão mainstream, ou seja, aquela que abriga o universo de bandas com maior visibilidade, poder aquisitivo e poder de influência, ainda é notável no Heavy Metal a superioridade numérica de pessoas de cor branca, especialmente homens, em posições de destaque. Além disso, as temáticas tratadas nas músicas (deuses de panteões europeus, por exemplo), bem como a predominância da língua inglesa nas letras, mesmo em países do chamado sul global, mostram o quanto esse estilo musical é representativo da colonialidade ainda existente.
No entanto, por ser um fenômeno cultural marcado por um evidente potencial de transgressão e radicalidade, ao mesmo tempo em que reproduz padrões estéticos e discursivos do norte global, esse estilo musical também vem produzindo fortes movimentos de resistência e de reconstrução e valorização identitária, numa perspectiva descolonial.
Na presente pesquisa, de caráter etnográfico, a partir de entrevistas e do acompanhamento de coletivos (Metaleiras Negras, Preto no Metal), bandas (Punho de Mahin, Oligarquia) e produtore(a)s e seus eventos (como o festival de bandas O Rock é Preto), são analisadas as lutas de caráter descolonial (especialmente antirracistas) que vêm sendo travadas no seio do movimento Heavy Metal. Até o momento foi possível identificar uma tendência de fortalecimento desses agentes na cena, cujas ações se caracterizam pela prática do que o autor Nelson Varas-Díaz classifica como diálogos descoloniais extremos, compreendendo a junção de trocas horizontais de ideias e informações, posturas expressamente decoloniais e estéticas radicais, geralmente chocantes para a sociedade em geral.
Pretende-se, a partir da pesquisa, contribuir para o debate sobre a atualidade da questão do colonialismo e suas consequências para a nossa sociedade, como o racismo, bem como sobre a diversidade de formas de luta e resistência, tendo como ponto de partida a análise da cena Heavy Metal, que se constitui como ambiente privilegiado para a observação de diversos avanços e retrocessos nas tentativas de construção de outros mundos possíveis.