ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 034: Casas, cozinhas, quintais e suas agências em coletivos quilombolas, sertanejos, pescadores, indígenas e camponeses
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Coordenação
André Dumans Guedes (UFF), Ana Carneiro Cerqueira (UFSB)
Debatedor(a)
Daniela Carolina Perutti (USP), Rodica Weitzman (UFRRJ), Yara de Cássia Alves (UEMG)

Resumo:
Buscamos neste GT investigar os poderes e agências das casas, cozinhas e quintais situados em coletivos quilombolas, sertanejos, pescadores, camponeses, indígenas - em suma, entre diferentes povos da terra, da floresta e das águas. A partir da singularidade dos arranjos, modos e sistemas que os ativam como dispositivos ou técnicas, queremos pensar como tais entidades se articulam a territórios, e o que fazem: criando (filhos, bichos e plantas, misturas e mexidas, alianças e desafetos, corpos, novas possibilidades de vida); transformando (o cru e o cozido, substâncias, ingredientes e receitas, estórias e histórias, prosa e comida); ou reunindo (vizinhos na prosa cotidiana, conhecidos em torno do café, quem está junto na política ou numa mesma luta, os filhos quando de sua volta à terra natal). Interessa-nos examinar como tais poderes e agências atuam no “mundo”, e em relação às forças a ele associadas. Ao tomarmos “mundo” enquanto categoria nativa, queremos considerar como esses quintais, cozinhas e casas se constituem e operam sob uma perspectiva cosmopolítica, em relação com perigos, alteridades e potências de ordens diversas - por exemplo, aqueles relacionados à vizinhança de monoculturas, plantations, cativeiros e empreendimentos que encurralam povos e territórios; ou os que se vinculam às vicissitudes das famílias que têm seus membros esparramados mundo afora, ganhando a vida “no trecho” ou se aventurando em terras distantes e cidades grandes.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A Sociologia das Cozinhas – usos, práticas sociais, relações de gênero e de trabalho no cotidiano da cozinha das casas
Ana Cláudia Bessa (UFF)
Resumo: Esta apresentação se refere a um artigo, já publicado em revisa científica, se baseia em um trabalho proposto em sala de aula para a graduação em Sociologia. O tema da pesquisa abrangeu as relações sociais que se estabelecem nas cozinhas das casas a partir de paralelos entre o universo doméstico e o comportamento social, cruzando perspectivas diferentes para analisar um contexto que pode produzir tanto a subalternidade, como o protagonismo feminino. A pesquisa exploratória de pequena abrangência foi realizada através de um survey online que forneceu dados que permitem um direcionamento ao desenvolvimento de novas hipóteses a respeito do ambiente doméstico urbano com suas relações sociais e de parentesco. Os resultados permitiram considerações sobre a importância da casa como elemento central das relações, das representações e das reproduções sociais dos papéis masculinos e femininos no cotidianodas casas nas cidades. As respostas revelaram que há um campo a ser explorado nos estudos das relações sociais que se estabelecem a partir da cozinha das casas, que vão além das relações de parentesco e avançam para questões de gênero, dominação e divisão sexual do trabalho.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rio Jaguaribe e mulheres pescadoras criando fartura, gente, comunidade e política.
Ana Luisa Lisboa Nobre Pereira (Instituto Terramar)
Resumo: Rio Jaguaribe é o maior rio do Ceará: atravessa praticamente todo o estado e vai desaguar numa foz povoada por muitas comunidades pesqueiras, rodeada de manguezais. Até a desembocadura suas águas contam a história do acúmulo de danos e impactos ambientais graves oriundos do agronegócio, da mineração, de um conjunto de barragens, da criação extensiva de camarão em cativeiro e do turismo. No sentido contrário, do mar ao sertão, um derramamento de petróleo em 2019 penetrou o rio, reforçando a sinergia dos danos. Ao longo de quatro anos de assessoria junto às pescadoras de três comunidades pesqueiras da foz do rio, percebi que as partes do rio são chamadas como partes do corpo humano. Cheio de bocas, troncos, braços, até “suvacos”, essa forma de nomear guarda profundo significado: para elas, é difícil falar de si e da comunidade sem falar no rio e nos mariscos. O contrário também é verdade. Na definição das ações formativas e intercâmbios enquanto assessora, foi uma demanda constante das pescadoras que nas programações sempre existisse um espaço resguardado àquilo que elas diziam “não ser trabalho”, em um contexto de grande demanda de trabalho político e militante: cozinhar, comer e trocar. Sururu, íntã, búzio, tainha, pirão, pampo, caranguejo, siri, aratu constituíam a “fartura fornecida pelo rio, preparada e partilhada entre elas nesses momentos de interdito à fala "política" , ainda que esse momento compusesse a programação de intercâmbios e oficinas. O rio, entendido como uma entidade democrática, acessível, nutridora e comum, vem possibilitando meninos “se criarem”, que períodos de “carestia sejam atravessados (a exemplo da pandemia), que a alimentação dos mais velhos seja garantida, que com os caldos dos mariscos e do pescado as pessoas possam acalmar de suas aflições e ter boa noite de sono. O marisco media e promove relações comunitárias, de vizinhança, na igreja, de amizade. Este trabalho pretende se voltar a pensar sobre a relação das mulheres pescadoras com o cozinhar e o comer juntas e sobre quais sentidos essa prática traz a respeito de um contexto socioambiental de um rio tão maltratado quanto farto e de luta fundiária, assim como uma forma de fazer comunidade. Ainda, pretende pensar sobre as relações entre corpo e território. Por fim, o trabalho se importa a compreender como comer se constituiu como laço e forma de criar uma rede de mulheres do rio e suas lutas.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre a casa de farinha e a cozinha quilombola: Produção, desafios e resistência na comunidade quilombola do Mocambo – Ourém – PA.
