ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 001: A produção de conhecimentos em situações de conflito
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Coordenação
Franklin Plessmann de Carvalho (UFRB), Carmen Lúcia Silva Lima (UFPI)
Debatedor(a)
Vânia Rocha Fialho de Paiva e Souza (UPE), Alfredo Wagner Berno de Almeida (UEMA), Helciane de Fátima Abreu Araujo (UEMA)

Resumo:
Este GT visa refletir situações de pesquisa que se inserem em um contexto social no qual os direitos de povos e comunidades tradicionais estão ameaçados. A atual conjuntura sociopolítica se mostra extremamente desfavorável, em que proposições reacionárias ganham força, visando atender uma diversidade de interesses empresariais. Esses interesses, representados por setores do agronegócio, de empresas de mineração, de setores imobiliários e da construção civil, articulados com a implantação de complexos de geração de energia, se contrapõem diretamente a modos de vida de povos e comunidades. Destacamos a usurpação dos recursos naturais existentes nas terras tradicionalmente ocupadas e nas águas de uso comum de lagos, rios e mares. Para exploração dos recursos naturais se intensificam desmatamentos, contaminam-se terras e águas, deslocam-se famílias de suas terras, ameaçam e criminalizam agentes sociais que buscam organizar mobilizações de resistência. Essa exploração, invariavelmente, se contrapõe tanto à legislação ambiental e às legislações que garantem direitos às terras tradicionalmente ocupadas. O GT visa a apresentação de trabalhos relacionados à situações de pesquisa em condições específicas de conflito como referência para analisar a relação entre a construção de conhecimentos e os modos de vida de povos e comunidades tradicionais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A caminhada dos Pataxó de Gerú Tucunã e a construção do fab'bwá upù pinapõ'txe
Antonio Augusto Oliveira Gonçalves (UEMG)
Resumo: Os Pataxó de Gerú Tucunã retomaram uma área no Parque Estadual do Rio Corrente, Açucena (MG), em julho de 2010. Inicialmente, levantaram uma grande tenda de lona próxima a uma lagoa sazonal, onde as famílias se abrigaram por seis meses. Com o tempo, conseguiram construir seus kijemes (casas) de pau a pique e plantar seus roçados nas proximidades do ribeirão São Félix. O São Félix e o rio Corrente são os dois cursos de água que atravessam Gerú Tucunã e desaguam no rio Doce. O Parque Estadual do Rio Corrente foi decretado em 1998, mas, quando os txihi (autodenominação dos Pataxó) lá chegaram, parte dos trechos de Mata Atlântica já haviam sido reduzidos à pasto. Latifundiários e posseiros da região se aproveitaram da não regularização fundiária do Parque, estabelecido apenas no papel, para extrair madeira e soltar seus rebanhos de bois nelores e búfalos. Com a mudança dos Pataxó, eles atacaram por diversas vezes a aldeia, incendiaram as matas, atiraram contra os indígenas e contaminaram de forma proposital as fontes de água do território, adoecendo as crianças. Mesmo assim, os txihi mantiveram a duras penas sua luta, reflorestaram áreas do Parque, construíram a kijetxawê (escola), o polo de saúde e uma Cabana Grande no centro da comunidade. Em novembro de 2015, ocorreu o rompimento da barragem do Fundão em Mariana (MG), os rejeitos de minério desceram pela bacia do rio Doce e dizimaram os pescados no ribeirão São Félix e no rio Corrente. A quantidade de piaus (Leporinus obtusidens), até então principal fonte de proteína dos habitantes de Tucunã, foi reduzida drasticamente. Em 2018, enquanto medida reparatória do rompimento, houve a construção de uma adutora de captação no rio Corrente, este empreendimento deve diminuir a vazão de água e secar as nascentes da aldeia nos próximos anos. Nessa comunicação, em específico, pretende-se mostrar como esses acontecimentos na caminhada dos txihi se desdobram na construção de um fab'bwá upù pinapõ'txe (documento de consulta) para garantir a proteção da comunidade. Nas conversas e reuniões das lideranças, os Pataxó demandaram a escrita do fab'bwá e foram, pouco a pouco, percebendo as conquistas ao longo de quase quatorze anos de retomada, como por exemplo, o decreto do estado de Minas Gerais, em 2018, que reconheceu a dupla afetação do Parque, isto é, enquanto unidade de conservação e território indígena. Ao mesmo tempo, os txihi puderam deixar registrado as suas preocupações em relação aos empreendimentos circundantes, sobretudo com a inauguração da adutora em 2023, posicionando-se como duplamente atingidos pelo crime ambiental de Mariana, tanto por conta do rompimento, quanto pelo seu processo de reparação. Assim, denota-se a ação política dos Pataxó em transformar a escrita em arma de defesa do território.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
OS RE-REASSENTADOS/REATINGIDOS PELO PROJETO MINAS-RIO: A dinâmica de revitimização das famílias atingidas
Bruna Monique Machado Simoes (UNIMONTES), Éder Luiz Araújo Silva (UNIFEI)
Resumo: A mineração é considerada uma atividade economicamente estratégica no Brasil, sustentada pelo discurso de desenvolvimento do setor. Entretanto, suas operações provocam impactos socioambientais, desvelando conflitos socioambientais pela disputa territorial e por bens naturais. O município de Conceição do Mato Dentro/(CMD)-MG e região, desde 2008, vem sofrendo com as atividades do Projeto Minas-Rio (PMR). De propriedade da mineradora Anglo American (AA), é considerado um dos maiores projetos de extração de minério de ferro do mundo (Barcelos, 2021). Assim, voltamos o olhar/objetivo deste artigo para refletir sobre a realidade de 9 (nove) famílias que pertenciam a comunidade de Água Santa e devido a utilização do seu território para a Área da Barragem de Rejeitos da AA foram reassentadas na comunidade do Gondó e após 10 anos precisarão de um novo reassentamento