Grupos de Trabalho (GT)
GT 029: Arquivos, coleções e objetos de arte: artefatos e invenções em perspectiva etnográfica
Coordenação
Júlia Vilaça Goyatá (UFMA), Magdalena Sophia Ribeiro de Toledo (UAH)
Debatedor(a)
Alline Torres Dias da Cruz (UFBA), Maria Luisa Lucas (USP)
Resumo:
Este Grupo de Trabalho pretende abordar e discutir pesquisas etnográficas centradas na análise de arquivos, coleções e obras de arte entendendo-as como artefatos em uso e como invenções da vida cotidiana. Trata-se de acolher tanto trabalhos que lidem com arquivos, coleções e artistas institucionalizados ou legitimados como tais em nossas sociedades contemporâneas, quanto aqueles que lidam com o que comumente tratamos como arquivos, coleções e objetos de arte "populares", "caseiros", fundados na experiência cotidiana de inventar uma memória para si ou para uma coletividade. Nos interessa também pensar nos cruzamentos entre a produção de arquivos, coleções e obras de arte, na medida em que muitos artistas têm criado arquivos como uma técnica de trabalho e que arquivos e coleções já instituídos (ou artefatos que, por sua complexidade e relações que os constituem, podem ser pensados como arquivos) são também eles materiais da criação artística. Nesse sentido, nosso interesse se concentra em refletir sobre os agenciamentos que esses materiais produzem no tempo e no espaço, nas relações que engendram com seres (tangíveis ou não), nas técnicas que requerem, bem como nas poéticas que suscitam. Assim, se interpõe aqui também uma reflexão sobre a produção do contemporâneo e da memória pensados não a partir de um acúmulo de experiências a serem retomadas, mas como criação, tendo em vista sua constante (re)invenção e materialização.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alline Torres Dias da Cruz (UFBA)
Resumo: Esse resumo se baseia na produção artística negra contemporânea, no Brasil e Caribe, que faz uso de materiais de arquivo - pessoais ou institucionais, alguns produzidos em contextos coloniais ou imperiais -, para discutir modos de (re)criação de tempos-espaços e a emergências de subjetividades e sensibilidades acerca da Diáspora Negra que poderiam ser compreendidos a partir do que Christina Sharpe (2023) definiu como "anotação e revisão negra no vestígio", levando-se em conta que essas práticas artísticas poderiam se aproximar de atos/técnicas de cuidado, e, ainda, de cultivo. Ao se aproximar inicialmente de algumas obras de María Magdalena Campos-Pons (Cuba, radicada nos EUA), Eustáquio Neves (Brasil), Rosana Paulino (Brasil) e Giana De Dier (Panamá), o trabalho aqui proposto - primeiro movimento da pesquisa intitulada "Poéticas afro-diaspóricas e políticas do sensível: trabalho artístico no Caribe e no Brasil", buscará apresentar e discutir alguns dos modos pelos quais as obras materializam experiências, conhecimentos, concepções e sensações acerca da Diáspora Negra no sentido de reconfigurá-la por meio de um trabalho artístico de intervenção, rasura, junção e disjunção, mas também de enraizamento e produção de embelezamento.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amanda Gonçalves Serafim (UNICAMP)
Resumo: Mariza Corrêa (1945-2016) foi uma antropóloga brasileira que se dedicou a dois principais temas de pesquisa: os estudos de gênero e a história da antropologia, incluindo uma relação entre esses dois campos. Dentre os trabalhos realizados, dois se destacam na área de história da antropologia. O primeiro é o Projeto História da Antropologia no Brasil (PHAB), que almejou recuperar a memória das décadas iniciais da disciplina no país, principalmente através de entrevistas e do recebimento de documentos dos antropólogos das primeiras gerações de profissionais que atuaram no Brasil. O segundo é o Projeto Antropólogas & Antropologia, um desdobramento da iniciativa anterior, que buscou refletir sobre o silêncio em relação às figuras femininas dessa história – aqui o trabalho consistiu principalmente na busca de informações através de textos, acervos e conversas com pessoas para ajudar na obtenção de dados. Dessa forma, ambas as iniciativas aglutinaram e produziram documentos que hoje estão, principalmente, reunidos no Fundo Mariza Corrêa no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), doado