Anael Souza Nascimento (UFPA), Genisson Paes Chaves (UFPA)
Resumo: O estudo foi realizado no quilombo do Mocambo, localizado em Ourém, Pará, o qual constitui um significativo centro de produção de farinha de mandioca e um espaço essencial para a preservação da cultura alimentar quilombola na região. Esta pesquisa aborda a interação entre a casa de farinha e a cozinha quilombola, destacando os processos de produção e os desafios enfrentados pela comunidade para a manutenção da cultura alimentar e para o avivamento da cozinha quilombola externa nestes dois espaços socioculturais. Conduzimos observação participante, entrevistas abertas e conversas informais. A produção de farinha de mandioca é uma atividade produtiva que marca o cotidiano do quilombo, envolvendo técnicas tradicionais transmitidas de geração em geração. Nesse sentido, conseguimos identificar e compreender a relação intrínseca entre as comidas preparadas na cozinha e a casa de farinha, que muitas vezes estão acopladas uma à outra e vivem essa constante simbiose de práticas e saberes. No entanto, o acesso a recursos naturais, como terras e água, e a pressão exercida pelo avanço da agricultura dita “moderna”, representam desafios significativos para a continuidade dessa prática. Além disso, questões relacionadas à infraestrutura e acesso a mercados também impactam a produção e distribuição da farinha para além do excedente. Apesar dos desafios, a comunidade do Mocambo demonstra resiliência e capacidade de adaptação, buscando soluções criativas para preservar suas tradições e garantir sua reprodução social. A valorização da cultura quilombola e o reconhecimento dos direitos territoriais são fundamentais para apoiar o desenvolvimento sustentável do quilombo do Mocambo e de comunidades semelhantes em todo o país.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
CUIDAR COM PLANTAS: quintais de mulheres benzedeiras na Serra dos Paus Dóias – Exu/PE.
Camila Correia de Almeida (UFPE)
Resumo: Objetiva-se investigar as práticas de cuidado cotidiano com plantas a partir dos quintais de mulheres benzedeiras na Serra dos Paus Dóias, município de Exu (PE). Entendendo o quintal como um espaço de interação entre humanos e agências não humanas que se conectam dinamicamente na produção do cuidado, e o cuidar como uma tecnologia de vida com implicações materiais. Através de dados etnográficos a pesquisa é um esforço de estabelecer conexões entre os dados e as teorias e epistemologias feministas, especialmente no que diz respeito à centralidade do cuidado com intuito de descrever as práticas de cuidado com plantas no espaço dos quintais. Abordar as práticas de cuidado que benzedeiras desenvolvem em seus quintais, buscando a relação com a agência não humana das plantas. A arquitetura do cuidado inclui o quintal e a cozinha. Como bem salienta Nego Bispo, “qual é a parte mais necessária de uma casa no quilombo? É o quintal! Na verdade, é a cozinha e o quintal (Santos, 2023). E na Serra dos Paus Dóias não é diferente. É no quintal onde acontecem as experimentações de cura, as práticas de cuidado cotidianas, é onde as benzedeiras praticam o seu saber fazer, onde as crianças aprendem a fazer tudo. É onde elas buscam lenha para cozinhar a comida da família, plantam o feijão, a macaxeira, o milho, trocam mudas e experiências. O mundo das benzedeiras é prenhe de materialidades, energias e manifestações sobrenaturais, que exigem cuidado. Os quintais das benzedeiras desempenham um papel relevante em seus modos de cuidar através da cura. Lugar prenhe da cultura feminina e de empirismo. Essa teia de relacionalidade indica que as práticas de cuidado das benzedeiras incluem outros que humanos. Agências não humana que podem absorver o mau-olhado, por exemplo, ou uma abelha que pode anunciar um mau-presságio. A resistência desses ritos e modos de cuidar falam de uma contracolonialidade que não se deixa “domesticar e que não se afasta do mundo sensível. E falam de modos de se relacionar que envolvem não apenas um “trabalho de cuidado”, mas também afetos e tensões. Esta pesquisa é um esforço de pensar o cuidado para além das dicotomias trabalho x afeto compreendendo as complexidades que se dão no cotidiano através de suas contradições sem, entretanto, reforçar o lugar da “mulher que cuida”. O saber fazer cotidiano das benzedeiras revela que o cuidado pode envolver situações nem sempre agradáveis como ter que lidar com “reclamações de entidades supranaturais, por exemplo, e absorver as dores físicas e emocionais do outro. Além do esforço físico para realizar um “trabalho de cuidado cotidiano que está por trás das práticas de cura como levar sol quente na cabeça enquanto trabalha a terra e cultiva seus “remédios do mato no quintal.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O saber-fazer beiju e a riqueza das mulheres: uma etnografia sobre convenções de gênero nas farinhadas no sul do Brasil
Eliza Abrão Bittencourt (NAUI-NIGS-UFSC)