tornando-se re-atingidas/re-reassentados. Por não ter uma categoria acadêmica para nominar esse fenômeno, na Ação Civil Pública (ACP) o Promotor da Comarca de CMD, nomeou essa categoria de ter o segundo reassentamento com as mesmas famílias de re-atingido. Como aporte metodológico para desenvolvimento da pesquisa realizamos análise documental, levantamento bibliográfico e a observação participante. No que tange aos deslocamentos e reassentamentos, diversas famílias foram removidas para a instalação do empreendimento, sobretudo para a instalação de suas infraestruturas e da barragem. Os impactos sobre os processos de reassentamentos se configuram como um dos principais fatores desencadeadores dos conflitos provocados pelo PMR, juntamente ao acesso à água (Zhouri, 2014, p.86). Alfredo Wagner (1996) e Renata Nóbrega (2011) categorizam como refugiados do desenvolvimento as pessoas que sofreram deslocamentos forçados motivados por grandes obras, e nesse sentido, pessoas atingidas por barragem se enquadram nessa categoria. Neste contexto, as famílias de Gondó após serem deslocadas compulsoriamente para o avanço do PMR passaram a sofrer impactos em seus modos de vida, uma vez que este localiza-se nas adjacências da cava. Dentre os principais impactos observou-se prejuízos à saúde das famílias e a produtividade agropecuária em virtude do aumento do pó de minério proveniente do desmonte de rochas; impossibilidade de uso dos cursos hídricos e supressão de nascentes pelo descarreamento de sedimentos das operações de extração. Tal dinâmica levou ao abastecimento de água via caminhão-pipa, evidenciando a dinâmica de insegurança hídrica. Ademais, as famílias tiveram seus direitos violados desde o início do reassentamento e que perduram até os dias atuais, uma vez que entregaram as documentações de suas propriedades de origem para AA, mas em contrapartida não tiveram suas propriedades de destino regularizadas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Conflito ambiental em torno da Ferrovia Paraense: a investigação pública das comunidades quilombolas do Baixo Caeté em Abaetetuba-PA
Danilo Mourão dos Santos (UNB)
Resumo: O proposito deste estudo de caso é descrever o processo de investigação pública (DEWEY, 1974, 2004) realizado pelas comunidades quilombolas Laranjituba e África, localizadas no nordeste do Pará, e seus aliados no conflito ambiental em torno da Ferrovia Paraense, que afetará seus territórios. Anunciada em 2016, a Ferrovia Paraense é um empreendimento de infraestrutura que tem como objetivo escoar as mercadorias do agronegócio e mineração da região sul e sudeste do Pará pelos portos marítimos na região portuária de Abaetetuba-PA e Barcarena-PA. Para isso, várias comunidades rurais quilombolas e camponeses terão seus territórios afetados. Porém, em 2017, as comunidades tradicionais, ONGs e políticos locais se organizaram na Frente de Defesa do Território e passaram a produzir conhecimento que orientam suas ações de resistência e fundamenta seus argumentos em disputas nas arenas públicas. A partir da observação participante e entrevistas não estruturadas, é possível verificar um conhecimento baseado na biointeração (SANTOS, 2015) com o território dos povos tradicionais, que questiona os argumentos do governo do Pará a respeito das medidas de proteção ambiental. Por outro lado, a operação de investigação pública da Frente de Defesa do Território tem estabelecido causas e motivos do empreendimento que fazem se reposicionar no processo do conflito ambiental, ao identificar aliados e adversários, complexificando a crítica acerca da Ferrovia Paraense.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
camponeses amazônicos e cocaleros na Amazônia andina.
Diana Paola Gómez Mateus (USP)
Resumo: As e os camponeses cocaleros da amazônia andina colombiana constroem conhecimento em um contexto adverso: fronteira agrícola em expansão, apropiação de terras, mineração e ações militares derivadas da política antidrogas. A partir de um trabalho de doutorado junto a produtores de folha de coca para a cocaína argumento que estas pessoas são grandes estudosos das formas locais do estado e produtores de análises para elaborar propostas para reformar a política antidrogas. Essas trajetórias que já somam quase trinta anos de experiência se discute sobre terra, cuidado da vida "de todas as formas de vida" na Amazônia, àgua, coca, cocaína e cidadanía. Assim expanden noções estatais, empresariais, das ONG e do sistema ONU e da academia, ajustando-as à esse contexto e às projeções que elas e eles tem desenhado para o futuro individual, coletivo e da selva. À pergunta pela natureza da configuração regional do estado (Chaves, 2011) e dada a importância que atualmente cobra a pesquisa sobre urbanização e dinâmicas de conflito armado na Amazônia, esta pesquisa responde a partir do olhar do camponês amazônico produtor de folha de coca e pasta básica de cocaína. Frequentemente ignorado nas anâlises sobre a região -ou vistos, erradamente, como destrutores da floresta-, apesar de ser un dos agentes de grandes transformações e necessárias discussões sobre o que é e como viver na Amazônia. Para compreender essas perspectivas vou trazer à discussão o trabalho feito por estes agentes no contexto do mais recente programa de substituição de cultivos de uso ilícito, implementado na Colômbia, o PNIS. Controvérsias nas reuniões, documentos produzidos e participação em consultas governamentais sobre a política antidrogas, e específicamente os programas de substituição, serão o mateiral empírico a partir do qual responderei à pergunta central: quais são as contribuiçãoes das e dos camponeses cocaleros putumayenses à construção de lugares para viver bem na Amazônia andina colombiana no meio da situação de conflito armado e narcotráfico que se vive no país?

