Grupos de Trabalho (GT)
GT 078: O campo biográfico-narrativo e a prática etnográfica: diálogos possíveis
Coordenação
Izabel Missagia de Mattos (UFRRJ), Karla Cunha Pádua (UEMG)
Debatedor(a)
Melvina Afra Mendes de Araújo (UNIFESP)
Resumo:
A abordagem biográfico-narrativa tem sido cada vez mais utilizada na análise de acontecimentos sociais e culturais diversos, muitas vezes, associada à etnografia ou à perspectiva etnográfica. Por meio dessa abordagem, podem se revelar aspectos e pontos de vista acerca dos fenômenos estudados, sempre sob o olhar de cada sujeito e de suas memórias pessoais, pouco acessíveis por meio de outras metodologias. Entretanto, é fundamental a utilização de documentos arquivísticos e outras ferramentas de triangulação a fim de entrelaçar as narrativas biográficas aos seus contextos históricos, sociais e culturais, exercício necessário às reconstituições biográficas. Sendo a abordagem biográfico-narrativa interdisciplinar, interessa-nos discutir trabalhos que a utilizam em diálogo com a Antropologia, de modo a identificar suas potencialidades e limites. Pesquisas contemporâneas acerca de temas como diferenças e desigualdades de classe social, raça/etnia, classe, gênero, gerações, assim como de povos e saberes “tradicionais”, têm se aberto a esse diálogo com as narrativas biográficas, reconstituindo processos do ponto de vista dos sujeitos pesquisados. Interessa a esse GT reunir trabalhos que abarquem as narrativas biográficas no estudo de fenômenos sociais e culturais diversos e que tragam reflexões sobre as reverberações dessa abordagem na pesquisa antropológica e nos modos de apresentação dos textos acadêmicos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Binah Ire Vieira Marcellino (UFSC)
Resumo: Minha pesquisa, ainda em etapa de qualificação de projeto, consiste em realizar um trabalho biográfico a
partir das variadas narrativas (escritas e orais, principalmente arquivos pessoais e histórias da família)
sobre a pessoa de Eulina Alves de Gouvêa Marcelino, minha bisavó, professora e diretora escolar a primeira
mulher a ocupar o cargo de vereadora na cidade de Florianópolis, em 1951, me utilizando de uma abordagem
etnográfica e de recursos oferecidos pela antropologia histórica, focando em questões de narrativa e
biografia, parentesco, gênero, raça e geração, sujeito e pessoa, com enfoque nas relações de gênero e raça e
seu impacto em gerações de famílias inter raciais. Estas últimas ajudam a explicar o apagamento histórico de
Eulina enquanto mulher negra e as implicações deste apagamento, embora não sejam os únicos fatores
envolvidos nesse processo. Neste trabalho busco me aprofundar nas questões relativas à construção da
narrativa biográfica sobre Eulina, especialmente no uso da etnografia como ferramenta teórico metodológica
que perpassa o estudo etnobiográfico. Para mim, e no contexto deste trabalho, a biografia parte de
fragmentos de histórias de vida, estórias entregues no cotidiano em momentos de distração, passada dos mais
velhos para os mais novos; e de como o conjunto delas na narrativa sobre Eulina ainda está por se fazer, a
ser lembrada por meio dos fragmentos, vislumbrada pelas janelas das suas atividades profissionais e
registros de eventos familiares. O sentido dessa trajetória ainda não pode ser totalmente vislumbrado,
embora tenhamos caminhos a percorrer a partir da encruzilhada, vou traçando um itinerário de pesquisa que
possa ser entrelaçado à trajetória de um sujeito pesquisado, estabelecendo uma narrativa etnográfica que nos
permita lembrar de Eulina em seus lugares, em pessoas e objetos que estiveram com ela e alcançaram nosso
tempo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Carolina Abreu dos Santos (Universidade de Brasília)
Resumo: Partindo da premissa de que a identidade ou a identificação é construída por meio de um processo de
reconhecimento de uma falta, de uma diferença ou digamos, do estabelecimento de uma fronteira simbólica,
compreende-se que esta não é autocontida, mas relacional (Stuart Hall, 1996). A marcação de uma fronteira
pode ser feita pelo sujeito ou pode ser desvelada ou imposta a ele. A presente reflexão tem como objetivo
demonstrar como esse processo pode representar pontos de tensão e crises que reverberaram na
auto-investigação de indivíduos sobre suas identidades e reconfigurações de sua própria vida.