Resumo: No universo-mundo colonial-tradicional-rural-açoriano na Ilha de Florianópolis dos manezinhos e manezinhas - gentílico popular para as pessoas nascidas na cidade - há a continuidade de práticas não-globalizadas ou regionais de saberes e fazeres, adaptadas em engenhos de farinha de mandioca. Tais elementos passaram a constituir a identidade cultural local, que permanecem vivos na memória da comunidade, tanto em sua dimensão material, quanto imaterial, apesar de atualmente estarem sendo engolidas pelo exponencial crescimento urbano da capital. Pela experiência de pesquisa anterior sobre patrimônio imaterial, mergulhei no mundo das “farinhadas” (eventos temporais e significativos), em que muitos feitios acontecem, e percebi que as mulheres têm lugares bem específicos nessa dinâmica. Para além da farinha, considerado o produto principal, o “beiju” de massa de mandioca também é produzido nessas festividades, sendo feito pelas mãos de mulheres e ensinado pelas mestras. Em novo percurso de pesquisa, agora para fins de conclusão de curso em Antropologia, guiada pela sensibilidade e pela imaginação feminista - assumindo gênero como uma categoria analítica - passei a focalizar o “feitio do beiju”, de modo a compreender os sentidos a ele atribuídos, pois na maior parte das vezes é um trabalho desvalorizado em relação ao da farinha e tem sua agência desfeita. Neste trabalho, portanto, apresentarei resultados parciais da pesquisa em desenvolvimento, problematizando as convenções de gênero no processo da “farinhada”, a partir da perspectiva das mulheres que produzem “beiju”, sabem e fazem, ensinam e aprendem. Num universo folclórico cultural praieiro aterrado pela especulação imobiliária milionária, o "beiju", assim, se traduz na riqueza das mulheres locais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Enfeites e caminhadas. Diálogo sobre adornos acoplados à indumentária dos conjuntos de atajos de negritos (Peru)
Jane Seviriano Siqueira (UFSC)
Resumo: O presente trabalho coloca a atenção sobre os adornos “acoplados à roupa utilizada pelos participantes dos conjuntos de atajos de negritos no Peru. Os atajos de negritos são conjuntos com música, canto e dança e que entre os meses de dezembro e janeiro fazem recorridos pelas ruas em direção às casas e praças. Seus praticantes tocam pequenos sinos, cantam e dançam com adornos coloridos diante do Menino Jesus, em praças e casas cujos donos montam seus presépios e os recebem com bebidas. As danças acontecem em forma de marcha e batidas dos pés no chão na marcação do ritmo da música e são chamadas de sapateado dos atajos de negritos. Pautado em trabalho de campo entre 2019 e 2020 no litoral centro sul do Peru, o texto sugere que os adereços possibilitam o desempenho da posição no conjunto, e que haveria uma relação entre a banda, peça constitutiva da indumentária nos conjuntos, e o espelho, enfeite obrigatório na banda. A possibilidade de relacionar itens da indumentária dos atajos encontra apoio na consideração feita pelos participantes dos atajos sobre os efeitos dos espelhos nas casas. Os espelhos proporcionam proteção contra más intenções e, por isso, eles ficam próximos à entrada das residências. Neste sentido, o trabalho fala da associação entre o espelho nas casas e enquanto item acoplado na indumentária dos sapateadores no atajo. Na indumentária, o espelho apareceria como um sinal de proteção importante ao cumprimento das atividades do atajo de negritos. Palavras chave: Recorrido. Experiência sonora. Atajos de negritos (Chincha, Peru).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Salão, terreiro e cozinha na constituição do Grupo Afro Ganga Zumba: entre a rua de baixo e a rua de cima de uma comunidade quilombola da Zona da Mata mineira
Jaqueline Cardoso Zeferino (UFMG)
Resumo: Em 1988 nasce entre a rua de cima e a rua de baixo do Bairro de Fátima, na cidade mineira de Ponte Nova, o Grupo Afro Ganga Zumba. Gestado, parido e nutrido pelas práticas socioculturais “matripotentes (OYĚWÙMÍ, 2016) elaboradas na diáspora negra enquanto práticas de “existência inventiva (AZEVEDO, 2020), as práticas artísticas do Ganga protagonizadas e agenciadas por mulheres negras especialmente a partir das cozinhas, terreiros e salão de beleza, se tornaram a referência central para a ação política e pedagógica antirracista que transformou a comunidade negra rural do Morro do Sapé em território quilombola. O salão de beleza, as cozinhas e os terreiros das casas são os “espaços seguros (COLLINS, 2019) que mobilizam e atualizam processos de “autodefinição e “autodeterminação negra e quilombola no território. O salão de beleza negra, local privilegiado de discussões sobre a vida comunitária, política, arte e cultura negra, entre outros assuntos de interesse comum (GOMES, 2008), aproximou duas mulheres visionárias que motivaram algumas adolescentes a criar um grupo de dança afro inspirado nos blocos afro-baianos. Do salão desceram para o terreiro, onde eram e ainda são realizados ensaios, encontros resolutivos e festivos, há quase quarenta anos. A rua calçada de pedra fincada virou palco para as apresentações de dança, canto-coral, batuques e cortejos. Das cozinhas emanam os aromas, sabores e saberes ancestrais que fortalecem os laços e a luta quilombola. O antigo salão se personificou naquela que cuida da estética e da beleza da comunidade por meio das amarrações de tecidos, figurinos e cenários. E a partir do uso estratégico da memória e das corporalidades repercutidas dos terreiros e das cozinhas das casas das mais velhas e de suas descendentes, e do dinâmico e complexo conjunto de atividades necessárias ao seu funcionamento, as mulheres do Ganga criam seus repertórios e com eles alianças e articulações dentro e fora da comunidade, além de contribuir com a revitalização constante de um jeito “gangazumbeiro de ser e viver. Em torno desses espaços a comunidade se fortificou criando a Casa Ganga Zumba, atualmente circundada pelas conquistas como a Escola Municipal, o Posto de Saúde, o Centro de Referência de Assistência Social e a Capela. Contrastam e confrontam cotidianamente à especulação imobiliária, ao racismo ambiental e à penitenciária, que compõem o projeto colonialista (BISPO, 2015) de desarticulação territorial. Contudo, há quase um século as mesmas famílias, casas, cozinhas e terreiros reúnem pessoas, transformam corpos, vidas e reescrevem a história da Zona da Mata mineira.