ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 034: Casas, cozinhas, quintais e suas agências em coletivos quilombolas, sertanejos, pescadores, indígenas e camponeses
Feijoada na lenha: receita de resistência da comunidade do Quilombo do Grotão em Niterói/RJ
O presente artigo pretende explorar como a família Bonfim passou a se identificar enquanto Quilombo do Grotão, tendo encontrado em seu “quintal“ e em uma antiga receita de família, a feijoada cozida na lenha, uma forma de reativar e resgatar memórias coletivas e de resistir aos processos de desterritorialização promovidos, antes, pela especulação imobiliária e, atualmente, por políticas ambientais. Após mais de um século vivendo em seu sítio nas encostas da Serra da Tiririca, que atualmente está inserida no Parque Estadual homônimo, a trajetória da comunidade familiar do Quilombo do Grotão acompanhou a transformação do espaço rural em espaço urbano e suas consequências no fazer/viver da comunidade. Diante das diuturnas ameaças de remoção, buscaram, em um primeiro momento, reunir aliados na luta pela resistência e enxergaram em seu “quintal o lugar propício à reunião e na feijoada na lenha um elemento agregador capaz de ativar antigas alianças com outras comunidades tradicionais da região, mas também trazer novos aliados como pesquisadores, universidades e partidos políticos. Desta forma, a feijoada era, inicialmente, servida aos participantes das reuniões convocadas para organizar a resistência e a luta pela permanência em seu lugar, resultando em uma relação de sucesso. Quando a comunidade se viu diante de dificuldades financeiras para registrar formalmente a sua associação comunitária, elemento visto como tático para a permanência da comunidade, passaram a comercializar a feijoada na lenha como forma de angariar os recursos necessários, adicionando as rodas de samba para “atrair um público cada vez maior. Atualmente, as rodas de samba no Quilombo do Grotão são eventos culturais reconhecidos e inseridos no “circuito do samba do Rio de Janeiro e que recebem sambistas bambas e novatos, consolidando-se enquanto espaço de reprodução e fortalecimento da cultura negra, enquanto a comercialização da feijoada na lenha pela comunidade do Quilombo do Grotão consolidou-se enquanto importante fonte de renda para os membros da comunidade. Interessante notar que a reativação do “quintal enquanto lugar de afeto e memórias, assim como o resgate da tradicional receita, aparecem na trajetória da comunidade do Grotão como elementos capazes de acionar a “tradicionalidade da comunidade, mas que no percurso dessa trajetória tais elementos vão sendo percebidos como resgate da cultura negra e se constituíram como elementos de tomada de consciência da própria realidade enquanto relacionada aos processos mais amplos de exploração dos quais os povos negros foram alvo no Brasil, conduzindo a uma espécie de ressurgência da identidade quilombola capaz de fazer frente a remoção compulsória, ao mesmo tempo que oferece a esperança do reconhecimento da ocupação permanente.