Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 034: Casas, cozinhas, quintais e suas agências em coletivos quilombolas, sertanejos, pescadores, indígenas e camponeses
No lote, uma renda puxa outra: vacas, casas, pastos e rolistas em assentamentos camponeses do Pontal-SP
A região rural do Pontal de Paranapanema é a que teve, no estado de São Paulo, nos últimos 40 anos, o maior número de terras distribuídas (assentamentos) a demandantes de terra, participantes de movimentos sociais de trabalhadores rurais. Nesta região, um assentamento está intimamente vinculado a outro através de uma rede de parentes, amigos, conhecidos, e também de casas localizadas em pequenas cidades ou comunidades próximas, configurando assim um amplo território partilhado. Este trabalho, se apoia em uma pesquisa etnográfica de longa duração realizada durante mais de uma década entre famílias instaladas, inicialmente, em acampamentos sem-terra, e que após anos debaixo da lona preta, foram beneficiados com um lote da reforma agrária. A maioria dos assentamentos da região, tem a criação de vacas e produção de leite como atividade principal, e a partir do momento em que se entra nas terras, o lote começa a ser pensado e preparado para esta atividade. O lote vai sendo composto, e esta composição envolve uma série de cálculos e um planejamento para trocar o barraco pela casa, para preparar a terra e o pasto, fazer o curral, adquirir vacas e começar a produção de leite. Durante este processo, que pode durar anos, se colocam em movimento pessoas, parentes, objetos, animais, alimentos, dinheiro e outras produções do lote, assim como cuidados e consideração, num circuito de trocas extensas que envolve também lotes de outros assentamentos e casas das vilas vizinhas. Pedir e trocar são práticas que produzem vizinhança nestes espaços pois envolvem um conhecimento apurado daquilo que o outro tem ou necessita, principalmente nos momentos considerados pelos e pelas minhas interlocutoras como de precisão. Assim, a primeira vaca do lote se torna um evento, e conforme, a partir dela, se obtêm bezerros, se ganha dinheiro com a venda do seu leite, se adquire outra vaca ou uma criação (porcos, galinhas, etc.) se adquirem ou trocam objetos, insumos para a construção e melhoria da casa e do lote, é que essa vaca, assim como outras produções do lote são consideradas "renda". A produtividade do lote para os assentados e assentadas, não se mede então somente em litros de leite ou em alqueires plantados, mas principalmente na capacidade que "uma renda" tem de "puxar outras", o que lhes permite "desapertar das precisão". No entanto, nesse processo cotidiano de composição dos lotes e de produção de renda, há vizinhos e vizinhas, que na avaliação local, trocam demais, negociam demais, estão constantemente "fazendo rolos". Estes assentados e assentadas são chamados de "rolistas". Explorar esta complexidade de relações e mecanismos sociais que fazem possível o sustento, a existência, e a vida em comum dos assentamentos rurais do Pontal é o objetivo principal deste trabalho.