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Plantando nas ruínas: práticas de ressurgência mobilizadas pelo coletivo Mulheres do Grupo de Agricultura Urbana na periferia de São Paulo (Zona Leste)
Júlia Kaori Miai Tomimura (USP), José Miguel Nieto Olivar (USP)
Resumo: A cidade de São Paulo é o maior centro urbano do Brasil, sendo historicamente um pólo de concentração de poder que estabelece dinâmicas econômicas e políticas no país. A cidade mostra-se cada vez mais insustentável em termos socioambientais, principalmente em grupos alvo de violência sistêmica, como pessoas negras, indígenas e migrantes nas periferias. No meio deste cenário brotam coletivos por toda a cidade que mobilizam práticas em agricultura urbana. Resistindo à lógica de plantation, produzem vida em meio ao domínio do agronegócio e do concreto. Na zona leste destacam-se agricultoras(es) que cultivam em terrenos degradados, como as Mulheres do Grupo de Agricultura Urbana (GAU) que transformaram um local antes usado para descarte de entulho de material de construção em uma grande horta agroecológica. Este trabalho pretende apresentar primeiras reflexões do trabalho de campo, focando nos saberes e práticas mobilizados pelo coletivo Mulheres do GAU na produção de alimentos enquanto cuidado para cultivar habitabilidade na cidade. O trabalho reúne coleta de dados bibliográficos e reflexões de campo etnográfico em andamento no 1° semestre de 2024. Buscou-se acompanhar o cotidiano do coletivo e prestar atenção a outros seres que habitam a horta. As Mulheres do GAU cultivam alimentos, vendem para a comunidade, escolas e ONGs, realizam coffee breaks e oficinas de educação ambiental. O trabalho na horta é fundamental para a manutenção do cotidiano delas e de seus familiares, além de fortalecer a saúde biopsicossocial das integrantes e a rede mais-que-humana local. “E nós? Nós também não somos natureza?”: esta foi uma inquietação suscitada por uma das integrantes do coletivo quando conversávamos sobre o anseio em estudar a questão ambiental interseccionando raça e gênero em mina pesquisa. Conectando o território periférico e o início da ocupação na horta, criticou a comum separação pretensiosa realizada dentro de discussões ditas ecológicas, que negligenciam comunidades humanas pobres, racializadas, periféricas. Quando um enorme teiú foi jogado na horta anonimamente, abrem-se perguntas: por que lá foi o local escolhido para deixar o animal? A horta brincaria com categorias dadas como opostas, sendo um misto de urbano, natural e rural? Como este refúgio mais-que-humano impacta na comunidade? As Mulheres do GAU recuperaram não somente o solo, mas uma ressurgência multiespécie, também integrando a paisagem e instigando discussões e imaginários. Desafiando o sistema de plantation, elas plantam comida orgânica nas ruínas da cidade mais urbanizada do país: uma ação comunitária de resistência e criatividade que torna o cotidiano habitável, a cidade “respirável e o território “comestível diante da atual catástrofe humanitária e ambiental.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Narrativas do coletivo: os associativismos das guardiãs de sementes da paixão
Juliana Constantino do Rosário (UFF)
Resumo: Por meio deste trabalho busco apresentar as experiências associativas de duas guardiãs de sementes da paixão da Paraíba e, ao mesmo tempo, contribuir para o debate elucidado pela filosofia ecofeminista, que se ancora nas relações e práticas, as quais articulam os espaços de cuidados com as diversas formas de vida. O primeiro associativismo consiste nas reuniões do banco de sementes de Itatuba, onde, além de se reunirem em prol da conservação das sementes, as mulheres se reúnem para produzir remédios e xaropes, sendo uma atividade de grande importância para elas. A segunda experiência associativa se concentra na criação do Clube de Mães, este que fomentou diversas formações para as guardiãs de sementes de Campina Grande, bem como a criação do banco comunitário de sementes da comunidade. Reunir-se para armazenar, selecionar e cultivar as sementes, como nas casas e nos bancos comunitários de sementes crioulas; ou ainda, o trabalho conjunto das associadas para a produção de remédios, artesanatos, reuniões e em outras atividades agrícolas — configuram processos de cooperação que incluem humanos, não humanos, casas e coisas. Essas atividades desempenham um papel fundamental na autotransformação, na (re)ocupação e na autonomia política das mulheres rurais. A auto-organização das mulheres