ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 086: Povos indígenas e experiências de construções biográficas
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Coordenação
Rita de Cássia Melo Santos (UFPB), João Pacheco de Oliveira Filho (UFBA)

Resumo:
O GT busca reunir pesquisas que apresentem interpretações novas sobre a persistente presença e protagonismo dos povos indígenas no Brasil desde o período colonial até à atualidade. Partindo de contribuições dos campos da antropologia, sociologia, história, entre outros, buscamos reunir biografias, trajetórias, histórias de vida, autobiografias, etnobiografias. Através dessas modalidades de registros biográficos, pretendemos estimular a compreensão da complexidade das formas de participação indígena na constituição da história nacional bem como dos regimes de memória e outrificação de que foram objeto. Entendemos a produção em registro biográfico como uma ferramenta narrativa crítica, importante para compreender a articulação de comunidades, instituições, projetos políticos e utopias. Algo no sentido ao que Jacques Revel denomina “etnobiografias”. As propostas podem assim tratar de uma pessoa, um casal, uma família, um pequeno grupo ou ainda um acontecimento significativo. As transformações sociais serão tratadas como fenômenos sociais totais, envolvendo dimensões emocionais e afetivas, explorando aspectos contraditórios e ambíguos nas relações sociais, considerando também os contextos intersocietários e buscando compreender o protagonismo e a “agency” permanentemente exercida pelos indígenas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Uma semana a pé": caminhos percorridos por Dona Zeferina no cuidado com parentes Kinikinau
Aila Villela Bolzan (UFPR)
Resumo: Dona Zeferina, a vovó”, como é chamada por seus descendentes coabitantes do seu entorno, é filha de pai e mãe Kinikinau. Terena, Kinikinau e Laiana são representantes atuais dos povos Chané-Guaná, de língua e etos Aruak, cujos ancestrais viviam no Chaco paraguaio e Pantanal. Esta senhora, com aproximadamente 90 anos, vive atualmente na aldeia Mãe Terra, Eno Poke´e, uma retomada no Pantanal sul-mato-grossense juridicamente identificada e declarada de ocupação tradicional Terena. Mediada por sua filha mais velha, Águeda, nos conhecemos em 2010, e na ocasião ela vivia junto a seu finado marido Miguel, filho de índio Laiana, como fazia questão de dizer. Pisando na terra, percorrendo caminhos que interligam aldeias e territórios indígenas, a biografia proposta objetiva apresentar algumas passagens da micro-história de Zeferina e da parentela dos Roberto/Moreira/Pereira. Colocando-a em diálogo com os efeitos da política indigenista brasileira nos incessantes e atuais desterros Kinikinau, os episódios e motivações das principais andanças narradas por ela também envolvem feitiços, parentesco, o convívio compulsório com sistemas de outras etnias e um pouco mais a ser desvendado. Para lidar com as ameaças que recaíram sobre a vida de Dona Zeferina e de sua família, a mobilidade e reordenação territorial tornaram-se modos de proteção para construir o cuidado dos seus e de si.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Histórias de mulheres e retomada: A intersecção entre gênero e memória coletiva Xokó
Ana Carolina de Assis Marinho da Silva (UFBA)
Resumo: A história da retomada do território Xokó revela uma memória de mulheres produzida na luta. Essa memória é compartilhada nos atos de cuidar, zelar os santos e entidades, no cultivo do arroz, na produção de cerâmica, no ritual sagrado, na alfabetização do povo. Os atos de cuidar são uma memória prioritariamente construída por e entre mulheres. Desde suas casas, elas seguiam o percurso do barreiro, daí para as lagoas - onde tinham as plantações de arroz - passando pela igreja e pelo local do ritual sagrado. Dessa forma, suas histórias perpassam e estão representadas em todo o território. Apesar das políticas de invisibilização, quando a luta pela terra é narrada pelas