a instituição alguns anos após a morte da antropóloga. A partir disso, essa proposta de trabalho almeja ir mais além de uma análise das potencialidades desse material para uma recuperação de fatos históricos relacionados a esses projetos ou a outros trabalhos de sua autoria. Nesse sentido, busco refletir sobre como o olhar para esse material e para o trabalho de Corrêa pode nos auxiliar a pensar sobre a produção de acervos e de como eles podem contribuir com novas pesquisas (incluindo a relação entre os processos técnicos envoltos na organização e no trabalho cotidiano com esse material); e também na forma como produzimos uma história da antropologia. Para mais, procuro refletir sobre como ir além de uma recuperação sobre o passado da disciplina e do conhecimento sobre determinadas trajetórias, incluindo efetivamente as contribuições que esses novos olhares podem proporcionar e alterar na forma como podemos produzir as pesquisas antropológicas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Autaki Waurá (UNICAMP)
Resumo: Os Wauja vivem no Território Indígena do Xingu, estado do Mato Grasso. Esse povo indígena continua praticando seus conhecimentos tradicionais, como músicas, danças, adornos corporais, festas, arquitetura, e a produção de objetos de cultura material para pesca, caça e agricultura. Nas últimas décadas, esse modo de vida tem sido ameaçado pela mudança climática, pela agricultura de veneno dos grandes latifúndios de monoculturas de soja e algodão e pelo desmatamento. O povo Wauja já não vive como antigamente, sua cultura e o modo de viver na comunidade está mudando em consequência das ações dos seres humanos, principalmente dos não indígenas. Além disso, os Wauja perderam uma parte considerável de seu território no alto rio Batovi, onde se encontra o sítio sagrado de Kamukuwaká, um lugar considerado pelos Wauja como repositório de histórias e conhecimentos e antigos e para aprendizado de como ser uma pessoa wauja verdadeira. Por meio do recém-criado Museu Indígena Ulupuwene (MIU), os Wauja realizarão oficinas de produções de objetos, cantos, danças e narrações de histórias. Para ensinar as novas gerações wauja sobre a importância de manter viva a sua cultura. Nesta etapa, o MIU está realizando o diagnóstico-inventário cultural-patrimonial para identificar e documentar as práticas que estão em risco de serem esquecidas pela comunidade, e também as práticas que ainda estão em uso. Mais adiante, o MIU vai contribuir para a preservação dos patrimônios naturais, junto Centro de Monitoramento do Território. O MIU pretende colecionar os objetos que são feitos nas oficinas como documentos do conhecimento. Queremos movimentar e ensinar as crianças e jovens wauja a valorizar os conhecimentos tradicionais e sua língua. O MIU se estabelece como um espaço de trocas de conhecimentos e de memória wauja. Assim, as novas gerações wauja conhecerão sobre a demarcação do território, corrigirão as informações dos objetos que estão no museu das cidades e produzirão seus materiais para utilizarem no quotidiano. Esses conhecimentos serão também divulgados para outros povos, indígenas e não indígenas, através das oficinas do MIU.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cecilia de Mendonca (PPGSA - UFRJ)
Resumo: O Acervo Djalma Corrêa é um acervo pessoal de grande diversidade de temas e de tipos documentais que retrata muitos aspectos da cultura brasileira, em especial da música popular e da percussão afro-brasileira. Constituído em âmbito particular, o acervo, que leva o nome do renomado percussionista, possui grande interesse público pela riqueza, importância, raridade e qualidade técnica dos documentos produzidos e/ou colecionados por Djalma Corrêa (1942-2022). Nesta apresentação trago considerações sobre o trabalho de pesquisa e preservação do/no acervo, desenvolvida e acompanhada pelo músico, nos últimos anos de sua vida. Trabalhando com o Djalma desde 2015, ao longo de aproximadamente sete anos, desenvolvi junto ele e seu filho José Caetano Dable Corrêa, um trabalho de pesquisa associado a projetos de preservação e difusão de seu acervo, em especial, da seleção de documentos intitulada Coleção Culturas Populares. Nesta apresentação irei refletir sobre parte do trabalho que desenvolvemos de digitalização, catalogação e descrição desta coleção do artista, e assim através da análise e escuta etnográfica, buscarei evidenciar suas motivações, suas escolhas, seus percursos e seus interlocutores.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cinthya Lana Cardoso Oliveira (Universidade de Gotemburgo), Roque Yaxikma Waiwai (APITMA), Reginaldo Oliveira de Souza (UFMG)