Com base em campo de pesquisa inserido no ambiente de uma escola pública de Ensino Médio, localizada em
região administrativa periférica do Distrito Federal, Brasil, este trabalho tem como objetivo colocar em
debate reflexões parciais de pesquisa etnográfica realizada entre agosto e novembro de 2023. A pesquisa
visou compreender os processos de percepção de estudantes sobre autoclassificação e identificação racial,
especialmente para os autodeclarados pardos, por meio de uma investigação de trajetória de vida via
entrevistas. Foram entrevistados sete estudantes de 1º ano do Ensino Médio, com idades entre 15 e 17 anos,
dentre os quais seis são autodeclarados/as pardos/as e um autodeclarado branco, sendo 4 do gênero feminino e
3 do masculino.
O estudo demonstra que alguns estudantes entrevistados relataram incidentes ou eventos que abalaram suas
percepções sobre sua identidade racial, a partir do olhar e intervenção do outro. Manifestações como sua cor
é estranha, você não é negro, você não é branco, pardo não é o termo correto, é negro e apenas brancos
recebem isso aqui representaram fronteiras simbólicas que moveram dúvidas ou entendimentos sobre suas
identificações raciais e vivências. Para analisar e interpretar esses diálogos, baseei-me na abordagem da
sociologia dos problemas íntimos (Diogo Corrêa, 2021), que considera o senso de interioridade como instância
pragmática em que experiências mobilizam os atores em determinadas situações. Atividades auto investigativas
são empreendidas pois são habitadas por crises ou tensões e estas se transformam ao longo do tempo e das
vivências; ou seja, certas situações, nomeações podem gerar reconfigurações sobre consciências raciais e,
portanto, de suas representações de si a partir de tal evento. Outro aspecto observado foi o de que o
próprio estudo pode ter representado um marco para os interlocutores pensarem sobre identificações raciais.
O estudo aborda situações em que as perguntas fizeram lembrar ou se atentar, de/sobre situações de
discriminação racial e, em outras, compreender processos de vida no ato de narrar (Sônia Maluf, 1999).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Hermilio Pereira dos Santos Filho (PUCRS)
Resumo: A Sociologia desenvolvida por Alfred Schütz é uma das mais originais. Sua originalidade se deve, em boa
medida, à combinação de orientações teóricas de diferentes disciplinas.
Embora Schütz não tenha delineado instrumentos e roteiros para a pesquisa empírica baseados em sua
sociologia, sua obra inspirou o desenvolvimento de algumas abordagens, por exemplo, a etnometodologia, já
mencionada, a análise da conversação e a abordagem reconstrutiva de narrativa biográfica.
Contudo, há diferenças importantes entre essas abordagens, especialmente em relação ao processo de produção
dos dados e sobretudo relacionada à importância das experiências biográficas para a análise. Tanto a
etnometodologia quanto a análise de conversação se concentram nas situações interativas da vida cotidiana,
cujo foco analítico não está explicitamente direcionado à reconstrução das experiências prévias para se
compreender como ocorre uma interação concreta, embora se reconheça que o passado exerce um papel relevante
nas interações.
A abordagem reconstrutiva de narrativas biográficas desenvolvida inicialmente pelo sociólogo alemão Fritz
Schütze e posteriormente incrementada por outros, entre eles por Gabriele Rosenthal é uma perspectiva
metodológica que oferece procedimentos para a compreensão da ação no cotidiano. Fundamentada sobretudo na
sociologia de Alfred Schütz, a abordagem reconstrutiva de narrativas biográficas procura compreender
problemas sociais obtendo-se narrativas sobre experiências concretas daqueles que possuem uma relação com os
fenômenos analisados.
Nos últimos anos tenho me dedicado a difundir, no Brasil, tanto os fundamentos epistemológicos da abordagem
reconstrutiva de narrativas biográficas, quanto os procedimentos metodológicos para a produção e análise de
dados para a análise reconstrutiva de narrativas biográficas. Esse esforço tem se dado pela organização da
tradução de obras importantes para a compreensão dessa abordagem, como dois livros de Alfred Schütz, assim
como de dois livros da socióloga Gabriele Rosenthal. Para além disso, realizei dois documentários
apresentando elementos da sociologia de Alfred Schütz (Mundo da Vida -A Sociologia de Alfred Schütz,
teaser disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=QNvBbGyO-IU) e a abordagem reconstrutiva de
narrativas biográficas (em Mundo da Vida II: Biografias e Narrativas, em edição).