emerge de processos de luta organizacional e popular à medida que elas reconhecem a sua presença em todos estes espaços sociais. As experiências selecionadas fazem parte do meu Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2022 na UFF/Campos, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Ciências sociais, intitulado “NÃO PLANTO TRANSGÊNICO PARA NÃO APAGAR A MINHA HISTÓRIA!”: Narrativas do Particular e os Associativismos das Guardiãs de Sementes da Paixão da Paraíba. Com base no conhecimento das guardiãs, a preservação das sementes crioulas está intrinsecamente ligada a vários aspectos, incluindo as narrativas familiares e locais, que são preservadas por meio da transmissão dos conhecimentos de gerações passadas. Além disso, a conservação das sementes também está relacionada à soberania e autonomia alimentar, ao uso com fins medicinais e à manutenção da diversidade genética.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vivendo nas margens e ilhas, para além das margens e ilhas: Quilombolas e Vazanteiros do Médio São Francisco, suas mobilidades e conexões nas lutas, sentidos, terras e águas crescentes
Maria Cecília Cordeiro Pires (UNIMONTES), Andréa Maria Narciso Rocha de Paula (UNIMONTES)
Resumo: Vazanteiro é uma categoria étnica acionada por designar um modo de vida de sujeitos que construíram sua existência no movimentar das pessoas, lutas, águas, terras e sentidos. Aqui tratamos de comunidades do Médio São Francisco, sendo elas o Quilombo de Praia, Quilombo da Lapinha e Comunidade Vazanteira de Pau Preto, localizadas na margem direita do rio São Francisco, no município de Matias Cardoso-MG e Comunidade Vazanteira de Ilha de Pau de Légua, à margem esquerda do rio, no município de Manga-MG. As margens e ilhas são lugares de viver e trabalhar, da pesca artesanal, extrativismo, criação de animais e a cultura da vazante, lameiro e terra firme. As plantações seguem os tempos da chuva, da seca e os tempos do rio, das cheias que influenciam nos lugares de viver e circular, e da vazão, quando o rio baixa e oferece uma área úmida que se torna propícia para plantar, assim se entendem como “povos das águas e das terras crescentes”. Seu Natalino (vazanteiro da Comunidade Ilha de Pau de Légua, Manga, outubro de 2022) explica: “eu planto na época da chuva, aí o sol vem e mata, cá embaixo eu planto, o rio vem e mata, a vazante e o lameiro, o rio vem e mata. Então nós somos felizes, porque aqui no lameiro eu plantei e morreu? A vazante morreu? Terra firme ficou”. Outra categoria que acionam é a de encurralamento que representa o contexto de conflitos socioambientais, estando situadas em área de incidência de unidades de conservação, do perímetro de irrigação do Projeto de Fruticultura Irrigada Jaíba e terrenos marginais da União no entorno e sobrepostos aos seus territórios. Esse trabalho traz discussões parciais de tese de doutorado em andamento, onde temos por objetivo compreender as dinâmicas e os sentidos dos movimentos migratórios junto aos Vazanteiros e Quilombolas do Médio São Francisco, através de uma etnografia multissituada. Por meio da pesquisa, compreendemos que estão em movimento, se articulam e conectam de formas complexas, como a articulação “Vazanteiros em Movimento”, movimento social e político onde diferentes comunidades vazanteiras se organizam, a fim de reivindicar seus direitos e retomadas de território. Ao longo dos anos perderam áreas coletivas, de lagoas, de mata, de vivências, devido a grilagens e outras formas de encurralamento e assim, as mobilidades para trabalho se tornaram intensas. As migrações destinam plantações e colheitas de café no Triângulo Mineiro, e idas para Belo Horizonte e São Paulo, onde os homens saem majoritariamente para a construção civil e empresas agrícolas, já as mulheres para trabalhos domésticos, de cuidados. Movimentam em coletividade, os que migram, mas também os que ficam, se articulando em busca da regularização fundiária, da soberania das comunidades, do respeito ao modo de vida tradicional.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Comidas de Festejo: narrativas de mulheres da zona rural de Camocim-CE
Miguel Francisco de Paulo Rodrigues dos Santos (UFC)
Resumo: A presente comunicação refere-se ao esforço inicial de minha pesquisa de mestrado, na qual estudarei as narrativas de mulheres camponesas das comunidades Tapuio e Olho D'água, Camocim-CE, suas experiências no fazer da alimentação tradicional daquelas localidades e a interação desse fazer pra casa com o fazer pra vender nos Festejos do Pitimbu (Granja-CE). A inquietação para essa pesquisa surgiu a partir do relato de uma interlocutora-chave, minha tia, sobre sua luta, de outros tempos, em ir vender comida na festa citada. Esse fazer foi, durante muitos anos, uma das fontes de renda daquela casa, assim como de muitas outras daquele lugar. Estava presente nessa narrativa a forma de produzir alimento e cozinhar como rito (BARBOSA, 2007) e como meio de sobrevivência, como festa e como trabalho, combinando o sagrado e o popular. Esse cozinhar ritual está presente nas comidas simples do dia a dia, assim como nas comidas da Semana Santa, nas comidas do Dia de Finados, nos banquetes servidos nos velórios, no alimentar como gesto religioso (SOUSA JUNIOR, 2014), em algumas produções