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Conflitos socioambientais associados à expansão de usinas eólicas e híbridas em territórios de Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto na Bahia
Edna de Almeida (UNB)
Resumo: A geração de energias renováveis está em notável crescimento no Brasil, com destaque para a eólica e solar. O Nordeste, em especial o semiárido, é a principal área de expansão desses projetos. Esse crescimento é uma das principais estratégias para a transição energética no país. Embora contribuam para a redução de gases de efeito estufa, a implementação e operação dessas tecnologias têm, contraditoriamente, causado ou intensificado danos ao meio ambiente, resultando em perdas ou enfraquecimento dos direitos territoriais de agricultores e comunidades tradicionais, gerando diversas "zonas de sacrifício verdes" (ZSV) que resultam em inúmeros conflitos socioambientais no Nordeste. A Bahia é um dos principais geradores de energia renovável. Com o objetivo de atrair maiores investimentos no setor, o governo baiano tem criado padrões específicos de regularização fundiária e licenciamento ambiental, além de políticas públicas de incentivo. A expansão de usinas eólicas e híbridas (eólica e solar) tem afetado negativamente as Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto (CFFP), grupos caracterizados pelo uso de áreas coletivas no semiárido para criação de animais, revelando situações de injustiça ambiental e energética. Desta maneira, o objetivo desta pesquisa foi entender como a expansão de usinas eólicas e híbridas afeta as CFFP e analisar as relações entre o estado da Bahia e as empresas de energias renováveis, e como essas interações influenciam a conformação desses conflitos. Para tanto, além da revisão da literatura, foram realizadas entrevistas com gestores públicos estaduais e membros da Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto, além de consulta aos dados da ANEEL e uma pesquisa documental acerca dos materiais elaborados por diferentes instituições públicas e privadas que se dedicam ao tema. Sustentado na defesa da transição energética e do desenvolvimento econômico, o estado da Bahia tem cumprido um papel primordial na criação de um ambiente atrativo e seguro (ambiental e fundiário) para o aumento acelerado de usinas eólicas e híbridas. Ao mesmo tempo, percebe-se que ainda é escassa e incipiente a legislação que regula o processo de geração de energia eólica e solar, e que estão ausentes medidas e garantias de proteção às comunidades tradicionais, criando um ambiente de insegurança para as CFFP e uma lacuna propícia para que as empresas do setor avancem de forma predatória sobre o território baiano. O desenvolvimento da geração de energias renováveis na Bahia tem explorado desigualdades socioambientais, gerando danos consideráveis às CFFP, que, por serem sistemas sociais dependentes de recursos de biodiversidade, já enfrentam impactos significativos das mudanças climáticas, o que pode resultar na transformação de suas terras em ZSV.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Não estou no território, eu sou o território”: mobilizações e ações coletivas dos moradores do Assentamento Agroextrativista PAE Lago Grande, Santarém – Pará
Eloane Janay dos Santos Picanço (UFPA)
Resumo: No contexto específico da região conhecida como Baixo Amazonas, oeste do estado do Pará, a luta organizada pela posse da terra remonta ao início da década de 1990, período em que as comunidades ribeirinhas, quilombolas e aldeias indígenas enfrentavam o avanço progressivo da grilagem de terras, a chegada de empresas madeireiras e o agronegócio da soja. O PAE Lago Grande é um Assentamento de reforma agrária, criado em 2005, no município de Santarém, após a pressão de movimentos sociais (Sindicatos, Igreja católica, ONGs e Associações) que reivindicavam direitos territoriais e socioambientais às comunidades e povos tradicionais locais. Nos últimos anos, o PAE Lago Grande tornou-se palco de embates, principalmente com o interesse da mineração em explorar bauxita nas terras do Assentamento. Com quase 20 anos desde sua criação, o PAE Lago Grande não recebeu a titulação coletiva da terra, crucial para a regularização fundiária, o que resulta em um cenário de insegurança dos agricultores assentados que temem serem expulsos de suas terras de moradia e de cultivo. À medida em que cresce a pressão de setores econômicos sob as terras do PAE Lago Grande, com uma lógica de “desenvolvimento” que se contrapõe aos modos de vida de povos e populações tradicionais, as comunidades locais estão em permanente mobilização pela defesa de um “território coletivo e livre de mineração” por meio de atos, protestos, fechamento de estradas, campanhas e eventos que objetivam chamar a atenção do Estado brasileiro sobre a situação de violência e opressão que têm enfrentado ao longo de décadas. Diante disso, busca-se analisar as diferentes estratégias de resistência coletiva construídas pelos sujeitos do PAE Lago Grande para assegurar direitos territoriais em contexto de acirrados conflitos socioambientais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A formação do território da terra indígena Serra da Moça: Recuperando memórias Wapichana sobre o esbulho territorial e o processo de territorialização
Eriki Aleixo de Melo (UFAM)
Resumo: Pretende-se descrever e refletir acerca da formação deste território Wapichana, da Terra Indígena Serra da Moça, seguindo as orientações da antropologia histórica, proposto por Oliveira (2016; 2020; 2022), buscando entender significações dos fenômenos sociais contemporâneos (Oliveira, 2022) que marcam as memórias e representações destes sujeitos sociais. Ainda, compreender a partir destes processos históricos nos permite enxergar as atuais configurações e sobretudo, as reivindicações políticas coletivas contemporâneas, as implicações que estes processos levaram ao modelo atual de demarcação de terras indígenas em formatos de ilhas, as situações de conflitos sociais e as demandas por ampliação territorial. Para tanto, a primeira situação histórica aqui apresentada se refere à fronteira pecuarista consolidada no final do século XIX (Santilli; Farage, 2022) e a segunda aqui apresentada trata das demarcações das terras indígenas iniciadas em plena ditadura militar na década de 1970.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
ENTRE ÁGUA E PETRÓLEO: etnografia dos efeitos sociais de um megaempreendimento em uma comunidade rural na Bahia
Fernanda Santos Santiago (Autonoma)
Resumo: Este trabalho busca contribuir para o fomento do debate acerca dos efeitos sociais gerados por megaempreendimentos desenvolvimentistas, em especial, os provocados em uma comunidade rural chamada Fazenda Pindobal, na cidade de Alagoinhas no estado da Bahia. Partindo do conhecimento empírico dentro de experiências profissionais desenvolvidas no bojo da mitigação socioambiental, enquanto condicionante de operação de um megaempreendimento, a pesquisa etnográfica foi idealizada e posteriormente desenvolvida com o intuito de apresentar a perspectiva dos moradores da comunidade em torno dos efeitos percebidos por estes em sua maneira de experienciar o território, na produção de sociabilidades e qualidade de vida. Para isso, foi produzida uma etnografia entrelaçada por entrevistas abertas, registros imagéticos e revisão bibliográfica sobre o assunto. O que acabou se revelando fundamental para compreender os diversos efeitos não mensurados pelo empreendimento e o encruzamento de situações que impõe a comunidade uma mudança na qualidade e modos de viver o local.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre violências, trajetórias e direitos - a antropologia em um Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos
