ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 001: A produção de conhecimentos em situações de conflito
Entre encantados, mães d'agua e faccções: produção de conhecimento entre os Tremembé de Almofala
Este trabalho trata da produção e circulação de conhecimento entre os Tremembé de Almofala, litoral oeste do Ceará, diante dos atuais desafios vivenciados pela comunidade. A Terra Indígena Tremembé foi reconhecida e delimitada pela FUNAI ainda no começo dos anos 90, desde então, o grupo trava uma batalha jurídica que paralisa o processo de demarcação. Enquanto isso, a comunidade vê seu território sucumbindo às ameaças de vários setores da indústria e, mais recentemente, do crime organizado que passou a atuar na região, gerando um aumento sem precedentes de casos de violência. Pretendo, neste trabalho, apresentar alguns dados de campo coletados ao longo das duas últimas décadas, durante meus trabalhos de graduação, mestrado e doutorado – período no qual a vida social e o território dos Tremembé passaram por intensas transformações. No começo dos anos 2000, quando comecei minha pesquisa para monografia de graduação em Almofala, o foco da luta dos Tremembé era a demarcação das terras, embora as questões relativas à saúde e educação ocupassem um lugar de destaque nas suas reivindicações, a demarcação era tida como o principal objetivo da mobilização. Nessa época, comecei uma pesquisa sobre os rituais de cura praticados pelas pajés do grupo, nos quais havia a presença de seres encantados que auxiliavam os membros do grupo nas suas dificuldades cotidianas. Desde então, o foco das minhas pesquisas tem sido as relações entre os Tremembé e os encantados. Na minha tese de doutorado, dediquei um capítulo à produção e circulação de conhecimento no grupo, no qual saliento que os conhecimentos e práticas cotidianas do grupo são elaborados a partir das relações que estabelecem com os mundos encantados. Os conhecimentos sobre o funcionamento dos ecossistemas, das plantas, águas, mangues da região – ou seja, tudo aquilo que classificamos como “natureza” – são revelados a partir das relações que algumas pessoas, classificadas como mais “experientes” ou “sabidas”, estabelecem com encantados. Isso porque o contato entre os membros dos grupos e seres encantados era muito presente no cotidiano; diariamente, agricultores, pescadores e rezadeiras tinham contato com encantados durante as caminhadas por suas moradas, já que tais seres habitam as paisagens “naturais” da região. Pretendo aqui trazer algumas questões sobre a situação atual do grupo, na qual o contato com as moradas dos encantados está cada vez mais limitado por fatores como a diminuição de áreas de preservação, o incremento do agronegócio do coco, a pesca predatória, o aumento de igrejas pentecostais que demonizam as relações com encantados e a atuação de facções ligadas ao crime organizado na última década. Como fica a produção e circulação de conhecimentos diante de tais desafios?