comerciais, nas comidas de festejo, nas farinhadas, etc. Portanto, para melhor compreender essas narrativas, as interlocutoras serão mulheres que vivem no meio rural e que no dia a dia preparam comidas características daquela região, mas em ocasiões específicas, comercializam esses quitutes nos festejos como fonte de renda. Analisarei a partir das narrativas dessas mulheres, quais as experiências da cozinha e do comércio desses gêneros, as relações sociais que se tecem em casa e fora dela. Desse estudo virão à tona trajetórias, personagens, ingredientes, modos de fazer e transformações alimentares. Quem são essas mulheres, quais suas origens? Qual sua relação com o sagrado? Quais são as comidas? Qual o trajeto-trânsito dos seus percursos? Percebo de antemão, que há um lugar de apagamento dessas histórias. Portanto, escrever sobre essas tradições a partir das narrativas dessas agentes, que por si constroem/mantém esse modo tradicional, parece-me relevante registrar esse lugar tão cotidiano e ao mesmo tempo tão ímpar da cultura alimentar do sertão do Nordeste. Em uma primeira ida a campo, em dezembro de 2023, constatei que o cenário se modificou em relação às expectativas iniciais, as mulheres do Tapuio e Olho D’água não estão mais vendendo nos Festejos do Pitimbu. No entanto estavam lá diversas outras pessoas de outros lugares e a ocasião ainda reúne boa variedade da comida tradicional. Assim se apresentam dois caminhos possíveis: continuar o campo nas comunidades de Tapuio e Olho D’água ou eleger outras comunidades para observação dos festejos, mantendo o interesse pela preparação dos alimentos pelo trabalho feminino.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
No lote, uma renda puxa outra: vacas, casas, pastos e rolistas em assentamentos camponeses do Pontal-SP
Nashieli Rangel Loera (UNICAMP)
Resumo: A região rural do Pontal de Paranapanema é a que teve, no estado de São Paulo, nos últimos 40 anos, o maior número de terras distribuídas (assentamentos) a demandantes de terra, participantes de movimentos sociais de trabalhadores rurais. Nesta região, um assentamento está intimamente vinculado a outro através de uma rede de parentes, amigos, conhecidos, e também de casas localizadas em pequenas cidades ou comunidades próximas, configurando assim um amplo território partilhado. Este trabalho, se apoia em uma pesquisa etnográfica de longa duração realizada durante mais de uma década entre famílias instaladas, inicialmente, em acampamentos sem-terra, e que após anos “debaixo da lona preta”, foram beneficiados com um lote da reforma agrária. A maioria dos assentamentos da região, tem a criação de vacas e produção de leite como atividade principal, e a partir do momento em que se entra nas terras, o lote começa a ser pensado e preparado para esta atividade. O lote vai sendo composto, e esta composição envolve uma série de cálculos e um planejamento para trocar o barraco pela casa, para preparar a terra e o pasto, fazer o curral, adquirir vacas e começar a produção de leite. Durante este processo, que pode durar anos, se colocam em movimento pessoas, parentes, objetos, animais, alimentos, dinheiro e outras produções do lote, assim como cuidados e consideração, num circuito de trocas extensas que envolve também lotes de outros assentamentos e casas das vilas vizinhas. Pedir e trocar são práticas que produzem vizinhança nestes espaços pois envolvem um conhecimento apurado daquilo que o outro tem ou necessita, principalmente nos momentos considerados pelos e pelas minhas interlocutoras como de precisão. Assim, a primeira vaca do lote se torna um evento, e conforme, a partir dela, se obtêm bezerros, se ganha dinheiro com a venda do seu leite, se adquire outra vaca ou uma criação (porcos, galinhas, etc.) se adquirem ou trocam objetos, insumos para a construção e melhoria da casa e do lote, é que essa vaca, assim como outras produções do lote são consideradas "renda". A produtividade do lote para os assentados e assentadas, não se mede então somente em litros de leite ou em alqueires plantados, mas principalmente na capacidade que "uma renda" tem de "puxar outras", o que lhes permite "desapertar das precisão". No entanto, nesse processo cotidiano de composição dos lotes e de produção de renda, há vizinhos e vizinhas, que na avaliação local, trocam demais, negociam demais, estão constantemente "fazendo rolos". Estes assentados e assentadas são chamados de "rolistas". Explorar esta complexidade de relações e mecanismos sociais que fazem possível o sustento, a existência, e a vida em comum dos assentamentos rurais do Pontal é o objetivo principal deste trabalho.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A casa e seus adjacências: espaços para a composição de processos de resistência e desaceleração do mundo
Quésia Daiara dos Santos de Jesus (UFBA), Cintia Beatriz Muller (UFBA)
Resumo: Os poderes e agências de espaços tradicionais são via de regra pensados em um contexto de ruralidade, contudo, em quilombos urbanos também podemos identificar espaços cosmopolíticos, potentes locais de manutenção de práticas relacionadas a identificação tradicional de um povo. A partir da pesquisa de Mestrado empreendia em um quilombo urbano na Região Metropolitana de Salvador/BA analiso a relação do espaço da casa e suas adjacências com práticas da cosmopolítica quilombola, um espaço seguro para desacelerar o mundo, compor tramas de resistência em relação aos perigos que se avizinham e reunir aqueles que são familiares a comunidade em um processo de confluência de forças para enfrentar outros mundos.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pia, faca, fogão e rodo; o corpo e a cozinha