Resumo: Museus europeus possuem enormes coleções etnográficas brasileiras ainda pouco estudas e conhecidas por pesquisadores e pelos próprios grupos indígenas no Brasil. O Museu das Culturas do Mundo de Gotemburgo, Suécia, possui uma das maiores coleções de etnografia e arqueologia brasileiras fora do país, com em torno de 11.500 objetos. A apresentação discute a experiência de um projeto piloto de repatriação digital das coleções Wai Wai depositadas neste museu em colaboração com estudantes indígenas da comunidade de origem. Partindo de uma metodologia orientada pela descolonização das informações, práticas e pesquisas museológicas, o projeto pretende abrir espaço para que os estudantes e comunidade possam interagir, modificar e re-significar as coleções de modo que elas possam refletir mais diretamente os regimes indígenas de entendimento de sua cultura material.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriela Costa Limão (UNICAMP)
Resumo: A trajetória da Família Leuzinger se inicia, no Brasil, na primeira metade do século XIX. O patriarca suíço, Georg, aportou no Rio de Janeiro e, alguns anos depois tornou-se o formador da Casa Leuzinger, ou poderíamos dizer "das casas Leuzinger": a familiar, que reflete o projeto de sociedade burguesa do período, com filhos enviados a Europa para realizarem seus estudos e filhas (muito bem) educadas pela mãe francesa; e a editorial, que teve um grande destaque no ramo de impressos no país, e esteve associada aos projetos do Império. Rebatizado, Georges, na grafia francesa, língua e cultura muito valorizadas nas principais ruas da cidade carioca, ele financiou a viagem de Albert Frisch, fotógrafo alemão, para a Amazônia, junto de seu genro, o engenheiro Franz Keller, casado com sua primogênita Sabine Leuzinger quem acompanha o marido em viagem. As paredes que delimitam os contornos entre negócios e família são porosas, pois ambos estão imbricados nas trajetórias de seus membros. De Frisch, o editor publicou o livro Resultat d'une expedition photographique sur le Solimoes ou Alto Amazonus et Rio Negro, em 1869. Esse livro traz imagens de povos indígenas, da fauna e da flora, assim como de cidades da região visitada, percebendo-se a consonância com ideias do período em que o exótico se tornou uma mercadoria em países estrangeiros. O encontro entre ideais românticos e cientificistas da segunda metade do século XIX permeia as poses e descrições dos sujeitos fotografados, seja nas montagens fotográficas, nas encenações de cenas, ou mesmo na catalogação material presente nas imagens. Um exemplar deste livro encontra-se no Instituto Moreira Salles, que também guarda o acervo da Família Leuzinger, no qual algumas cartas, um álbum e diários de mulheres da família estão arquivados. Para esta apresentação, me interessam o álbum de autoria de Albert Frisch e o álbum familiar dos Leuzinger. A proposta não é compará-los, mas sim, somá-los para uma análise que aproxima a vida familiar da vida editorial, e que considera a curadoria imagética de cada um e seus significados quando de suas produções e atualmente. Além disso, proponho encará-los como arte-fatos, discutir o caráter múltiplo das imagens e o que elas têm a nos dizer enquanto produção artística, fonte documental e fragmentos históricos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabella Mendes Freitas (UFJF)