mulheres, elas retomam um lugar da memória coletiva deixado à margem e revelam novos personagens, modos de existência, performances e memória. O narrar remonta o território do passado no presente e resgata histórias de resistência e protagonismos. Uma manutenção de si na história. É também através da narrativa que elas começam a se auto perceberem donas da terra”, como disse Dona Dadinha ao final de uma trajetória de vários encontros. Narrar constrói presença e se torna, assim, uma ferramenta não só de manutenção, mas de materialização de si na história. É na oralidade que elas se percebem atuantes, pertencentes, donas também do enredo narrativo. As histórias de mulheres revelam assim uma camada ainda mais profunda que se sobrepõe às suas narrativas, deflagrando a intersecção vivenciada pelo gênero.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Caminhos Invisíveis: Crianças Indígenas em Manaus e a História Não Contada da Era da Borracha
Ana Luiza Morais Soares (Vanderbilt University)
Resumo: Ao focar nas trajetórias de crianças indígenas em Manaus no final do século XIX, esta apresentação conta uma história da opulenta cidade da borracha que não se vê em livros didáticos nem na historiografia tradicional da cidade. Nesta narrativa, delineio a história das redes de poder relacional que orquestrou a circulação de crianças, trabalho infantil e inserção em internatos na Paris dos Trópicos”. Através da história de vida de Angela, Benedicta e Pulcheria, é possível entender num nível micro como a concessão, ou negação, da cidadania operava para as populações indígenas no período pós-independência, marcado pela crescente precarização que ainda permeia a realidade indígena contemporânea no Brasil. A história do Brasil perpetuou por muitos anos uma perspectiva das populações brasileiras como vítimas passivas ou como heróis que se sacrificaram aliando-se aos colonizadores, portanto, personagens idealizados de um passado distante. Essa narrativa histórica escrita do ponto de vista do colonizador e criada para consolidar uma ideia de nação homogênea sobre a égide do Tupi legitimou uma antropologia das perdas”. A partir dos anos 90, o campo da história indígena tem desafiado essas narrativas que relegavam os indígenas a papéis secundários na história do Brasil. Deste modo, ao enfocar possíveis construções biográficas do passado, podemos fortalecer os esforços em escrever uma história e uma realidade contemporânea embasadas em diversas vozes.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
MA’E UHUA’U IAPO PYR: modos indígenas de compor projetos
Anderson Augusto Mota Serra (UNIFESP), Melvina Afra Mendes de Araújo (UNIFESP), Paula Marize Nogueira Pereira (UFMA)
Resumo: Este trabalho realiza uma etnografia em relação aos modos indígenas do povo Tentehar, falantes de uma variante do Tupi-Guarani (RODRIGUES, 1986), de conceber práticas segundo a concepção de ma’e uhua’u iapo pyr, que envolvem estratégias produzidas na relação com empreendimentos econômicos vinculados ao agronegócio e extrativismo mineral e vegetal complexificados como projetos dos karaiw. Partindo de uma experiência de pesquisa anterior na cidade maranhense de Imperatriz, junto a indígenas Tentehar, a pesquisa foi desenvolvida a partir dos discursos de interlocutores provenientes das Terras Indígenas (TI) Araribóia, Rio Pindaré e Cana Brava/Guajajara, que vêm experimentando nas últimas décadas uma série de transformações econômicas, que põem em xeque a preservação daquilo que esse povo considera importante para gerar uma “boa vida” visando a preservação da biodiversidade, humana e não humana, das terras onde vivem constituídas, em grande parte, pela floresta amazônica. Para tanto, enfocamos o ma’e uhua’u iapo pyr, uma concepção produzida pelos Tentehar através das relações entre produção de conhecimentos apreendidos nas suas relações com os karaiw – não indígenas – e outras alteridades (outros indígenas, “não-humanos”, etc.) para lidar com os impactos ocasionados pelos projetos dos karaiw.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tikuein: não esqueci de minha gente nem do que passei”