Rafaela Gava Etechebere (UNICAMP)
Resumo: Descuidou-se e a faca picou a ponta do dedo. Estava com pressa, pegou a forma e queimou mãos nuas. Não ouviu o pino da panela de pressão soltar e ela explodiu. Esqueceu-se da hora, passou o dia todo em pé e as pernas não suportam as escadas. Na cozinha, a todo momento, estamos descaracterizando algo vivo para torná-lo comestível. O corpo nessa relação sempre é testado até o seu limite. E geralmente falha. Mesmo vivendo em tempos de glamourização da profissão de chef, o serviço na cozinha, como os outros trabalhos manuais no Brasil, geralmente é delegado à uma classe mais pobre. Ao contar alguns acontecimentos ocorridos na Cozinha da Ocupação 9 de Julho, onde trabalhei junto de mulheres e homens que viviam na ocupação, analisarei com Hartman (2022) sobre o trabalho manual e sobre o corpo negro feminino “como colônia para pensar nas prefigurações (Paternani, 2016) das mulheres negras associadas aos cuidados domésticos e culinários (Machado, 2022). Com ajuda das minhas vivências junto a Nice, procurarei focar nessas miudezas e nas manifestações mais diversas dos participantes da cozinha. Nesse tempo, era perceptível que a cozinha não era sinônimo de cuidado ou, necessariamente, nutrição. Ou que a luta era uma questão de fazer valer seus direitos a partir da consciência destes. Cozinha é trabalho, cansaço, dor, calor, mas também o dinheiro necessário para a família. A luta é uma questão de meio de vida.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mexidas em quintas, brotamento das ancestralidades: descobertas de ossadas, urnas funerárias e outros vestígios na Comunidade Quilombola Pambú-Araçá (Serra do Ramalho/BA)
Raphael Rodrigues (IFBAIANO), Amanda Jardim da Silva Rezende (UFMG)
Resumo: Em decorrência de um projeto de extensão executado pelo Instituto Federal Baiano (campus Bom Jesus da Lapa, BA), pretendemos compartilhar alguns elementos de nossa investigação antropológica na Comunidade Quilombola Pambú-Araçá, localizada às margens do Rio São Francisco no município de Serra do Ramalho, oeste baiano. A partir de encontros formativos com professores e lideranças da comunidade, foi possível identificar uma série de elementos relacionados à construção da memória local, ganhando destaque os vestígios arqueológicos. Tratados por alguns membros da comunidade como artifício que confere inegável ocupação tradicional do território, passaram a estender aos quintais dinâmicas imprevistas. As recentes mexidas nos terreiros são acompanhadas por cuidados no bater da enxada na terra e zelo no tratamento das ossadas, urnas funerárias, pontas de flecha encontradas em hortas, brincadeiras e instalação de cisternas na faixa dos quintais que margeiam o rio. Para além de um espaço de cultivo de plantas alimentícias, medicinais e ornamentais, os quintais passaram a ser lugares de evidência da ocupação ancestral, que se manifesta pelo seu brotamento, uma espécie de agência continuada no decorrer do processo de regularização fundiária e em meio aos conflitos contemporâneos enfrentados pelos moradores com a chegada de novos atores interessados em ocupar o território. Isso, somado a um esforço de construção da memória coletiva e o arrebatamento da amnésia como doença que atinge com frequência os mais velhos, nos traz interessantes dados etnográficos para compreender os processos de territorialização ocorridos ao longo das últimas décadas na comunidade. Em sua forma, conteúdo e acionamento, os relatos quilombolas sobre os quintais nos informam sobre as dinâmicas de habitação local, as relações de parentesco e as recentes formas de gestão do território, imbricadas no processo de constituição identitária da comunidade. Em síntese, pretendemos refletir sobre as contribuições de nosso projeto no fortalecimento identitário da comunidade, dando especial ênfase nos quintais como espaços de brotamento da ancestralidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Feijoada na lenha: receita de resistência da comunidade do Quilombo do Grotão em Niterói/RJ
Rodrigo Vilhena Herdy Afonso (UFF), Camila Aguiar Lins do Nascimento (UFF)
Resumo: O presente artigo pretende explorar como a família Bonfim passou a se identificar enquanto Quilombo do Grotão, tendo encontrado em seu “quintal“ e em uma antiga receita de família, a feijoada cozida na lenha, uma forma de reativar e resgatar memórias coletivas e de resistir aos processos de desterritorialização promovidos, antes, pela especulação imobiliária e, atualmente, por políticas ambientais. Após mais de um século vivendo em seu sítio nas encostas da Serra da Tiririca, que atualmente está inserida no Parque Estadual homônimo, a trajetória da comunidade familiar do Quilombo do Grotão acompanhou a transformação do espaço rural em espaço urbano e suas consequências no fazer/viver da comunidade. Diante das diuturnas ameaças de remoção, buscaram, em um primeiro momento, reunir aliados na