Fernando Antônio Duarte Barros Jr (PEPDDH)
Resumo: A violência no Brasil, além de uma instituição social que fundamentou a ocupação colonial e a própria sociedade contemporânea, deve ser compreendida também a partir do seu caráter etnocida e contra minorias sociais. Algumas das evidências desse aspecto advém de dados de programas de proteção mantido pelo MDH. A exemplo disso, uma rápida análise do público incluído no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco (PEPDDH-PE) evidencia que 80% dos casos acompanhados se referem a integrantes de povos ou comunidades tradicionais sejam elas indígenas, camponeses, quilombolas, pescadores e/ou comunidades de terreiro. No processo de análise qualitativa, nota-se intensa elevação dos casos indígenas nos últimos quatro anos, sendo cerca de 68% do total de casos indígenas tendo sido incluído nesse período mais recente. Além disso, o acompanhamento dos casos já atendidos apontam para o acirramento da relação entre os grupos e as forças policiais, à revelia do Plano Operacional Padrão (POP) Indígena, desenvolvido pelo governo do estado em colaboração com o PEPDDH-PE, que aponta, por exemplo, a necessidade de reconhecimento das lideranças locais para a realização de abordagens e rondas nos territórios indígenas. Na mesma medida, o referido período também é marcado pela postura do empresariado - agronegócio, elites econômicas dos municípios e do estado - que passaram a atuar de forma mais incisiva na implementação de seus projetos desenvolvimentistas, à revelia dos direitos dos povos. Como expressão disso, constam casos de uso das terras indígenas para pasto de gado bovino, das águas para piscicultura, desmatamentos, implementação de estações de energia eólica no limites e em territórios reivindicados, sem o devido processo legal, prospecção e estudos mineralógicos em busca de jazidas para exploração. Nesse contexto, a participação de profissional da antropologia e do uso de metodologias desse campo de conhecimento tem se mostrado de importância significativa para a constatação de violação e na tipificação delas, junto a instâncias do executivo e judiciário. Por meio de pesquisa etnográfica, por exemplo, foi possível elaboração de documentos: com intuito de regularização fundiária de povo indígena ameaçado; para formulação de denúncia sobre como operações policiais se dão no intuito de fragilização de um cacicado; de como boatos suscitados no bojo de uma investigação se relaciona com interesses de grupos econômicos e políticos que se opõem ao povo protegido. No sentido da compreensão dos elementos estruturais das violências e de como as violações se relacionam com a composição sociopolítica dos povos tradicionais, a antropologia contribui para a ampliação da noção de proteção apontando também a necessidade de reparação e garantia de direitos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Saberes em Movimento: Ações coletivas no enfrentamento dos projetos eólicos e outras renováveis no Nordeste
Flora Clarissa Cardim Pimentel (UTFPR)
Resumo: Diante da “invenção de um Nordeste eólico” mediante a escalada dos parques eólicos na região do semiárido, temos que esta região tem se configurado em zona de sacrifício no atual modelo do capitalismo extrativista. Este último que é marcado pela submissão política, econômica, financeira e também ecológica. De acordo com Acselrad, “a submissão ecológica implica na oferta de zonas de sacrifício, assim como de capacidade de suporte e serviços ambientais dos territórios do Sul aos interesses das corporações transnacionais, configurando o que seria uma ‘ecodependência’. Este trabalho busca apresentar o mapeamento de ações coletivas desenvolvidas pelas comunidades atingidas por parques eólicos e outras renováveis no semiárido do Nordeste. É parte de uma pesquisa em desenvolvimento e busca identificar as especificidades do conhecimento circunscrito ao conflito socioambiental.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nova Cartografia Social e a formação de novos pesquisadores
Franklin Plessmann de Carvalho (UFRB)
Resumo: A atual conjuntura sociopolítica se mostra extremamente desfavorável, em que proposições reacionárias ganham força, visando atender uma diversidade de interesses empresariais. Esses interesses, representados por setores do agronegócio, de empresas de mineração, de setores imobiliários e da construção civil, articulados com a implantação de complexos de geração de energia, se contrapõem diretamente a modos de vidas dos povos e comunidades tradicionais. Destaco a usurpação dos recursos naturais existentes nas terras tradicionalmente ocupadas e nas águas de uso comum de lagos, rios e mares. Para exploração dos recursos naturais se intensificam desmatamentos, contaminam-se terras e águas, deslocam-se famílias de suas terras, ameaçam e criminalizam agentes sociais que buscam organizar mobilizações de resistência. Essa exploração, invariavelmente, se contrapõe tanto à legislação ambiental e às legislações que garantem direitos às terras tradicionalmente ocupadas. Por outro lado, os movimentos sociais buscam novas estratégias para articular ações de resistência. Cada vez mais a construção de conhecimentos é utilizada como orientação para construção destas ações. Além de conhecimentos para compreensão de situações de seus interesses, buscam-se conhecimentos que sirvam de subsídios para a articulação de uma contra narrativa que possa contrapor proposições que legitimam os interesses dos empreendimentos ligados aos setores citados acima. Os movimentos sociais identificam a construção de conhecimentos como uma das bases das estratégias de luta, e passam a incentivar que jovens que pertencem a povos e comunidades tradicionais adentrem no campo universitário. A formação de pesquisadores que pertencem a povos e comunidades tradicionais têm provocado a universidade a refletir sobre as formas de construção de conhecimentos, buscando ampliar as bases epistemológicas que orientam a pesquisa, a extensão e o ensino. Estes pesquisadores estão trazendo uma maior diversidade de temas, de abordagens e perspectivas para o mundo acadêmico. Neste contexto, os grupos de pesquisa que integram a rede Nova Cartografia Social passaram a se reestruturar para um contexto mais expandido de construção de conhecimentos, incorporando em nossas equipes pesquisadores indígenas, quilombolas, pescadores, de fundos e fechos de pasto, vazanteiros, de povos de religião de matriz africana. Neste sentido, o ingresso na universidade vem carregado de desafios, pessoais e coletivos, que impulsionam estes jovens pesquisadores a elaborarem arranjos para uma boa sintonia entre os campos acadêmico, militante e a vida pessoal. Este exposição busca refletir alguns desafios relacionados a formação destes novos pesquisadores.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
TERRITÓRIOS, PROCESSOS DE RESISTÊNCIAS E PANDEMIA: efeitos sociais da Covid-19 nos territórios quilombolas no Maranhão.