Resumo: A cidade de Congonhas (MG) abriga o Santuário Bom Jesus de Matosinhos, construído no século XVIII e reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO. A história desse monumento está intrinsecamente relacionada à produção de ex-votos: o próprio Santuário é considerado um ex-voto, pois sua construção foi realizada como pagamento de um milagre – a cura de uma doença adquirida pela atividade mineratória durante o Ciclo do Ouro, pelo português Feliciano Mendes. E desde sua construção no período colonial até os dias atuais, o local recebe uma grande quantidade de objetos votivos, que demonstram a permanência, no tempo, dos ritos devocionais estabelecidos no local, ao mesmo tempo que atestam as mudanças dessa prática e da vida social. Por algum tempo destruídos ou abandonados nos fundos de sacristias, os ex-votos de Congonhas passaram a ser considerados, desde a década de 1980, importantes "bens culturais" e documentos históricos, ganhando relevância na preservação das comunidades e nos estudos sobre as sociedades que os produziram. A partir daí, os objetos votivos passaram por novas formas de organização, disponibilização e exibição, tomados como uma "coleção". São essas novas formas, em seus respectivos contextos, que serão analisados no presente trabalho. O primeiro processo a ser analisado é o da aquisição das 89 tábuas votivas dos séculos XVIII ao XX pelo IPHAN em 1979 para destiná-las à Sala dos Milagres de Congonhas. O segundo é a aquisição de ex-votos da colecionadora Márcia de Moura Castro em meados de 2011 para destiná-las ao Museu de Congonhas, compra realizada pelo IPHAN por intermédio da Unesco. Por um lado, os dois processos se assemelham, por serem narrados pelos agentes do patrimônio oficial como uma forma de “reconquista” e de “resgate”, compreendidos assim como meios de salvar as coisas e de devolvê-las às "comunidades". Por outro lado, os processos se distinguem, e essa distinção está relacionada ao destino de cada coleção: a primeira está em exibição em uma sala anexa ao Santuário, ao lado de inúmeros objetos votivos não tombados e em constante estado de circulação, inseridos, pois, em uma viva dinâmica de devoção; a segunda está disposta em uma sala do Museu de Congonhas, instituição criada em 2015 para funcionar como um “museu de sítio” com funções de interpretação e de salvaguarda do Santuário. Nesse trabalho, que faz parte da tese de Doutorado em andamento, pretendo analisar o caminho desses objetos, seu estado e configuração atual, e as relações estabelecidas entre eles e os diferentes agentes envolvidos, nos seus respectivos contextos e locais de produção de sentidos (casas de colecionadores, sala de um santuário, sala de um museu).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isaura de Aguiar Maia (UNICAMP)
Resumo: Nesta apresentação, abordarei as experiências expográficas da arte Asurini do Xingu nas exposições “Altäre: kunst zum niederknien” realizada na Alemanha, no ano de 2001 e “Brésil Indien: Les Arts des Amerindién du Brésil”, na França, em 2005. Na primeira exposição a proposta curatorial de Jean Hubert Martin buscou construir um circuito de arte instalação com a reprodução temporária de altares utilizados por povos de diversos lugares do mundo. Assim, o historiador da arte francês traçou um paralelo entre as expressões plásticas destas materialidades voltadas à experiência metafísica em distintas culturas do mundo com a arte contemporânea pensando a partir daí uma espécie de “arte de ajoelhar-se”. Na segunda exposição a arqueóloga Cristina Barreto e os antropólogos Luis Grupioni e Regina Muller, pensaram a exibição de objetos de povos indígenas do Brasil por meio de sete eixos temáticos para o Grand Palais, em Paris, na ocasião do evento comemorativo do Ano do Brasil na França. Minha ideia aqui será apresentar como a arte Asurini do Xingu foi trabalhada nas propostas curatoriais de ambas exposições que buscaram refletir as relações entre as estéticas indígenas, suas cosmologias e conceitos da arte contemporânea.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Freitas Ferreira Lima (UFPE)
Resumo: A discussão das artes não-ocidentais tem sido cada vez mais abordada como imprescindível para uma melhor compreensão acerca das demais sociedades com uma inserção no debate antropológico onde a produção artística vem ganhando destaque desde a agência dos artefatos até a relação com a corporalidade e o ambiente. Com esse intuito adentramos as trilhas do Vale do Catimbau investigando as manifestações artísticas locais considerando o contexto ambiental, os grafismos rupestres e as expressões visuais contemporâneas na perspectiva das fruições nativas.