luta pela resistência e enxergaram em seu “quintal o lugar propício à reunião e na feijoada na lenha um elemento agregador capaz de ativar antigas alianças com outras comunidades tradicionais da região, mas também trazer novos aliados como pesquisadores, universidades e partidos políticos. Desta forma, a feijoada era, inicialmente, servida aos participantes das reuniões convocadas para organizar a resistência e a luta pela permanência em seu lugar, resultando em uma relação de sucesso. Quando a comunidade se viu diante de dificuldades financeiras para registrar formalmente a sua associação comunitária, elemento visto como tático para a permanência da comunidade, passaram a comercializar a feijoada na lenha como forma de angariar os recursos necessários, adicionando as rodas de samba para “atrair um público cada vez maior. Atualmente, as rodas de samba no Quilombo do Grotão são eventos culturais reconhecidos e inseridos no “circuito do samba do Rio de Janeiro e que recebem sambistas bambas e novatos, consolidando-se enquanto espaço de reprodução e fortalecimento da cultura negra, enquanto a comercialização da feijoada na lenha pela comunidade do Quilombo do Grotão consolidou-se enquanto importante fonte de renda para os membros da comunidade. Interessante notar que a reativação do “quintal enquanto lugar de afeto e memórias, assim como o resgate da tradicional receita, aparecem na trajetória da comunidade do Grotão como elementos capazes de acionar a “tradicionalidade da comunidade, mas que no percurso dessa trajetória tais elementos vão sendo percebidos como resgate da cultura negra e se constituíram como elementos de tomada de consciência da própria realidade enquanto relacionada aos processos mais amplos de exploração dos quais os povos negros foram alvo no Brasil, conduzindo a uma espécie de ressurgência da identidade quilombola capaz de fazer frente a remoção compulsória, ao mesmo tempo que oferece a esperança do reconhecimento da ocupação permanente.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A dimensão doméstica no cuidado com a saúde entre as mulheres indígenas
Valéria da Silva Santos (UFBA)
Resumo: A partir de estudos bibliográficos entre mulheres indígenas no Nordeste brasileiro, é impossível refletir acerca da importância da dimensão doméstica e da socialidade no cuidado com a saúde. Embasado em estudos etnográficos com as mulheres indígenas Tupinambá de Olivença, Pataxó Hãhãhãe, na Bahia, Pankararu, em Pernambuco, Tapeba e Tremembé no Ceará verifica-se a prática de auto cuidado baseada, predominantemente, na utilização de plantas medicinais e na observância de determinados cuidados - denominado de resguardo. As plantas medicinais são comumente cultivadas nos quintais pelas mulheres. O conhecimento acerca das plantas medicinais, assim como do resguardo, é socializado de acordo a necessidade em que se apresenta. Cada qual compartilha seus conhecimentos sobre as formas de cura e cuidado, bem como as plantas medicinais que são necessárias para tal. Assim, é comum que as mulheres frequentem os quintais uma das outras, sendo muitas das vezes, este ambiente a porta de entrada para a casa. Ademais, como traz Joana Overing (1999), a influência da dimensão doméstica não está limitada a casa, ao ambiente privado. Os encontros, as convivências e as socialidades ocorridos no ambiente doméstico reverbera nas decisões coletivas e do que seria esse ambiente fora de casa, o público. É à beira do fogão onde se une. A mulher, dona da casa, que agrega seus filhos (as), noras, genros, netos (as) é inferida de respeito e autoridade, por ser ela quem alimenta e cuida. Contudo, esse ambiente doméstico foi despercebido na tradição antropológica, focada na maior parte das vezes nas figuras masculinas e nos espaços públicos. Por isso, o olhar sobre o ambiente doméstico e, as figuras femininas, traz consigo o potencial de compreender as agências em coletivos.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“O fogão é o pilar da casa”: Reflexões sobre parentesco, memória e domesticidade entre quilombolas mineiros
Yara de Cássia Alves (UEMG)
Resumo: O objetivo desta apresentação é analisar a centralidade que o fogão e as cozinhas possuem no cotidiano e no parentesco dos quilombolas de Macuco, Pinheiro, Gravatá e Mata Dois, comunidades situadas em Minas Novas, Vale do Jequitinhonha- MG. A partir de uma pesquisa de cunho etnográfico, iniciaremos o debate com os sentidos que as casas e, especialmente, as cozinhas ganham nas narrativas sobre o tempo e a construção das famílias. Como marcos, as cozinhas e seus fogões indicam o tamanho das famílias, a idade e solidez da casa, as mudanças que são consideradas necessárias diante de determinados momentos de desenvolvimento dos filhos, dentre outros aspectos. Para além, nos interessa perceber o que elas significam na feitura das relações, nos movimentos das prosas, algo semelhante ao que Ana Carneiro (2015) nos aponta entre os buraqueiros, ou nas práticas de constituição de modos e jeitos, próximo ao que nos indica Perruti (2022) entre a Familia Magalhães. Assim, nos deteremos nas formas como o fogão é compreendido como “pilar das casas, mas também das relações e dos corpos que ele aquece, mostrando a centralidade das cozinhas no feitura das casas, famílias e comunidades.