Geovana Alves Rocha (UEMA)
Resumo: As situações de conflito que perpassam a realidade quilombola compreendem aspectos de diferentes momentos e suas diferentes perspectivas. Isso pode ser apreendido, por exemplo, desde a conceituação de quilombo, até as políticas de reconhecimento desses povos. Nesse sentido, trago para reflexão as unidades de análise dentro da situação empírica de Santa Rosa dos Pretos, comunidade quilombola localizada em Itapecuru Mirim- Ma. Santa Rosa dos Pretos, aqui apreendida enquanto unidade social, está situada no entorno da rodovia BR-135 e sofre os efeitos de diferentes empreendimentos instalados em seu território, como a Ferrovia Carajás, Ferrovia Transnordestina, e linhões de energia, são empreendimentos de âmbito público e privado que diariamente provocam efeitos sobre o território e vão interferindo nas vivencias diárias da comunidade. Os empreendimentos por si só já produzem impactos sobre a comunidade, contudo, esses impactos foram agravados devido a pandemia da Covid-19, causada pelo SARS-CoV-2, período esse que se teve um grande aumento de restrições de direitos de povos e comunidades tradicionais, sobretudo, quilombola. Desta forma, a proposta deste trabalho é analisar os efeitos sociais de megaempreendimentos e da pandemia da Covid-19 em territórios quilombolas, mais especificamente em Santa Rosa dos Pretos, localizada em Itapecuru-Mirim no estado do Maranhão, e Compreender as ações do Estado brasileiro frente aos conflitos vivenciados pelas comunidades quilombolas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Etnografia de processos de licenciamento ambiental na Região de Desenvolvimento do Sertão de Itaparica
Ilana Magalhães Barroso (UFPE)
Resumo: Minha jornada de pesquisa ocorre no sudoeste do sertão pernambucano, considerada a Região de Desenvolvimento do Sertão de Itaparica (RDSI) ou visto como “vazio demográfico, da miséria, e dos estigmas sociais que marcam a visão deturpada que passam a ser registradas e tomadas como verdades no projeto de desenvolvimento” (SILVA, 2019, p. 16). Contudo, a região é um “complexo étnico”, que compreende uma diversidade de grupos sociais marcado por alianças, trocas e parentescos que vêm se articulando e resistindo aos projetos de desenvolvimento. As Regiões de Desenvolvimento- RD’s contemplam os potenciais econômicos do território pernambucano com estímulo do desenvolvimento local. A divisão por RD’s fornece indicações indispensáveis a uma política de organização do espaço para facilitar a promoção do desenvolvimento para o estado de Pernambuco. A RD do Sertão de Itaparica concentra um aglomerado de projetos de desenvolvimento que se relacionam com a geração de energia e configuram uma série de impactos para os mais variados segmentos sociais. Ademais, a Região de Desenvolvimento do Sertão de Itaparica (RDSI), lócus dessa pesquisa, é formada por sete municípios, sendo eles: Petrolândia, Floresta, Itacuruba, Jatobá, Belém de São Francisco, Carnaubeira da Penha e Tacaratu. Considero o fato de que essa região é afetada por grandes projetos de desenvolvimento, que vêm afetando populações tradicionais que ali vivem, sendo o Rio São Francisco e o Lago de Itaparica, os que representam um fator econômico importante para a região; o primeiro parque híbrido do Brasil, que une a geração de energia solar e eólica, situado em Tacaratu; a instalação de unidade de mineração para a produção de minerais com destaque para ilmenita e titânio, a partir da lavra de depósitos minerais localizados nos municípios de Floresta e Carnaubeira da Penha e existe o mais recente debate para a instalação de uma usina nuclear às margens do Rio São Francisco no município de Itacuruba. Além disso, esses povos tiveram suas histórias modificadas pela instalação da Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), que ainda causa uma série de transtornos à população de forma geral. Um dos principais assuntos dessa pesquisa são os processos de Licenciamento Ambiental de megaprojetos, assim me proponho a avaliar o percurso que a Eletronuclear, empresa que gerenciará a Usina Nuclear na cidade de Itacuruba, caso seja instalada e a Titânio das Américas S/A, empresa que gerencia a mineração de Titânio na cidade de Carnaubeira da Penha e Floresta vêm seguindo de acordo com leis, códigos e normas dando foco aos EIA/RIMAS que são primordiais para a instalação, ampliação, alteração e operação de empreendimentos ou atividades utilizadoras de recursos ambientais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Confluências e trajetos de resistência da Comunidade Quilombola Sumidouro (PI) na era da transição energética
Isadora Fortes do Espírito Santo (UNB)
Resumo: Neste artigo investigo sobre transformações geradas por grandes empreendimentos de energia eólica na Comunidade Quilombola Sumidouro, situada em Queimada Nova/ Piauí, o município brasileiro que abriga o maior complexo eólico em operação na América do Sul (o complexo eólico Lagoa dos Ventos). Empreendimentos de tal natureza são uma resposta às novas tendências mundiais de políticas e planos de transição energética, que buscam reduzir os efeitos das mudanças climáticas por meio de investimentos em fontes de energia mais sustentáveis. Contudo, é desafiador realizar essa transição de maneira justa e democrática, respeitando as populações tradicionais, povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Esse desafio é compartilhado pela CRQ Sumidouro, que desde 2018 enfrenta transformações e conflitos relacionados à garantia de direitos e à proteção de seu território tradicional frente às intervenções de quatro empresas de energia. Estas acabam apresentando riscos à manutenção do direito ao território tradicional, e geram desafios que evidenciam a forte lógica hegemônica que prioriza a terra como mercadoria em detrimento da terra/ território. Nesse sentido, a pesquisa centraliza-se nas confluências (Bispo, 2023) e percursos de articulação política da comunidade na defesa e garantia dos direitos territoriais, ressaltando os processos de formação e fortalecimento das redes de articulação quilombola da região: causa e também efeito da agência quilombola diante as negociações entre a comunidade, o estado e as empresas que intervieram em território sertanejo, campesino e quilombola.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Deslocamentos invisíveis: abandono de terras pela implantação de empreendimentos eólicos no agreste pernambucano