Carmen Lucia da Silva (UFMT), Carmen Lucia da Silva (UFMT), Edilene Coffaci de Lima (UFPR)
Resumo: Tikuein, chamado na Nhaguarai na língua xetá, foi um dos que sobreviveu à violência do contato em meados do século passado, quando era ainda criança. A frente cafeeira naquela ocasião – vivia-se a Marcha para o Oeste, do período getulista – teve seu último impulso e violentamente alcançou os Xetá na Serra dos Dourados, no noroeste paranaense, causando o total desmantelamento do grupo em uma ação desorganizada do SPI, ou organizada apenas para removê-los do lugar, sem qualquer plano de atendimento e socorro. A partir da remoção, a vida de Tikuein foi toda atribulada: morou em várias terras indígenas, trabalhou como boia-fria no Mato Grosso do Sul, tomou parte e foi absolvido em um processo penal e envolveu-se, em diferentes momentos, desde os anos 1960, em pesquisas acadêmicas de antropologia e linguística. Buscamos aqui refazer parte de sua biografia, detalhando sua memória do contato e sua incessante luta pela recuperação de suas terras originárias. Falecido em 2005, os Xetá permanecem, quase 20 anos depois, sem terem suas terras demarcadas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Protagonismo indígena letrado: a trajetória do secretário de cabildo Primo Ybarenda (ca 1753-1786)
Eduardo Santos Neumann (UFRGS)
Resumo: Nas reduções guaranis administradas pelos jesuítas no Paraguai colonial a prática da escrita estava bastante difundida entre os indígenas e foi utilizada por eles com frequência a partir do início dos trabalhos de demarcação de limites. Entre os guaranis letrados cuja trajetória dispomos de maiores detalhes destacamos a de Primo Ybarenda cuja atuação localizamos evidências desde meados do século XVIII. Mesmo sem sabermos com certeza a motivação que norteou a escrita dos seus primeiros textos em 1753, o fato é que, quinze anos depois, Ybarenda seguia exercendo a função de quatiáapohara, no caso secretário do cabildo miguelista. Com a expulsão dos jesuítas da América hispânica o protagonismo desse índio letrado ganhou maior visibilidade, tanto por conta da importância de seu cargo, como pela destreza manifesta no manejo da pluma e da tinta. Quando Francisco Bruno de Zabala compareceu a São Miguel, em 30 de julho de 1768, para acompanhar o inventário dos bens da redução, ficou surpreso com a caligrafia do escrivão de São Miguel. E, ao descrever sua entrada nessa redução, expressou a seu modo, com espanto, em uma nota à margem de um documento: el que há escrito esta carta, es indio de este pueblo y dictandole yo la há escrito”. No ano de 1786, os cabildantes da redução de São Miguel elaboram um memorial bilíngüe, em guarani e espanhol, para ser enviado ao governador. Nesse memorial coletivo de São Miguel, além do pedido de substituição do administrador Manuel Burgos, homem de poco espiritu y tanto tardo en resolver”, lê-se ao final: Opa catu oyerure reco rupi Casiques chebe amoí Cherera ape Primo Ybarenda (“a ruegos de todos los Caciques que no saben firmar pongo mi nombre aqui Primo Ybarenda”). Após décadas exercendo o ofício de secretário todos os indícios sugerem que Ybarenda é um exemplo singular de índio especializado na escrita. Sua capacidade letrada reflete o ensino praticado nas reduções durante o período jesuítico e poucos apresentam uma trajetória comparável à sua. Sua competência, em alguns momentos, extrapolou as atribuições usualmente conferidas a um secretário, cargo que ocupou por aproximadamente 30 anos. Ao desempenhar seu ofício ele deixou marcas, sinais de seu protagonismo no cargo que desempenhava no cabildo de São Miguel. E o conteúdo de alguns desses papéis redigidos por Ybarenda sugerem que ele desempenhou bem mais que as funções de um mero escrivão, revelando aspectos da capacidade de ação desse indígena letrado em meio as mudanças administrativas em curso na região..

