Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 034: Casas, cozinhas, quintais e suas agências em coletivos quilombolas, sertanejos, pescadores, indígenas e camponeses
Salão, terreiro e cozinha na constituição do Grupo Afro Ganga Zumba: entre a rua de baixo e a rua de cima de uma comunidade quilombola da Zona da Mata mineira
Em 1988 nasce entre a rua de cima e a rua de baixo do Bairro de Fátima, na cidade mineira de Ponte Nova, o Grupo Afro Ganga Zumba. Gestado, parido e nutrido pelas práticas socioculturais matripotentes (OYĚWÙMÍ, 2016) elaboradas na diáspora negra enquanto práticas de existência inventiva (AZEVEDO, 2020), as práticas artísticas do Ganga protagonizadas e agenciadas por mulheres negras especialmente a partir das cozinhas, terreiros e salão de beleza, se tornaram a referência central para a ação política e pedagógica antirracista que transformou a comunidade negra rural do Morro do Sapé em território quilombola. O salão de beleza, as cozinhas e os terreiros das casas são os espaços seguros (COLLINS, 2019) que mobilizam e atualizam processos de autodefinição e autodeterminação negra e quilombola no território. O salão de beleza negra, local privilegiado de discussões sobre a vida comunitária, política, arte e cultura negra, entre outros assuntos de interesse comum (GOMES, 2008), aproximou duas mulheres visionárias que motivaram algumas adolescentes a criar um grupo de dança afro inspirado nos blocos afro-baianos. Do salão desceram para o terreiro, onde eram e ainda são realizados ensaios, encontros resolutivos e festivos, há quase quarenta anos. A rua calçada de pedra fincada virou palco para as apresentações de dança, canto-coral, batuques e cortejos. Das cozinhas emanam os aromas, sabores e saberes ancestrais que fortalecem os laços e a luta quilombola. O antigo salão se personificou naquela que cuida da estética e da beleza da comunidade por meio das amarrações de tecidos, figurinos e cenários. E a partir do uso estratégico da memória e das corporalidades repercutidas dos terreiros e das cozinhas das casas das mais velhas e de suas descendentes, e do dinâmico e complexo conjunto de atividades necessárias ao seu funcionamento, as mulheres do Ganga criam seus repertórios e com eles alianças e articulações dentro e fora da comunidade, além de contribuir com a revitalização constante de um jeito gangazumbeiro de ser e viver. Em torno desses espaços a comunidade se fortificou criando a Casa Ganga Zumba, atualmente circundada pelas conquistas como a Escola Municipal, o Posto de Saúde, o Centro de Referência de Assistência Social e a Capela. Contrastam e confrontam cotidianamente à especulação imobiliária, ao racismo ambiental e à penitenciária, que compõem o projeto colonialista (BISPO, 2015) de desarticulação territorial. Contudo, há quase um século as mesmas famílias, casas, cozinhas e terreiros reúnem pessoas, transformam corpos, vidas e reescrevem a história da Zona da Mata mineira.