Jeíza das Chagas Saraiva (PPGA)
Resumo: A implantação de empreendimentos eólicos tem submetido famílias a se deslocarem das suas terras e gerado mudanças nos modos de vida nesses lugares. Esse é o caso observado no Agreste de Pernambuco. Mesmo que o argumento empregado pelos empreendedores seja o da permanência dos agricultores em suas terras famílias têm se deslocado dos seus sítios. Os deslocamentos têm ocorrido de 2 formas: (1) por meio dos arrendamentos e indenizações para instalação dos equipamentos, (2) forçosamente, pelo cercamento de aerogeradores que tem incidido na saúde das pessoas, devido a “zuada proveniente dos equipamentos. Tem também as pessoas que desejam se deslocar, mas não conseguem por falta de condições financeiras, se vendo obrigadas a conviverem com os equipamentos. Tentativas de negociar com representantes das empresas não tem surtido efeito para as famílias afetadas, processos judiciais, com altos custos para os agricultores se arrastam por anos sem sequer terem tido a primeira audiência. Essas situações são desconhecidas pela sociedade em geral por meio do argumento ‘sempre’ benéfico de sustentabilidade. São deslocamentos invisíveis, encobertos pelo discurso da energia renovável, limpa e de baixo impacto, mas vivenciados silenciosamente e individualmente pelas populações locais dos lugares desses empreendimentos. O trabalho buscou apresentar e refletir essas situações de pesquisa, reveladas e sentidas pelas pessoas que vivem nos locais de instalação desses empreendimentos no agreste pernambucano, mas que também podem ser observados em outros contextos. A pesquisa etnográfica realizada com agricultores estudou os efeitos sociais provocados na vida cotidiana e na territorialidade dessas populações expostas a danos, observando indefinições e alterações nos modos de vidas a partir da prospecção, instalação e operação dessas fontes energéticas. Demonstrou-se que os desafios para pensar os futuros dessas matrizes energéticas e das populações dos lugares de instalação desses empreendimentos está posto em destaque e necessitam ser visibilizados.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O corpo indígena como objeto e alvo do poder: um olhar sobre a Fazenda Guarani
Joana D`Arc Fernandes Ferraz (UFF)
Resumo: Este artigo resulta de um trabalho de pesquisa de pós-doutoramento, em curso, sobre as violações de direitos sofridas pelos indígenas das etnias Tupinikim e Guarani, do Município de Aracruz (ES), que foram confinadas pela FUNAI, na Fazenda Guarani (MG), entre os anos de 1972 a 1978, durante a ditadura empresarial-militar brasileira. A Fazenda Guarani é identificada pela Comissão Nacional da Verdade (2014) como campo de concentração criado para os indígenas considerados “desajustados”. As entrevistas realizadas com esses indígenas revelaram que essas etnias foram deslocadas compulsoriamente pela FUNAI, para esse campo de concentração, a fim de facilitar o esbulho de suas terras a favor da holding Aracruz Celulose S/A. Desse modo, este artigo tem como objetivo discorrer sobre os modos como os corpos indígenas se inserem nas estratégias de poder/saber, articuladas pelo capital, pelo Estado e os seus aparelhos, durante o período da ditadura empresarial-militar e dar especial atenção às relações entre a FUNAI e as empresas; adicionalmente, refletir sobre a permanências dessas políticas refratárias às existências desses povos, no período pós-ditadura. Dentre as estratégias de poder/saber utilizada pela FUNAI, serão discutidas: a negação das identidades indígenas (sob o argumento de que não falam mais seu idioma, no caso dos Tupinikim; e de que não eram originários do município de Aracruz, no caso dos Guarani),o deslocamento compulsório, a destruição da Mata Atlântica e, em consequência, os seus modos de vida e cosmologia. O domínio sobre o corpo indígena ganha diferentes feições em diversos períodos históricos. Antes da instalação da transnacional do agronegócio da celulose na região, em 1967, existiam aproximadamente 36 aldeias, em 1979, essas aldeias foram reduzidas a três. A fábrica de processamento químico do eucalipto em pasta de celulose branqueada, construída em 1972, se localiza em cima do cemitério indígena. Atualmente, essas aldeias não possuem água potável, para sobreviver fazem uso de carros-pipa (caminhão de reservatório de água), permanecem imprensadas pelo eucalipto, as águas que restaram estão contaminadas, o veneno jogado nas plantações de eucalipto produzem várias doenças graves nesses indígenas: cegueira, câncer, doenças respiratórias, dentre outra. A holding Aracruz Celulose S/A passou por diversas reorganizações societárias e administrativas, porém, manteve seu CNPJ. Hoje é o Grupo Suzano Papel e Celulose S/A, a maior produtora mundial de pasta de celulose branqueada. Discorrer sobre essas estratégias de poder/saber sobre os corpos indígenas, neste momento em que o golpe empresarial-militar completa 60 anos, é fundamental para a construção de políticas de memória e de reparação, que ainda não foram realizadas a contento, em nosso país.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre encantados, mães d'agua e faccções: produção de conhecimento entre os Tremembé de Almofala
Juliana Monteiro Gondim (UECE)