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O pajé e o antropólogo indígena: de trajetórias e encontros, reescrevendo a história indígena no baixo Tapajós (Amazônia)
Edviges Marta Ioris (UFSC)
Resumo: A apresentação abordará as trajetórias de vida e o encontro entre duas pessoas que foram fundamentais para o processo de reafirmação étnica e cultural que se desencadeou na região do baixo Rio Tapajós, oeste do estado do Pará, na virada para o século XXI: o pajé Laurelino Floriano Cruz e o antropólogo indígena Florêncio Almeida Vaz Filho. Laurelino foi um último pajé de largo reconhecimento na região, oriundo do alto Rio Arapiuns, identificava-se como indígena kumaruara. Foi chefe de um extenso núcleo doméstico que constituía a comunidade de Taquara, cuja formação e organização sociopolítica e econômica estava assentada nas suas práticas xamânicas em trabalhos de cura. A sua morte em 1998 desencadeou um processou de reflexão entre seus descentes sobre suas origens étnicas, depois de eles, em luto, ouvirem repetidamente as fitas cassetes em que havia sido gravadas longas entrevistas concedidas à Florêncio, então estudante de mestrado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, na UFRJ, durante seus levantamentos de campo. Nas gravações, além de relatar suas trajetórias e iniciação nos trabalhos de cura, Laurelino pedia aos seus filhos e netos que não esquecessem suas origens e cultura indígena. Da escuta destas fitas, seus descentes tomaram a decisão de reconhecer suas origens éticas e seu pertencimento junto ao povo Munduruku, e passaram a se organizar política e territorialmente de acordo com seus preceitos étnicos. Enquanto realizava essas gravações como parte de seus levantamentos de pesquisa, Florêncio, também originário da região do baixo Tapajós, da comunidade de Pinhel, passava por um processo semelhante de reflexão sobre suas origens étnicas, quando passou a igualmente reconhecer seu pertencimento histórico ao povo Maytapú e a desenvolver um trabalho de recuperação da memória e da história do indígena no baixo tapajós, para reafirmar a sua continuidade nos dias atuais. Esse processo de reafirmação étnica e cultural que insurgiu inicialmente na comunidade de Taquara, após a morte de Laurelino, desencadeou processos semelhantes entre várias outras comunidades da região do baixo Tapajós, que também passaram a reconhecer suas origens e pertencimentos étnicos, em sua maioria, à povos que a literatura afirmava como extintos. Atualmente, cerca de cem comunidades do baixo Tapajós se reconhecem como pertencente a um povo indígena. Ao apresentar as trajetórias de vida e o encontro entre Laurelino e Florêncio objetiva-se refletir sobre estes eventos que potencializaram um inexorável movimento a reescrever as páginas da história e reinserir a presença indígena na região. Objetiva-se também problematizar os processos de violência e apagamentos dos indígenas nos registros historiográficos e o protagonismo indígena em revertê-los.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O Botocudo Kuêk E O Lugar Do Indígena Na Produção Do Conhecimento
Izadora de Souza Vieira (UFES)
Resumo: O presente trabalho consiste em investigar o lugar de produção do conhecimento do botocudo Kuêk, ou Joachim Quack (1804-1834), tendo como base os trabalhos do viajante naturalista, Maximiliano zu Wied Neuwied (1782-1867), e outros documentos correlatos que remontam à trajetória do indígena. A retomada dessa etno-biografia (REVEL, 1998:22) está inserida no campo de discussão da relação de jogos de força e interdependência, tendo como fio condutor, o elo entre o contexto colonial e a política tutelar, que nos orienta para a discussão do lugar do indígena na produção do conhecimento, de alteridades e de acionamento de agências. Por meio da revisão bibliográfica documental é possível mapear e problematizar como a alteridade surge na literatura sobre os viajantes naturalistas e escritos de Maximiliano, já que Kuêk atuava como auxiliar em na descrição etnográfica do litoral brasileiro e quais os mecanismos são acionados pelo sujeito indígena na construção dessa relação. A busca e elaboração desses elementos, por vezes, implícitos, nos permite construir uma biografia sob um viés histórico que se atrela a constituição da fundação da nação. Cabe destacar por fim, a importância da retomada de uma trajetória indígena do contexto colonial como subsídio no processo de reconstituição de direitos, memória e território dessas populações.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Um personagem histórico e múltiplas representações
João Pacheco de Oliveira Filho (UFBA)
Resumo: Um menino Bororo foi adotado por uma dama da alta sociedade, na Corte Imperial no Rio de Janeiro, na década de 1880. Em um trabalho anterior, eu havia discutido a complexa relação de adoção instituída, considerando que o indígena foi efetivamente integrado à família como filho e sucessor. O que pretendo aqui explorar é algo bem distinto: como foram construídas os múltiplos registros sobre esta criança. AS fotografias feitas por Marc Ferrez retratam o menino sozinho ou em companhia de outros indígenas; uma tela, feito por pintor anônimo e depositada no Museu Nacional, o caracteriza como um gentleman; cartões postais e cartões de visita reaproveitam a sua imagem com finalidades diversas. Rompendo com qualquer pretensão de autenticidade, a pesquisa procura refletir sobre os Bororo e a sociedade brasileira dessa época.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os pioneirismos de Joenia Wapichana: impactos de uma trajetória no cenário político nacional
