Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 078: O campo biográfico-narrativo e a prática etnográfica: diálogos possíveis
"Na Rua da Guia tem Magia!": um estudo sobre agenciamentos femininos materiais e espirituais em uma rua do centro histórico do Recife.
A Rua da Guia uma das ruas que compõe o bairro do Recife ficou conhecida no período pós-colonial por ser
a zona de baixo meretrício do cais do porto. A grande circulação de pessoas nas áreas de Alfândega, entre
ricos e pobres, nobreza e seus escravos, mascates, marinheiros concentravam-se no local mulheres que
prostituiam-se para sobreviver.
Hoje no Bairro do Recife (Recife Antigo), a rua da guia é povoada por bares e restaurantes, e bem quista
como lugar de diversão e lazer, por moradores da cidade e turistas interessados em conhecer o centro
histórico do Recife. Para muitos dos que frequentam a rua, a sua história é desconhecida, e quando pouco
aparece na história oficial da cidade, menos ainda se fala dessas mulheres que por ali viveram.
Compondo o território mítico sagrado da Jurema, a Rua da Guia acolheu muitas entidades cultuadas na Jurema
Sagrada. Principalmente as Mestras entidades femininas, sendo em sua maioria prostitutas, que viveram no
Nordeste brasileiro, tiveram mortes trágicas e violentas passando a compor o panteão da Jurema. A Rua da
Guia aparece nas narrativas sobre as mestras como local de sobrevivência e de sociabilidade, estando,
portanto, presente em muitas passagens das trajetórias de vida dos mestres e mestras da Jurema, e, por isso,
tornou-se território importante para os juremeiros.
Durante nossa pesquisa de mestrado, quando nos dedicávamos a desenvolver uma etnobiografia da Mestra
Paulina, a entidade me disse: Na Rua da Guia tem magia! e completou a frase com uma provocação: - Pode
mandar escavar que você vai encontrar! Quem procura acha!. Paulina falava de objetos e feitiços que ela
chama de Catiços enterrados na Rua da Guia. Ela me conta que objetos como navalhas, punhais, moringas e
botijas eram utilizados para proteger dos perigos da vida na rua, ou pequenos tesouros como dinheiro e
presentes valiosos que ganhavam e escondiam na esperança de mudar de vida, mas, eram também objetos
enfeitiçados, que possuíam características sobrenaturais e espirituais e faziam parte de encantamentos com
finalidades diversas (proteção, vinganças, curas, relacionamentos afetivos...).
É a partir do contato com as narrativas sobre as mestras da Jurema Sagrada, que a Rua da Guia passa a ser
também, para nós, um lugar de afetos diversos, compreendendo-a como espaço que permitiu a ressignificação
das vidas de mulheres e abriu espaços para novas expressões do feminino, com suas memórias/histórias e sua
agência feminina, seja esta material ou espiritual.
Interessa-nos, então, a partir da memória feminina relacionada ao culto da Jurema Sagrada e da sua relação
com os territórios que habitaram, bem como, a sua presença que se atualiza nesses territórios, explorar
agenciamentos femininos em torno do espaço urbano.