Entre o agreste e o sertão pernambucano encontra-se a Serra do Catimbau onde dois territórios são delimitados juridicamente: o Parque Nacional do Catimbau e a Terra Indígena Kapinawá. A região é conhecida pela presença de pinturas e gravuras rupestres datadas entre 6 mil até 800 anos AP. Os sítios arqueológicos apresentam um significativo conjunto iconográfico que, para além de representar vestígios da ocupação pré-colonial, expõe simbolismos apropriados a interpretações e expressões contemporâneas. Dos contatos interétnicos e intercâmbios culturais, emergem narrativas acerca do patrimônio cultural representado pela arte rupestre e pelas manifestações visuais nativas. Tal acervo expressa relevante importância para um estudo aprofundado no âmbito da antropologia da arte e se faz indispensável um olhar voltado aos seus aspectos singulares, a sua contextualização socioambiental e as expressões visuais do passado pré-colonial como significativa referência para os agrupamentos sociais da contemporaneidade. Com o propósito em testemunhar traduções e produções atualizadas de representações daquele sistema cultural.
A investigação opera na identificação, sistematização e articulação do complexo acervo de objetos de arte, agentes e fruições nativas expressivas no Vale do Catimbau. O método etnográfico com abordagem cartográfica se designa aplicável para o levantamento das distintas manifestações visuais encontradas na região. Os percursos trilhados envolvem tanto a arte rupestre quanto os objetos tradicionais e a produção artística e artesanal relativa ao povo Kapinawá e artesãs(ãos) motivados pelo fluxo turístico (ambiental e cultural) da Serra do Catimbau.
A pesquisa ainda busca testemunhar técnicas de produção assim como as distintas relações nos processos de criação, fruição, experiências estéticas e colecionamentos. O propósito é alia-se aos agentes sociais e engajar-se na difusão de seus objetos de arte aos quais compõem e acessam dimensões simbólicas e expressivas da cultura a qual estão vinculados. Ao dialogar acerca dos objetos de arte nativos, tratamos diretamente das emergências intrínsecas à experiência de criação e de compreensão do universo que os rege.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Kaléo de Oliveira Tomaz (Unicamp)
Resumo: Embora a teoria da arquivologia informe a existência de uma diferença entre Arquivos, Museus e Bibliotecas, de que forma uma antropologia da arte poderia borrar os limites dessa definição? Afinal, existem diferenças significativas entre as instituições arquivísticas e as Coleções de Arte? De que maneira os estudos sobre materialidades, antropologia em arquivos e antropologia da arte podem desconstruir essas diferenças? Neste trabalho, discuto como o ato de reencontrar a materialidade no processo arquivístico abre espaço para reimaginar o arquivo, a produção da memória e as múltiplas definições de Arte. Analiso as maneiras pelas quais a materialidade dos objetos, documentos, pastas e fotografias possibilita a construção de novos horizontes de significado nos arquivos. Nesse contexto, integro o debate sobre etnografia em arquivos aos debates sobre antropologia da arte. Desta forma, reencontrando na materialidade do arquivo a noção antropológica de objetos artísticos. Além disso, busco exemplos empíricos de exposições que unam o arquivo à arte. Assim pretendo desenvolver uma dimensão dialógica no processo de organização do arquivo e de construção de uma coleção artística. Para fazer essa discussão, o presente trabalho é dividido em quatro partes. Na primeira, faço uma recapitulação do reencontro entre a etnografia em arquivos e a materialidade arquivística. Em seguida, discuto a concepção de Alfred Gell sobre uma antropologia da arte e sua noção de objetos artísticos para a antropologia. Neste mesmo momento analiso algumas das obras do artista Stanley Brouwn e seu processo de transformação de objetos de arquivo em objetos de arte. Em uma terceira parte, utilizando o exemplo prático do Arquivo comunitário Zumví Arquivo Afro-fotográfico na 35ª Bienal de Arte de São Paulo, discuto como o próprio arquivo pode ser concebido como uma exposição de arte e quais são as implicações teóricas desse processo. Por fim, desenvolvo uma experimentação com as fotografias presentes no fundo Roberto Cardoso de Oliveira. Hoje esse fundo pertence ao acervo do Arquivo Edgard Leuenroth. Por último, realizo uma experimentação com as fotografias do acervo Roberto Cardoso de Oliveira, atualmente parte do Arquivo Edgard Leuenroth. Meu objetivo final é reinterpretar as diversas fotografias deste renomado pesquisador brasileiro como registros artísticos que contribuem para a formação da história da antropologia no país. Cardoso de Oliveira foi um destacado antropólogo brasileiro, tendo sido um dos principais responsáveis pela institucionalização da antropologia no Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Laura Alves Guimarães (FGV CPDOC)