Leonara de Araújo Alves (UFPB)
Resumo: O presente trabalho se propõe a apresentar uma etnobiografia de Joenia Wapichana, destacando três pioneirismos desta no cenário político nacional, a saber: a atuação enquanto primeira advogada indigena do Brasil; o mandato parlamentar sendo a primeira deputada indigena a ocupar um assento na Câmara dos Deputados; e o recente marco de ser a primeira mulher indígena a presidir a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Compreendendo que a etnobiografia revela muito além de uma narrativa linear e individual, e buscando romper com as dicotomias imperantes de indivíduo versus sociedade, subjetivo versus objetivo (KOFES, 2015), a etnobiografia é aqui tratada como o diálogo permanente entre as experiências do indivíduo e as possibilidades da cultura (GONÇALVES, 2012). Enxergando as contribuições que a etnobiografia oferece para o campo antropológico, e endossando a fala de Kofes de que onde há um nome, há um conjunto de relações (p. 33), a discussão sobre a trajetória social de Joenia Wapichana pretende corroborar para a emergência de narrativas outras sobre as populações indígenas, sobretudo no que se refere às participações 一 por séculos impossibilitadas 一 no âmbito das instituições públicas brasileiras, demonstrando como a atuação de Joenia em cargos políticos de destaque impacta, através da representatividade, outros circuitos e a própria história. GONÇALVES, Marco Antonio. Etnobiografia: biografia e etnografia ou como se encontram pessoas e personagens. In: GONÇALVES, Marco Antonio; MARQUES, Roberto; CARDOSO, Vânia (Orgs.). Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012, p. 19-41. KOFES, Suely. Narrativas biográficas: que tipo de antropologia isso pode ser? In: KOFES, Suely; MANICA, Daniela (Orgs.). Vida & grafias: narrativas antropológicas entre biografia e etnografia. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015, p. 20-39.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
João Henrique Elliott e a biblioteca invisível de Curt Nimuendají
Pablo Antunha Barbosa (ufsb)
Resumo: O objetivo desta apresentação é trazer informações a respeito de João Henrique Elliott, sertanista norte americano que se radicou no Brasil onde viveu entre 1830 e 1880 aproximadamente. Elliott tem uma vasta obra dedicada aos povos indígenas das antigas províncias de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, particularmente aos povos Guarani e Kaiowa. Inclusive, ele escreveu um importante texto sobre deslocamentos que esses povos realizaram na metade do s. XIX em direção ao leste, deslocamentos que estavam relacionados com com a política de aldeamento do Império. Paradoxalmente, esteve trabalho permanece completamente esquecido e ignorado. De alguma forma, isso se deve a recepção da obra de Curt Nimuendajú, outro estrangeiro que também se radicou no Brasil. Nesta apresentação, tentaremos explorar alguns elementos que nos ajudam a entender como a obra de Elliott foi sendo progressivamente esquecida pela antropologia, mas particularmente pelos guaraniólogos contemporâneos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A saga de Mestre Roque Tuxá Setsor Bragagá e sua família, a reconstituição da viagem da volta.
Reginaldo Cordeiro dos Santos Junior (PUC MINAS)
Resumo: Este trabalho, a reconstituição da viagem da volta, é parte da minha pesquisa de doutorado, realizada com o povo indígena Tuxá Setsor Bragagá de Pirapora, Buritizeiro, MG, no período de 2019 a 2024. “A viagem da volta (Oliveira, 2004; 1994), aborda o problema histórico relacionado ao reconhecimento dos povos indígenas do Nordeste pelo Estado e pela sociedade brasileira. Este problema se constitui através da disseminação da ideologia colonial de que na atualidade, não existiria mais povos indígenas no Nordeste. O que há na sociedade, segundo Oliveira (1994), (...) de fato é a reiteração de uma insatisfação do não-especialista com o uso técnico do termo índio, que não coincide com (...) (Oliveira, 1994, p. 5) a realidade dos povos indígenas do Nordeste. Proponho apresentar, a saga da liderança indígena, Mestre Roque Tuxá Setsor Bragagá e de sua família, através do que denomino a reconstituição da viagem da volta. Esta reconstituição, diz respeito ao refazer etnográfico, com foco na memória e identidade, do percurso feito pelo Cacique e liderança indígena Tuxá, Mestre Roque e sua família, desde a sua saída na década de 1950, da aldeia mãe em Velha Rodelas - Bahia, no intuito de instruir a diáspora dos Tuxá Setsor Bragagá desde do Velho Chico de Rodelas ao Velho Chico do norte mineiro, em Pirapora/MG. O objetivo do que denomino a "reconstituição da viagem da volta é compreender o processo de territorialização a partir da história de vida de Mestre Roque de sua ramagem e como ele organizou a vida, criando essa unidade política e religiosa denominada povo indígena Setsor Bragagá de Pirapora – Buritizeiro – MG.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Muyrã-Ubi e Iratembé na formação da Paraíba. Atualizando memórias, recriando personagens históricos desde uma nova perspectiva.