O trabalho irá apresentar os fundamentos epistemológicos e metodológicos da abordagem reconstrutiva de
narrativas biográficas, com ênfase no processo de produção e análise de dados. A partir daí pretende-se
explorar diálogos possíveis com vistas à combinação desta abordagem com a etnografia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Izabella Barbosa da Silva (UFPE)
Resumo: A Rua da Guia uma das ruas que compõe o bairro do Recife ficou conhecida no período pós-colonial por ser
a zona de baixo meretrício do cais do porto. A grande circulação de pessoas nas áreas de Alfândega, entre
ricos e pobres, nobreza e seus escravos, mascates, marinheiros concentravam-se no local mulheres que
prostituiam-se para sobreviver.
Hoje no Bairro do Recife (Recife Antigo), a rua da guia é povoada por bares e restaurantes, e bem quista
como lugar de diversão e lazer, por moradores da cidade e turistas interessados em conhecer o centro
histórico do Recife. Para muitos dos que frequentam a rua, a sua história é desconhecida, e quando pouco
aparece na história oficial da cidade, menos ainda se fala dessas mulheres que por ali viveram.
Compondo o território mítico sagrado da Jurema, a Rua da Guia acolheu muitas entidades cultuadas na Jurema
Sagrada. Principalmente as Mestras entidades femininas, sendo em sua maioria prostitutas, que viveram no
Nordeste brasileiro, tiveram mortes trágicas e violentas passando a compor o panteão da Jurema. A Rua da
Guia aparece nas narrativas sobre as mestras como local de sobrevivência e de sociabilidade, estando,
portanto, presente em muitas passagens das trajetórias de vida dos mestres e mestras da Jurema, e, por isso,
tornou-se território importante para os juremeiros.
Durante nossa pesquisa de mestrado, quando nos dedicávamos a desenvolver uma etnobiografia da Mestra
Paulina, a entidade me disse: Na Rua da Guia tem magia! e completou a frase com uma provocação: - Pode
mandar escavar que você vai encontrar! Quem procura acha!. Paulina falava de objetos e feitiços que ela
chama de Catiços enterrados na Rua da Guia. Ela me conta que objetos como navalhas, punhais, moringas e
botijas eram utilizados para proteger dos perigos da vida na rua, ou pequenos tesouros como dinheiro e
presentes valiosos que ganhavam e escondiam na esperança de mudar de vida, mas, eram também objetos
enfeitiçados, que possuíam características sobrenaturais e espirituais e faziam parte de encantamentos com
finalidades diversas (proteção, vinganças, curas, relacionamentos afetivos...).
É a partir do contato com as narrativas sobre as mestras da Jurema Sagrada, que a Rua da Guia passa a ser
também, para nós, um lugar de afetos diversos, compreendendo-a como espaço que permitiu a ressignificação
das vidas de mulheres e abriu espaços para novas expressões do feminino, com suas memórias/histórias e sua
agência feminina, seja esta material ou espiritual.
Interessa-nos, então, a partir da memória feminina relacionada ao culto da Jurema Sagrada e da sua relação
com os territórios que habitaram, bem como, a sua presença que se atualiza nesses territórios, explorar
agenciamentos femininos em torno do espaço urbano.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Gonçalves Tolentino (UEMG), Karla Cunha Pádua (UEMG)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar reflexões iniciais sobre aspectos teóricos e
metodológicos da pesquisa de mestrado em andamento, intitulada O Cevae é o pulmão da nossa comunidade:
educação, cultura e ambiente no Centro de Vivência Agroecológica - CEVAE/Coqueiros. Realizada no âmbito do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (PPGE/FAE/UEMG), o objetivo
central da pesquisa é investigar os saberes, as práticas e as aprendizagens construídas a partir das
atividades culturais e ambientais pelos sujeitos que participam do CEVAE/Coqueiros. Neste trabalho, focamos
na apresentação do Programa CEVAE, na explanação sobre a categorização de diferentes saberes e na discussão
da abordagem biográfico-narrativa, conjugando as entrevistas narrativas e a perspectiva etnográfica na