Resumo: Este trabalho trata da produção e circulação de conhecimento entre os Tremembé de Almofala, litoral oeste do Ceará, diante dos atuais desafios vivenciados pela comunidade. A Terra Indígena Tremembé foi reconhecida e delimitada pela FUNAI ainda no começo dos anos 90, desde então, o grupo trava uma batalha jurídica que paralisa o processo de demarcação. Enquanto isso, a comunidade vê seu território sucumbindo às ameaças de vários setores da indústria e, mais recentemente, do crime organizado que passou a atuar na região, gerando um aumento sem precedentes de casos de violência. Pretendo, neste trabalho, apresentar alguns dados de campo coletados ao longo das duas últimas décadas, durante meus trabalhos de graduação, mestrado e doutorado – período no qual a vida social e o território dos Tremembé passaram por intensas transformações. No começo dos anos 2000, quando comecei minha pesquisa para monografia de graduação em Almofala, o foco da luta dos Tremembé era a demarcação das terras, embora as questões relativas à saúde e educação ocupassem um lugar de destaque nas suas reivindicações, a demarcação era tida como o principal objetivo da mobilização. Nessa época, comecei uma pesquisa sobre os rituais de cura praticados pelas pajés do grupo, nos quais havia a presença de seres encantados que auxiliavam os membros do grupo nas suas dificuldades cotidianas. Desde então, o foco das minhas pesquisas tem sido as relações entre os Tremembé e os encantados. Na minha tese de doutorado, dediquei um capítulo à produção e circulação de conhecimento no grupo, no qual saliento que os conhecimentos e práticas cotidianas do grupo são elaborados a partir das relações que estabelecem com os mundos encantados. Os conhecimentos sobre o funcionamento dos ecossistemas, das plantas, águas, mangues da região – ou seja, tudo aquilo que classificamos como “natureza” – são revelados a partir das relações que algumas pessoas, classificadas como mais “experientes” ou “sabidas”, estabelecem com encantados. Isso porque o contato entre os membros dos grupos e seres encantados era muito presente no cotidiano; diariamente, agricultores, pescadores e rezadeiras tinham contato com encantados durante as caminhadas por suas moradas, já que tais seres habitam as paisagens “naturais” da região. Pretendo aqui trazer algumas questões sobre a situação atual do grupo, na qual o contato com as moradas dos encantados está cada vez mais limitado por fatores como a diminuição de áreas de preservação, o incremento do agronegócio do coco, a pesca predatória, o aumento de igrejas pentecostais que demonizam as relações com encantados e a atuação de facções ligadas ao crime organizado na última década. Como fica a produção e circulação de conhecimentos diante de tais desafios?

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A duplicidade de um conflito ambiental: sobre a catástrofe da UHE Belo Monte a partir dos Yudjá do Médio Xingu
Lucas de Lucena Fiorotti (UFES)
Resumo: O interesse na criação de megaempreendimentos alinhados com uma ideia de desenvolvimento econômico suplanta a política ambiental brasileira, de forma que seus cronogramas de construção estão sempre acelerados e blindados contra ações públicas que tentam evidenciar suas violações contra a qualidade ambiental e os direitos de povos indígenas e das populações locais habitantes dos territórios afetados pelas obras. A construção da UHE Belo Monte é um desses megaempreendimentos. Sua história começa com os Estudos de Viabilidade do então Complexo Hidrelétrico do Xingu em 1980 quando Belo Monte ainda se chamava UHE Kararaô. A insegurança local frente ao projeto culminou no Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, que barrou a construção da usina e exigiu revisão dos projetos de desenvolvimento na região. O projeto retorna em 1993 com o nome de Belo Monte, é barrado novamente em 2001 por uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, porém em 2002 é classificado como obra estratégica do Eixo de Desenvolvimento Madeira/Amazonas tendo seus estudos de viabilidade aprovados pelo STF em 2005 com o tempo recorde de trâmite de quatro dias. Trabalhos recentes insistem na série de violações de direitos territoriais indígenas e na destruição do regime de vida do Rio Xingu perpetrados pela construção e operação de Belo Monte. Segundo o relatório “Climate Change and Human Rights”, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente de 2015, a mudança climática decorrente de fatores antrópicos é a maior ameaça ao meio ambiente e aos direitos humanos de nossa era. A grande estrutura que compõe a filosofia ocidental dispõe de um esforço histórico para criar e perpetuar uma distinção entre duas séries paradigmáticas chamadas Natureza e Cultura, sendo a primeira exterior à dimensão social constituída pela segunda, o que, dentre outros efeitos, parece legitimar a subjugação do meio ambiente em relação à “sociedade". A construção da usina é tomada aqui como um exemplo, dentre vários, da expansão desenfreada do Ocidente sobre o meio ambiente, nesse caso o Médio Xingu e os povos indígenas que o habitam. Esse trabalho visa investigar as reflexões e articulações epistemológicas-políticas do Povo Yudjá da região do Médio Rio Xingu, no estado do Pará, em relação à construção e operação da usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. A proposta é refletir sobre os modos de viver e habitar a terra segundo a cosmosociologia Yudjá e como tais modos respondem e se posicionam em relação aos processos de modificação e afetação do território causado por este empreendimento, de suma importância no cenário político-ambiental brasileiro.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Não pode criar um porco, não pode criar um gado, é arame para todo lado Cercamentos e expropriação territorial em São Roque - MA.
