ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 086: Povos indígenas e experiências de construções biográficas
O pajé e o antropólogo indígena: de trajetórias e encontros, reescrevendo a história indígena no baixo Tapajós (Amazônia)
A apresentação abordará as trajetórias de vida e o encontro entre duas pessoas que foram fundamentais para o processo de reafirmação étnica e cultural que se desencadeou na região do baixo Rio Tapajós, oeste do estado do Pará, na virada para o século XXI: o pajé Laurelino Floriano Cruz e o antropólogo indígena Florêncio Almeida Vaz Filho. Laurelino foi um último pajé de largo reconhecimento na região, oriundo do alto Rio Arapiuns, identificava-se como indígena kumaruara. Foi chefe de um extenso núcleo doméstico que constituía a comunidade de Taquara, cuja formação e organização sociopolítica e econômica estava assentada nas suas práticas xamânicas em trabalhos de cura. A sua morte em 1998 desencadeou um processou de reflexão entre seus descentes sobre suas origens étnicas, depois de eles, em luto, ouvirem repetidamente as fitas cassetes em que havia sido gravadas longas entrevistas concedidas à Florêncio, então estudante de mestrado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, na UFRJ, durante seus levantamentos de campo. Nas gravações, além de relatar suas trajetórias e iniciação nos trabalhos de cura, Laurelino pedia aos seus filhos e netos que não esquecessem suas origens e cultura indígena. Da escuta destas fitas, seus descentes tomaram a decisão de reconhecer suas origens éticas e seu pertencimento junto ao povo Munduruku, e passaram a se organizar política e territorialmente de acordo com seus preceitos étnicos. Enquanto realizava essas gravações como parte de seus levantamentos de pesquisa, Florêncio, também originário da região do baixo Tapajós, da comunidade de Pinhel, passava por um processo semelhante de reflexão sobre suas origens étnicas, quando passou a igualmente reconhecer seu pertencimento histórico ao povo Maytapú e a desenvolver um trabalho de recuperação da memória e da história do indígena no baixo tapajós, para reafirmar a sua continuidade nos dias atuais. Esse processo de reafirmação étnica e cultural que insurgiu inicialmente na comunidade de Taquara, após a morte de Laurelino, desencadeou processos semelhantes entre várias outras comunidades da região do baixo Tapajós, que também passaram a reconhecer suas origens e pertencimentos étnicos, em sua maioria, à povos que a literatura afirmava como extintos. Atualmente, cerca de cem comunidades do baixo Tapajós se reconhecem como pertencente a um povo indígena. Ao apresentar as trajetórias de vida e o encontro entre Laurelino e Florêncio objetiva-se refletir sobre estes eventos que potencializaram um inexorável movimento a reescrever as páginas da história e reinserir a presença indígena na região. Objetiva-se também problematizar os processos de violência e apagamentos dos indígenas nos registros historiográficos e o protagonismo indígena em revertê-los.