metodologia da pesquisa. No âmbito teórico, acionamos, principalmente, as categorias de saberes populares,
tradicionais, locais e ancestrais e o diálogo com o saber científico e acadêmico. Como resultados parciais,
identificamos que existem tensões entre os distintos regimes de saberes, o que demanda reflexões sobre
condutas e procedimentos em campo por parte do/a pesquisador/a. Sobre a pesquisa biográfico-narrativa
conjugada com a perspectiva etnográfica compreendemos que, para além de um método, se configura enquanto uma
postura que pode colaborar no desenvolvimento de pesquisas que prezam por relações dialógicas entre os
diferentes saberes e seus sujeitos. Por fim, baseado na discussão levantada, concluímos que o caminho
metodológico proposto pode possibilitar captar as nuances e as riquezas advindas das experiências e das
subjetividades de cada participante do campo de pesquisa.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luiza Freire Nasciutti (UERJ)
Resumo: Este trabalho parte da pesquisa de doutorado "Tornar-se Neusa: raça, subjetividade e memória a partir da
trajetória e obra da intelectual, psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza", que versa sobre os atuais
acionamentos e discussões que partem da obra "Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro
brasileiro em ascensão social" e sobre as interpretações diversas que emergem no presente sobre a história
de vida desta intelectual negra brasileira. Neste recorte, apresento uma alusão ao romance de Luigi
Pirandello, Um, nenhum, cem mil, para pensar sobre uma dimensão recorrentemente presente nas narrativas de
meus entrevistados sobre Neusa Santos Souza: a ideia de que não há uma única Neusa, mas várias Neusas, já
que ela se apresenta de múltiplas formas a depender dos variados olhares e escutas que se predispõem diante
dela ao longo de tempos e contextos. A partir desta ideia, me abro para às plurais narrativas de seus
conhecidos, colegas e amigos, de momentos distintos de sua trajetória de vida, a fim de perceber quais
camadas, fragmentos e facetas de Neusa foram mobilizados para descrevê-la e para transmitir sua história.
Assim, aparecem os retratos de Zu, Neusa 70, Dra Neusa e Neusinha, como diferentes recortes e molduras
construídas sobre uma pessoa e sua história de vida, assumindo que em qualquer trajetória individual há
descontinuidades, contradições e incoerências constitutivas de todo sujeito (SCHWARCZ, 2013; SANTOS
SOUZA,1998). Valorizando os relatos orais como fontes que não traduzem o verossímil ou o verídico de uma
biografia, mas comunicam muito mais sobre os sentidos que ficam marcados nas pessoas que a rememoram
enquanto impressões de uma presença e de uma vida, percebo como diferentes Neusas serão constituídas nas
próprias narrativas de entrevista, e evidencio os pontos comuns delineados entre essas múltiplas falas, sem
apagar suas ambivalências.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Eduarda Souza Oliveira (Nenhuma)
Resumo: Este trabalho trata-se de uma breve reflexão da pesquisa que desenvolvi durante a graduação, em que
busco me aprofundar na história de vida de uma mulher migrante no Norte de Minas Gerais, Dona Raimunda, e
como esse relato oral possibilita uma compreensão acerca do fenômeno da migração feminina interna no Brasil
com a finalidade do trabalho doméstico. Pretendo compartilhar a análise da história de vida de uma mulher
migrante do Norte de Minas Gerais, que experienciou o fenômeno da migração e suas implicações tanto
objetivas como subjetivas, produto dos trabalhos desenvolvidos nas cidades e comunidades norte-mineiras que
se encontram próximas ou ao longo do Rio São Francisco, cenário este que foi palco para os romances
Roseanos, é então, o lugar onde Os sujeitos são os homens e as mulheres de beira de rio e beira de sertão
que vivem sua vida junto a família nuclear (Paula, 2009). Aqui, exploro a importância da memória e do relato
de vida como ferramentas epistemológicas para a observações socioantropológicas dos estudos migratórios.