Rita de Cássia Melo Santos (UFPB)
Resumo: Muyrã-Ubi e Iratembé foram duas mulheres indígenas fundamentais à formação das capitanias de Pernambuco e da Paraíba durante o século XVI. A primeira, casada com Jerônimo de Albuquerque, cunhado do presidente da província de Pernambuco, foi responsável por uma vasta linhagem de descendentes que ocuparam diferentes cargos públicos e chefiaram missões de conquista nas províncias ao Norte. Conhecida como uma das mães do povo brasileiro, juntamente com Paraguaçu, na Bahia, e Bartira, em São Paulo, sua atuação remete aos mitos da origem indígena brasileira. O rapto de Iratembé por um mameluco deu início a uma série de conflitos que ficou conhecido como a Tragédia de Tracunhaém”, ocorrida em 1574, e da qual desencadeou o processo da criação da província da Paraíba a partir de sua separação territorial da província de Pernambuco. Ambas, apesar das recorrentes referências em documentos e acervos históricos, não possuíam biografias sistematizadas tampouco imagens iconográficas que as representassem. A partir do projeto de extensão e pesquisa intitulado Trajetórias indígenas como caminho para educação das relações étnico-raciais na Paraíba (UFPB, 2017-2020) e do qual resultou o livro paradidático Muyrã-Ubi e Iratembé na origem da Paraíba (Ed. ASES, 2023) pretendo nesse artigo explorar o processo de pesquisa de dados e de construção biográfica para figuras indígenas recuadas no tempo, bem como os princípios adotados para a construção da iconografia realizada e seus impactos no segmento infanto-juvenil a que se destina o material produzido. Em um segundo plano, pretendo ainda refletir sobre o papel a ser desempenhado pela antropologia no ensino básico. Apesar de não constituir uma disciplina obrigatória, sendo sua abordagem realizada de modo indireto a partir do ensino da sociologia no ensino médio, o presente artigo pretende refletir sobre os alcances de sua contribuição em consonância com as diretrizes estabelecidas a partir da lei 11.645/2008. E, por fim, recuperando os debates sobre antropologia pública, pretendo discutir caminhos alternativos à atuação do antropológica já consolidada em trabalhos técnicos (a exemplo da produção de laudos, relatórios, assessorias entre outros), reinserindo-a na arena mais ampla da educação de jovens e adultos e o papel de combate à desinformação potencializada nos últimos anos sobretudo a partir da disseminação de fake news acerca dos povos indígenas e que re-atualizaram antigos e arraigados preconceitos contra esses povos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
No Alto Rio Negro, contar histórias de vida de mulheres que fazem cerâmica é reconhecer o protagonismo etnopolítico feminino
Sileusa Natalina Menezes Monteiro (UFAM), Maria Helena Ortolan (UFAM)
Resumo: Sileusa Natalina Menezes Monteiro (UFAM/AMAZONAS/BRASIL) Maria Helena Ortolan (UFAM/AMAZONAS/BRASIL) Neste trabalho, as autoras pretendem trazer para o GT 086 suas reflexões sobre a importância etnográfica de fazer conhecida as histórias de vida de mulheres Tukano e Dessana que fazem cerâmica no Distrito de Taracuá/Rio Uaupés por proporcionar uma compreensão antropológica do fazer etnopolítico feminino no Alto Rio Negro. No atual momento histórico das relações interétnicas no Brasil, reconhecemos que é ainda maior a relevância de escolher estas mulheres para contar suas histórias por suas ações não possuírem o mesmo destaque político nacional e internacional que outras lideranças femininas com papéis relevantes em espaços públicos tanto governamentais (por exemplo, no Congresso Nacional, Ministério dos Povos Indígenas, FUNAI, SESAI, etcn.) como não governamentais (por exemplo, organizações indígenas de representatividade regional e nacional, Fóruns nacionais e internacionais, redes sociais). As histórias de vida das mulheres produtoras de cerâmica no Alto Rio Negro abordam mais do que feitos pessoais, por demonstrarem como a história dos povos indígenas no Brasil é compostas por ações cotidianas de resistência que são praticadas nos