Maryane Monroe Martins (UEMA)
Resumo: Este trabalho apresenta a violência sofrida pela comunidade quilombola de São Roque a partir dos cercamentos realizados pela expansão do agronegócio. Diante da expropriação territorial, da impossibilidade de sua reprodução social e perda da autonomia provocadas pelos cercamentos das fazendas, os quilombolas passaram a se mobilizar coletivamente, resgatando através da memória social, a trajetória dos ancestrais desse grupo, dos espaços sagrados, os caminhos históricos dentro do território que hoje são proibidos de trafegar, elementos culturais, dentre outros aspectos que foram destacados nestas fotografias realizadas durante o trabalho de campo na referida comunidade. Demonstra a violência no campo, especificamente a violência vivenciada nas terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombolas da comunidade de São Roque, localizada no município de Anajatuba, Maranhão- Brasil. A pesquisa emerge do trabalho de campo desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica- PIBIC e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FAPEMA, projeto esse intitulado “Quilombo São Roque: Narrativas Orais e Construção de Territorialidades Específicas”, com esse recorte feito para direcionar a observação ao cercamento do território, que produz efeitos sociais diretos no modo de vida e as terras tradicionalmente ocupadas dos quilombolas de São Roque, buscando apresentar a expropriação territorial diante a expansão crescente do agronegócio, expropriação dos seus recursos naturais, o que afeta diretamente suas práticas produtivas e modo de vida, proibição de tráfego dentro do seu próprio território e um processo de apagamento e destruição dos caminhos antigos, entre outros efeitos destacados.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Herança maldita do Projeto Salitre: Etnografia das narrativas de dor, sofrimento e resistência dos habitantes do Vale do Rio Salitre frente aos impactos de um projeto de desenvolvimento agrícola
Renato Santos do Nascimento (FAVIC)
Resumo: No início dos anos 1960, o Vale do Rio Salitre, localizado entre os municípios de Campo Formoso e Juazeiro, na bacia do rio Salitre (afluente do São Francisco), na porção norte do Estado da Bahia, foi integrado à rota da ideologia e das políticas desenvolvimentistas do Estado brasileiro. Em colaboração com a ONU/FAO e BIRD, diversos estudos de viabilidade agrícola foram conduzidos na região para a implementação do Projeto Público de Irrigação Salitre, oficialmente inaugurado em 2010. Ao longo de mais de 60 anos, os habitantes das comunidades às margens do rio Salitre, nos arredores do Perímetro Irrigado, mantiveram a esperança nas recompensas prometidas pela CODEVAS (agência estatal gestora do Projeto) para compensar os prejuízos socioambientais e territoriais causados pelas diversas etapas de implementação do Projeto. No entanto, esses moradores agora enfrentam os efeitos do que chamam de "herança maldita" do Projeto Salitre. Autodenominando-se "salitreiros" como forma de reafirmar sua identidade com o rio e como elemento de resistência e enfrentamento à ação do Estado na região, eles reivindicam: a perenização total do rio; o uso responsável da água, conforme a lei 9.433/97, que estabelece o consumo humano como prioridade em situações de escassez; e a distribuição dos benefícios prometidos, como a alocação de lotes agrícolas, atualmente concentrados nas mãos dos grandes produtores do agronegócio, que exploram a terra e os recursos hídricos da região. Ao realizar uma etnografia das narrativas e histórias das populações locais, este estudo visa tornar visível a violência silenciosa incorporada no discurso e nas práticas desenvolvimentistas do Projeto Salitre, transformando o "sonho de redenção" dos salitreiros em uma realidade de exclusão, sofrimento, dor e indignação. Este estudo, portanto, caracteriza-se como uma etnografia da vida do povo salitreiro, profundamente alterada em nome de um desenvolvimento historicamente alinhado com uma ideologia social ocidental de dominação.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Relações Espirituais com o território - uma análise antropológica sobre a importância dos rituais e das Nhandesy para os Guarani Kaiowa
Thaisa Coelho Fernandes (UFMS)
Resumo: A pesquisa de iniciação científica está inserida no projeto de pesquisa “ÑANDESY e o OGUATÁ PORÖ estudo antropológico das mulheres Kaiowá e Guarani no contexto da mobilidade e fronteira” e teve como intuito compreender as dinâmicas relacionais entre rezadeiras indígenas da etnia Guarani Kaiowá na (re)construção do território face as imposições econômicas pelo agronegócio com respaldo do governo do estado de Mato Grosso do Sul (Benites, 2020). Buscou-se verificar como as teorias etnológicas apreendidas no decorrer do curso de Ciências Sociais se aplicam/dialogam com o contexto regional, enfatizando as relações produzidas entre sociedade nacional e povos indígenas (Oliveira, 1993). Foi realizado um levantamento das violências cometidas contra as rezadeiras (Ñandesy) entre os anos de 2019 e 2022 na região do cone-Sul, no qual entendemos os ataques às rezadeiras como parte do processo de epistemicídio e genocídio praticado contra os Guarani Kaiowá em favor das monoculturas desenvolvidas como principal fonte econômica do estado. Portanto, o que se verificou foram interesses econômicos compondo relações políticas e afetando a produção cultural e religiosa do povo Kaiowá, tendo esse povo suas perspectivas cosmológicas e subjetivas atravessadas pela lógica mercadológica aplicada sobre seus corpos, mentalidade e territórios.