Esses processos migratórios desempenham um papel importante para transformações do meio social, tudo se
inicia com a partida, os caminhos, a chegada, a permanência e também a volta, constatando que na migração
existe um ciclo conforme aponta Maria Aparecida de Menezes (2012), dando sentido ao aspecto de mobilidade ou
fluxo ao fenômeno. A vulnerabilidade social e econômica, resultantes do processo de desenvolvimento
capitalista no campo, contribuem para a intensificação da Cultura do Migrar, como aponta Paula (2009), onde
a questão agrária e os interesses dos ruralistas criam espaços de conflitos, expulsões e partidas. Em meio a
Cultura do Migrar, destaco a figura feminina para a compreensão do processo migratório no Norte de Minas, e
também o impacto da migração sobre a vida social e pessoal da mulher do campo. A migração precoce de meninas
que saem da roça para assumir o trabalho dos afazeres domésticos de famílias de classe média nos centros
urbanos é recorrente na região do norte de Minas Gerais. Para a pesquisa optei pelo uso de técnicas
etnográficas, entrevistas semi-estruturadas, e uma história de vida para elucidar suas memórias como uma
fonte de compreensões para os debates e estudos da migração interna. A memória, trata-se de [...] uma
evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi (2000, p.125), para Dona
Raimunda, lembranças relatam a vida e o cotidiano de uma menina que além de cuidar dos afazeres domésticos
em sua casa, constatando a perpetuação dos papéis de gênero condicionando o tipo de trabalho ao qual meninas
e mulheres que migram de regiões afetadas pela vulnerabilidade social.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Meire Jiane Viela (UFMG), Karla Cunha Pádua (UEMG)
Resumo: O Reinado de Nossa Senhora do Rosário de Itapecerica é uma importante manifestação da cultura
afro-brasileira, que a mais de duzentos anos se constitui como um espaço de compartilhamento de diversos
saberes tradicionais. A fim de compreender o processo de transmissão dos saberes desta tradição,
desenvolvemos esta pesquisa qualitativa, biográfico-narrativa, de caráter etnográfico, com vistas a
responder à seguinte pergunta: como acontecem as aprendizagens intergeracionais no Reinado de Nossa Senhora
do Rosário de Itapecerica, tendo em vista a preservação dos saberes da tradição? A partir de pesquisa
bibliográfica e documental evidenciamos os sentidos do Reinado, suas raízes e seu vínculo com o passado, com
os negros e negras escravizados que deram origem a essa tradição. Considerando que o Reinado de Itapecerica
é um fenômeno cultural e religioso complexo, que não pode ser compreendido apenas através de documentos e
registros históricos, lançamos mão de uma extensa pesquisa de campo, de caráter etnográfico, para acompanhar
e descrever os ritos e práticas realizados nos festejos do Reinado de Itapecerica, no ano de dois mil e
vinte e três. Por meio da observação participante buscamos compreender o complexo contexto dos festejos,
seus territórios, momentos e ritos importantes. Assim, pudemos observar as emoções dos reinadeiros em
diversos momentos, mostrando que o Reinado é muito mais do que um festejo, é um elo entre os reinadeiros e
sua família, sua história, seu passado ancestral. Como parte desse olhar etnográfico, complementamos a
pesquisa com a realização de duas entrevistas narrativas, a fim de alcançar as significações e experiências
subjetivas dos reinadeiros. Por meio dessas entrevistas, orientadas pelo enfoque biográfico-narrativo,
pudemos evidenciar aspectos importantes como a crença e os conflitos geracionais vivenciados pelos
reinadeiros. As narrativas subsidiam importantes reflexões sobre a forma como a cultura do Reinado permeia o
dia a dia das famílias, influenciando a construção de sentidos e proporcionando, inclusive, apoio emocional
nos momentos de dificuldade. Os relatos de vida dos nossos colaboradores nos revelaram parte do processo de
transmissão geracional dos saberes do Reinado, um processo que acontece em diversas frentes: nos festejos,
através das histórias, no dia a dia das famílias; um processo que envolve não só os mestres do Reinado, mas
os pais, avós, pessoas que buscam a preservação das tradições familiares e dessa forma impulsionam a
preservação da identidade étnica ancestral de inúmeros reinadeiros e reinadeiras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paula Vianna Köche Pacheco (PUCRS)
Resumo: Vivemos em uma sociedade acelerada, afirma Harmut Rosa em sua obra Aceleração: A transformação das
estruturas temporais da modernidade (2019). O otimizar, o acelerar e o inovar, exigidos continuamente pela
sociedade contemporânea, nos faz reféns da eterna falta de tempo. A permanente pressão temporal pelo medo
constante de perder oportunidades (Rosa, Ibidem: 268) orienta o ritmo da vida, que, por sua vez, precisa ser
ajustada para coexistir ao ritmo do mundo cada vez mais célere. Aliada à aceleração, a sociedade
contemporânea se caracteriza também pela individualização. Ulrich Beck refere que a individualização
significa que a biografia das pessoas se torna independente de determinações pré-fixadas, aberta, disponível
e se converte em tarefa a ser desempenhada por cada um (Beck, 2010: 199). No processo de individualização, o
sujeito se torna o centro no processo biográfico enquanto os vínculos familiares e diferenças de classe