contextos das relações interétnicas locais e regionais nos quais os povos indígenas estão inseridos. Ou seja, falar das experiências de vida destas mulheres fazedoras de cerâmicas no Alto Rio Negro é reconhecer historicamente a importância do protagonismo etnopolítico feminino quando "da carne da terra se faz a cerâmica”. Uma das autoras deste trabalho, Sileusa Natalina Menezes Monteiro, pertencente ao Povo Ɨmɨkomahsã (Dessana), tem a história de sua família entrelaçada com a história destas mulheres. Seu avô paterno Siripó foi um dos primeiros alunos interno da Missão Salesiana do Distrito de Taracuá, no Rio Uaupés, junto a Foz do Tiquié. Por ter aprendido marcenaria e trabalhos de pedreiro, foi requisitado a morar na Missão para ajudar na construção da igreja e das instalações do internato feminino. Seu pai Diakuro, que foi aluno interno da Missão Salesiana de Taracuá desde seus 09 anos, conheceu na juventude sua mãe Yusio Josefina Menezes, do povo Tukano da aldeia Serã Yo㠖 Ananás, localizada no Baixo Rio Uaupés, e constitui uma família com sete filhos (seis meninas e um menino). A história de vida dos familiares de Sileusa, assim como das mulheres fazedoras de cerâmicas em Taracuá, é exemplar dos desafios cotidianos que Tukano e Dessana enfrentaram para manter sua diversidade étnica em um contexto histórico de imposição cultural do modo de vida ocidental. São estes enfrentamentos que continuam desafiando as mulheres Tukano e Dessana que fazem da cerâmica seu protagonismo etnopolítico.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cacique Guiragibe: protagonismo e silenciamento indígena na história da Paraíba
Valclécia Bezerra Soares (UFPB)
Resumo: A história do Brasil se estrutura a partir da celebração de heróis nacionais, episódios marcantes, monumentos, que constituem os lugares de memória (Nora, 1989), seguindo o cortejo dos vencedores (BENJAMIN, 1994), cujos papéis centrais são ocupados pelos colonizadores em detrimento das populações indígenas. Discursos produzidos pela historiografia, em sua maioria, ressaltam feitos de grandes personagens que teriam sido responsáveis por expedições, batalhas, conquista e expansão de territórios. A partir de um levantamento bibliográfico sobre a História da Paraíba e da identificação da presença indígena como elemento central em sua formação, esse trabalho busca compreender a trajetória do cacique Guiragibe e sua relação com o contexto em que viveu. Dentro das narrativas contadas pela história, foram realizadas buscas por vestígios dos povos indígenas em especial do cacique tabajara Guiragibe que viveu no século XVI, para, a partir desses fragmentos, construir uma narrativa que possa apontar para a presença indígena na conquista da Paraíba. A pesquisa contou com poucas informações, mas com registros recorrentes sobre a presença de Guiragibe no primeiro século da colonização, estabelecendo alianças com portugueses e com os Potiguaras, nas expedições de expansão do território, em construções de fortificações e engenhos etc. A menção ao seu nome é frequente, mas a ausência de informações mais precisas é sintomático do processo de silenciamento e apagamentos desses grupos. O objetivo desse trabalho é proporcionar um espaço para novas interpretações das narrativas oficiais que possibilitem a compreensão dos povos indígenas no Brasil, em especial na Paraíba, como sujeitos ativos, cujas ações foram não só indispensáveis para concretização do projeto colonizador, fornecendo outras possibilidades de leituras históricas e antropológicas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A pós-memória de Içá-Mirim: o legado do jovem carijó na Normandia
Vanessa Pastorini (USP)
