ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 034: Casas, cozinhas, quintais e suas agências em coletivos quilombolas, sertanejos, pescadores, indígenas e camponeses
Rio Jaguaribe e mulheres pescadoras criando fartura, gente, comunidade e política.
Rio Jaguaribe é o maior rio do Ceará: atravessa praticamente todo o estado e vai desaguar numa foz povoada por muitas comunidades pesqueiras, rodeada de manguezais. Até a desembocadura suas águas contam a história do acúmulo de danos e impactos ambientais graves oriundos do agronegócio, da mineração, de um conjunto de barragens, da criação extensiva de camarão em cativeiro e do turismo. No sentido contrário, do mar ao sertão, um derramamento de petróleo em 2019 penetrou o rio, reforçando a sinergia dos danos. Ao longo de quatro anos de assessoria junto às pescadoras de três comunidades pesqueiras da foz do rio, percebi que as partes do rio são chamadas como partes do corpo humano. Cheio de bocas, troncos, braços, até “suvacos”, essa forma de nomear guarda profundo significado: para elas, é difícil falar de si e da comunidade sem falar no rio e nos mariscos. O contrário também é verdade. Na definição das ações formativas e intercâmbios enquanto assessora, foi uma demanda constante das pescadoras que nas programações sempre existisse um espaço resguardado àquilo que elas diziam “não ser trabalho”, em um contexto de grande demanda de trabalho político e militante: cozinhar, comer e trocar. Sururu, íntã, búzio, tainha, pirão, pampo, caranguejo, siri, aratu constituíam a “fartura fornecida pelo rio, preparada e partilhada entre elas nesses momentos de interdito à fala "política" , ainda que esse momento compusesse a programação de intercâmbios e oficinas. O rio, entendido como uma entidade democrática, acessível, nutridora e comum, vem possibilitando meninos “se criarem”, que períodos de “carestia sejam atravessados (a exemplo da pandemia), que a alimentação dos mais velhos seja garantida, que com os caldos dos mariscos e do pescado as pessoas possam acalmar de suas aflições e ter boa noite de sono. O marisco media e promove relações comunitárias, de vizinhança, na igreja, de amizade. Este trabalho pretende se voltar a pensar sobre a relação das mulheres pescadoras com o cozinhar e o comer juntas e sobre quais sentidos essa prática traz a respeito de um contexto socioambiental de um rio tão maltratado quanto farto e de luta fundiária, assim como uma forma de fazer comunidade. Ainda, pretende pensar sobre as relações entre corpo e território. Por fim, o trabalho se importa a compreender como comer se constituiu como laço e forma de criar uma rede de mulheres do rio e suas lutas.