ocupam o plano de fundo (Beck, 2010: 194). Beck afirma ainda que o indivíduo desenha de próprio punho a sua
biografia, isto é, a biografia socialmente predeterminada é transformada em biografia feita e a ser feita
por cada um. (Beck, 2010: 199). Diante desse cenário, em que o indivíduo é o centro da sociedade
contemporânea e a tecnologia é um motor externo que propulsiona a aceleração social, é compreensível a
precocidade na busca identitária dentro da sociedade (Santos, 2015: 404).O indivíduo, cada vez mais jovem,
procura sua identidade, o seu estilo de vida no grupo social em que está inserido.Em outras palavras, é
exigido gradativamente e de forma precoce a singularidade do sujeito que deve ser confirmada no seu
cotidiano. Schütz destaca a capacidade de interpretação dos indivíduos na vida cotidiana.Alfred Schütz
sustenta a compreensão de que a sociedade é, em boa medida, o que os indivíduos fazem dela, ou seja, o mundo
social não é dado, não é natural, nem pré-determinado (Santos, 2017).A pesquisa em tela adota uma combinação
de métodos fundamentados no paradigma interpretativo (Keller, 2023): a abordagem reconstrutiva de narrativas
biográficas proposta por Fritz Schütze (1983 e 2014) e incrementada por Rosenthal (2014), bem como a
discussão em grupo (Bohnsack, 2010). Um dos fundamentos epistemológicos das abordagens interpretativas
adotadas aqui é a sociologia de orientação fenomenológica proposta por Alfred Schütz (Schütz, 2018, 2023;
Santos, 2018, 2021). Para além da apresentação dessas abordagens em maiores detalhes, considerando sobretudo
as singularidades da pesquisa biográfica com jovens tão jovens, o artigo irá considerar as possibilidades de
combinação com a etnografia, tendo como ponto de partida para essa discussão a sociologia
fenomenologicamente orientada tal como proposta por Alfred Schütz.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ricardo Pereira Aragão (FAT)
Resumo: A partir de de reflexões e diálogos com Mãe Xagui, falecida em 2021 com 84 anos de inciação, coautora do
meu projeto de doutoramento que tem como objeto sua afrografia religiosa, buscando compreender seus
percursos religiosos, bem como os agenciamentos percorridos por Mãe Xagui na construção do seu candomblé
Angola, o presente trabalho buscará apontar pistas para a compreensão dos modos de convivências, amálgamas e
outras formas de conexões rizomáticas entre Minkisi, Orixás e Voduns, Kaboko, Nzila e etc. tendo como pano
de fundo, uma Salvador que se descortina a partir das vivências da jovem Carmélia (Mãe Xagui). Para tanto,
ao ouvir mãe Xagui, o tempo se dobrava sobre si mesmo, num processo criativo que, em diálogo com o passado
que se fescortinava no ato de narrar, abria possibildades para produção de um futuro que ainda não está
presente e se anuncia sempre como projeto, devir, algo por fazer (FU KIAU, SOURIAU, INGOLD) Acredito ser
possível problematizar o conceito de nação, fortemente contaminado pela forma "Estado", e buscar, a partir
das contribuições de Vinciane Despret, Busenki Fu Kiau, Tim Ingold, Tiganá Santana e etc., novos caminhos
gramaticais para dar conta do modo como "nação" foi vivido na experiência religiosa de Mãe Xagui.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tamyres Batista Costa (SEDU)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de construção da trajetória de vida da mãe de
santo Yá Santília de Ayrá, zeladora do Ylê Axé Palácio de Ayrá, casa de candomblé da nação Kêtu-Nagô,
localizada em Viana/ES. Para tanto, articulo os conceitos elaborados por intelectuais negras ao pensar o
fazer biográfico e suas narrativas, tais como: biomitografia (LORDE, 2021), oralitura (MARTINS, 1997) e
fabulação crítica (HARTMAN, 2022). A referida elaboração teórica, juntamente com entrevistas em profundidade
realizadas com a mãe de santo, pesquisa em fontes documentais, acervo fotográfico e seus objetos de memória,
me permitiram deslocar a noção de narrativa de vida como perspectiva da dimensão individual do sujeito no
mundo, para reconhecer a indissociabilidade entre a Yalorixá, o ambiente sagrado do terreiro e as entidades
ali presentes que se inscrevem mutuamente em seu tecido biográfico. A partir de minha experiência como
pesquisadora-nativa racializada, filha de santo desse Ylê e mestranda no programa de pós-graduação em
ciências sociais (PGCS/UFES), pretendo investigar quais as potencialidades do entrelaçamento entre memória,
imaginação e discursividade de mulheres negras, tendo como ponto de partida a narrativa da Yalorixá. Cabe
destacar que os esforços que permeiam a pesquisa e a escrita deste texto têm como propósito indicar
reflexões que possam restituir a história de vida de Santília de Ayrá desde sua perspectiva.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tania Knapp da Silva (USP)
Resumo: Quase um quarto da maior metrópole da América do Sul possui características pouco imaginadas a partir
dos termos metrópole ou São Paulo. Seja pela forte presença de elementos rurais, pelos remanescentes de
mata atlântica, seja pela ocupação histórica dos Guarani Mbya. A pesquisa em curso lança luz sobre a
história do extremo sul a partir das trajetórias de distintos grupos sociais do território como contraponto
à história da cidade: que paulatinamente invisibilizou tanto essas pessoas como seu território.