Resumo: Binoit Paulmier, também conhecido como Içá-Mirim ou Essomericq, foi o filho do cacique carijó Arosca levado à França no século XVI a bordo do navio L’Espoir. O combinado entre o capitão e o cacique, dizem, era o jovem aprender o manuseio das armas de fogo e ser devolvido ao seu povo passadas vinte luas. Entretanto, o trato não pode ser respeitado devido a um incidente com o navio, fazendo do jovem Essomericq o primeiro indígena a pisar na Normandia e ai viver. Tendo se tornado um aristocrata, a vida do batizado Binoit Paulmier ilustra o que poderia ter sido o bom-contato’, tendo vivido 95 anos e deixado um legado no território francês (Perrone-Moisés, 1999). Apesar de não possuímos documentos do próprio Essomericq, as produções da pós-memória dos seus descendentes servem de ponto de partida para a releitura dessa história: uma do seu bisneto, o abade Jean Paulmier (1673), e outra de Dorothée de Linares (2018), catorze gerações posteriores. Os estudos da memória e as pesquisas que vêm sendo realizadas no âmbito da pós-memória atuam como importante base teórica para mapearmos as significações que atravessam os discursos presentes em diferentes regimes de memória do período colonial. Com efeito, acreditamos, por meio destes documentos, vislumbrar os impactos da presença de um indígena carijó na vida dos seus descendentes, além de lançarmos luz sobre uma situação extraordinária: a de um indígena brasileiro que se tornou aristocrata e deixou um longo legado às gerações futuras.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Biografias Panhĩ e Mehῖ: a participação política das mulheres indígenas no Tocantins - TO
Welitania de Oliveira Rocha (Incti)
Resumo: O presente trabalho se relaciona com os estudos que enfocam nas construções etnobiográficas, trajetórias e histórias de vida. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre a trajetória da liderança e cacica do povo indígena (um dos povos Krahô), autodenominados de Mehῖ. Creuza Prumkwyj Mãkraré, é cacica, liderança, educadora e pesquisadora, seus trabalhos versam sobre os resguardos, a pajelança e a saúde das mulheres, tendo como principais frente de atuação a temática da saúde das mulheres e educação. Sua sagacidade se reflete no poder de articulação entre os mundos e a partir das construções adquirida por suas redes de relações. Antes de aprofundar pontos sobre a trajetória da cacica, tenho que marcar que a minha inserção no campo aconteceu a partir do diálogo com uma mulher de outro povo e que por coincidência são parentes próximas e possuem o mesmo nome de Cupê (não indígena) ambas são Cruezas. A mulher, é Nhiro Panhĩ Apinajé, cacica do povo indígena Apinajé, foi com ela que caminhei por mais de 8 anos entre graduação e pós-graduação. Assim, primeiro busquei entender como era a política feita entre os Panhĩ, sobretudo, para perceber como as mulheres faziam política, tendo em vista as interações com os não-indígenas faziam esse parecer algo essencialmente masculino. Caminhando com Nhiro (Creuza Panhĩ), pude conhecer outras cacicas, fazer entrevistas e construí um trabalho sobre a atuação dessas mulheres como cacicas, especialmente com a Nhiro, que me recebeu, me ensinou, me acolheu e escreveu comigo os caminhos da pesquisa (ROCHA, 2016, 2019). Nestes trabalhos, busquei refletir sobre as tarefas das mulheres, os conhecimentos e o prestígio social que elas têm e como tais elementos as definem e são importantes para elas e para a comunidade, desencadeando o seu reconhecimento. Agora, com as mulheres Krahô, a partir do diálogo com a cacica Prumkwyj, que como citei acima é parente da cacica Nhiro Apinajé, busco compreender o movimento político das mulheres entre estes dois povos. Creuza Prumkwyj é Mãkraré (um dos povos Krahô), ela nasceu em 1971 na Aldeia Galheiro à sombra de um grande Pé de Jatobá (Tehcré); o Sol forte do meio-dia se fazia mais intenso, e naquele momento, em suas próprias palavras, nascia mais uma mulher indígena sofredora nesse mundo (KRAHÔ, 2017). Sobre a Prumkwyj, destaco o poder de articular pessoas e criar rede de apoio, como que ela construiu em 2020 para defesa da saúde das mulheres e foi de fundamental importância para enfrentar os desafios do período pandêmico. Com isso, o trabalho busca evidenciar a participação política e a política feita pelas mulheres através da análise etnobiográfica sobre a trajetória da cacica Creuza Prumkwyj Mãkraré.