Entre as oito pessoas entrevistadas, em sua maioria pequenos agricultores agroecológicos, é comum a
indicação do mato como o território no qual vivem ou querem viver. Se, por um lado, o temo mato alude a
aquilo que não se distingue, nem se valoriza como a vegetação nativa, agreste e inculta. Por outro, o mato
é reivindicado por elas como espaço de produção e reprodução de suas formas de vida. Estas formas de vida
não foram em geral reconhecidas ou desejadas ao longo do tempo pela história da cidade e seu planejamento.
Suas existências foram admitidas como possibilidade e valorizadas ao custo de muita persistência e
resistência. Assim, investigar as histórias dos agricultores e o lugar em que o mato costuma reinar e
vicejar desafia este tipo pejorativo de interpretação.
Quer-se debater os procedimentos metodológicos usados no trabalho de campo: 1. realização de entrevista
semiestruturada baseada na trajetória, redes de solidariedade, conhecimento agrícola e memória sobre a
história da terra em que cultiva; 2. realização da devolutiva, momento no qual a entrevista transformada em
narrativa em terceira pessoa é lida em conjunto com a pessoa para que ela avalize as informações; 3.
triangulação das narrativas (etapa em desenvolvimento), na qual a narrativa de uma pessoa se cruza com uma
outra, produzindo uma terceira. Além disso, a pesquisa histórica documental e bibliográfica aprofunda e
complementa o texto final. Entre os acervos consultados estão os de registro de imóveis, registro de
empresas, alguns processos judiciais, bem como o arquivo histórico municipal.
Essas trajetórias apontam para um espaço próprio, com formas específicas de vida no mato: a sua relação com
a agricultura, e seus modos de cooperação e suporte na luta por direitos para existir no mato. Abordar tais
narrativas tem por objetivo encontrar os aspectos comuns como cidadãos do mato que (re)existem dessa forma
na metrópole. A reconstrução histórica do lugar e da agricultura realça a dimensão cultural de suas formas
de vida. Ademais, indica uma visão de cidade mais inclusiva e sustentável: comprometida com valores
culturais e necessidades daqueles que mantém água limpa e produzem alimentos saudáveis para que possam
manifestar plenamente sua cidadania.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tássio Ricelly Pinto de Farias (FACEP)
Resumo: A presente proposta problematiza as experiências de construções biográficas entre docentes da rede
pública estadual de ensino básico no pequeno urbano (KOURY; BARBOSA, 2020) de Apodi-RN. Trata-se da
tentativa de compreender em que medida é possível visualizar um projeto (em termos de intencionalidade
racional e reflexiva) nas narrativas biográficas de professores e professoras de escolas públicas estaduais.
Partindo da ideia de projeto enquanto categoria analítica da fenomenologia de Alfred Schütz (2018), e dos
seus usos na antropologia por autores como Gilberto Velho (2001, 2005, 2007, 2013), assim como das
contribuições da teoria bourdieusiana da reprodução (2013, 2014, 2015, 2018), o objetivo da minha pesquisa
de doutorado (junto ao PPGA/UFPB) é refletir sobre as trajetórias de professores/as da cidade de Apodi-RN,
considerando suas práticas projetivas e retrospectivas.
A minha imersão prévia no universo pesquisado e a leitura da tese de Costa (2017) me fizeram partir de duas
hipóteses: (I.) meus/minhas interlocutores/as (colegas de profissão) são oriundos/as de famílias sem
histórico de longevidade escolar; (II.) esses/as colegas/as professores/as geralmente não têm filhos/as
professores/as, o que poderia ser interpretado como a ausência de uma tradição familiar de incentivo à
profissão docente.
A partir da imersão em campo, e do uso de entrevistas narrativas biográficas (ROSENTHAL, 2014), pretendo
acessar as histórias de vida dos meus interlocutores/as, a fim de entender suas trajetórias e curvas de
vida, e como elas se relacionam com a aquisição da profissão docente. Faço, portanto, uma etnografia do meu
mundo do trabalho. Trata-se de um exercício que Velho (2007) chamou de estranhar o familiar. Logo, o
trabalho de observação exige a mobilização da escuta e de sentidos mais atentos, uma vez que também estou
cumprindo demandas do meu ofício. São as vivências do meu próprio trabalho que compõem o material
etnográfico e revelam certas nuances das práticas discursivas características da profissão docente no
pequeno urbano da cidade de Apodi.
Considerando minha própria trajetória profissional, entrevejo os porquês em termos de estímulos externos dos
altos e baixos dessas práticas retrospectivas. Há momentos em que estamos mais satisfeitos com nossa
profissão; há momentos em que essa satisfação está em decadência. Ou o inverso! Vislumbro que essas
biografias possam revelar algumas adversidades da carreira docente, e das diferentes maneiras como aparecem
nessas construções narrativas, sem perder de vista que [
] a etnografia não deve ser uma interpretação
sobre, mas uma negociação com, um diálogo, a expressão das trocas entre uma multiplicidade de vozes.
(CALDEIRA, 1988, p.141).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Thaissa Cristina Neres Ribeiro (UFOPA)
Resumo: Esta pesquisa é uma análise de um dos fenômenos socioeconômicos, culturais e ambientais da Amazônia, com
enfoque voltado para o itinerário das experiências de mulheres que se encontram inseridas nas atividades que
envolvem a extração de ouro na região tapajônica. Com o intuito de identificar suas condições de trabalho,
funções desempenhadas e estratégias de adaptação frente a uma carência de subsistência que não é suprida
devido às circunstâncias que a garimpagem carrega causando essa intensa precariedade sobretudo econômica que
permeia as realidades femininas no âmago do garimpo. As análises revelaram que essas mulheres enfrentam
condições de trabalho árduas e frequentemente perigosas, confrontando uma série de desafios e
vulnerabilidades singulares. Diante deste cenário, a escolha de uma abordagem metodológica qualitativa
composta por entrevistas semiestruturadas foram aplicadas para os registros de narrativas biográficas para a
coleta desses dados. Contudo a carência de debates abertos sobre questões de gênero no âmbito da mineração,
especialmente na extração de ouro, ressalta uma lacuna significativa de percepção que demanda atenção. Este
hiato contribui para a invisibilidade das desigualdades de gênero presentes nesse contexto laboral, onde as
mulheres se deparam com desafios distintos e específicos do ambiente onde vivem. Assim, a ampliação desta
discussão contribui para uma compreensão mais profunda e abrangente das dinâmicas de gênero na mineração
aurífera na Amazônia. Ademais, considera-se necessário o desenvolvimento de políticas públicas e iniciativas
que promovam a igualdade de gênero e melhorem as condições de trabalho e qualidade de vida das mulheres
envolvidas na esfera da extração do ouro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Viviana Thais Vargas Zorzi (UFSM)
Resumo: Trato aqui de um relato sobre o meu Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais chamado Amor,
Placer, Rabia y Revolución: Apontamentos sobre a noção de pessoa em mariam pessah orientado pela Dr.ª Jurema
Gorski Brites. Guiada pela perspectiva de um alargamento do universo do discurso humano (Clifford Geertz,
1989) procurei dar visibilidade a trajetória de mariam pessah: poeta, escritora, fotógrafa, artivista e
lésbica. Utilizo a etnografia como um gênero literário que entrelaça teoria, método, epistemologia e ética
na construção do diálogo entre dados e discussão teórica (Claudia Maria Coelho, 2016). Por meio desta
abordagem, foi possível compreender a importância de ter atenção com relação aos objetos apresentados pelos
interlocutores para dessa forma seguir os caminhos de compreensão por eles apresentados e suas respectivas
categorias nativas. Em contato com a pesquisada e triangulando outros dados - crônicas, poemas, diário de
campo, entrevista narrativa - a fim de localizá-la histórica e socialmente, elaborei uma narrativa
biográfica da mesma, que apresenta a presença da pesquisadora numa perspectiva de produzir saberes
localizados, tal qual escreve Donna Haraway, (2009). Por fim, observei que mariam expressa em sua escrita
uma vivência associada a lesbianidade como categoria política e que essa vivência se traduz em um ethos
compartilhado e marcado pelo apagamento histórico (Tânia Navarro-Swain, 2004) e a heterossexualidade
compulsória (Adrienne Rich, 2012). Neste trabalho, destaco elementos dessa vivência lésbica que re-elaboram
uma noção de pessoa específica que possui seus próprios repertórios de símbolos significantes (Geertz,
1989), como vocabulários, bandeiras, datas comemorativas, memórias, lutas e poemas.