Resumo: O material produzido em campo por antropólogos compõe uma gama de significados que dão substância a um arquivo etnográfico que ecoam as relações construídas entre antropólogos e nativos. Neste trabalho, tive em vista olhar para as relações que foram desenvolvidas a partir da doação do arquivo pessoal do antropólogo Roberto DaMatta ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC) e a revisitação do material etnográfico do autor referente a sua pesquisa de campo entre os Indígenas Apinajé nos anos 60. Foi por meio da doação do arquivo que os indígenas Apinajé tiveram acesso a uma parte desse material, que estava privado até então, provocando novos olhares sob o mesmo material. Portanto, busco desenvolver algumas questões no que se refere ao fazer do trabalho etnográfico e sobre algumas implicações da socialização da pesquisa antropológica. Dessa forma, irei refletir sobre a potencialidade de um arquivo etnográfico que ganha vida a partir das relações entre o próprio material e as pessoas, deslocando o passado e o presente através do encontro com as fotografias, dos áudios e vídeos produzidos. Estou aqui interessada nas relacionalidades que emanam entre teorias, técnicas, máquinas, pesquisadores indígenas e não indígenas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria de Lourdes Fernandes Campos de Oliveira (UFPE)
Resumo: As mudanças de abordagens nos últimos 50 anos para o estudo das relações entre indivíduo e sociedade, ora distanciando essas categorias ora integrando ou hierarquizando as mesmas, tem como resultado um expressivo construto teórico no âmbito da antropologia. Neste trabalho, as discussões se concentraram no cruzamento de práticas e simbologias identificadas nas espacialidades do museu e da casa, evidenciando as especificidades de suas materialidades, dos valores simbólicos que as atravessam e das relações sociais e de poder que ambas engendram. Nesse sentido, argumenta-se sobre a casa como possibilidade de fronteira com os espaços simbólicos do museal, incorporando as contribuições e desenvolvimentos teóricos realizados por Mary Douglas (1921-2007) e Alfred Gell (1945-1997). Por meio de Douglas (1966), faz-se discussões pertinentes aos sistemas simbólicos envolvendo as práticas museais, compreendendo os processos de musealização como rituais de passagem, bem como identificando uma manifestação do museal no ambiente doméstico, a partir do acionamento dos conceitos de ambivalência e hibridismo, decorrentes de um processo simbólico de contaminação da casa pelo museu. Assim, o espaço da casa, reorganizado e permeado por atos ritualísticos, trazidos dos processos de musealização para o âmbito da vida cotidiana, entrelaça-se ao sistema simbólico do museal, ou seja, tornando ambígua ou híbrida a categoria de casa e de museu; conferindo uma viscosidade ou indefinição de fronteiras entre as mesmas, objeto de interesse desta pesquisa. Para a abordagem das relações que são estabelecidas entre as pessoas e as coisas, numa perspectiva acerca das relações que estabelecemos com a materialidade, articulou-se as proposições teóricas acerca da antropologia da arte e da objetificação, cujos conceitos de agência e de trecos, de Alfred Gell (2018) e Daniel Miller (2013), respectivamente, indicaram bons caminhos para a discussão proposta. Nessa direção, defendeu-se que os objetos de uma casa, assim como a própria casa e os seus habitantes são possuidores de agência, onde se constroem reciprocamente. Diante destes cenários e a partir da ideia de que o espaço da casa é habitado por sujeitos, afetos, coisas, comportamentos prescritos socialmente, memórias individuais e coletivas; discorreu-se sobre as apropriações simbólicas que determinados indivíduos engendram, conferindo musealidade a esses espaços. Por fim, procurou-se identificar, nas espacialidades de algumas casas, formas de representações simbólicas e produtoras de sentidos, seja partir de valores partilhados pelo grupo familiar, seja por meio de uma aproximação estética ou do imaginário construído sobre os museus, enquanto índices representativos da memória ou de locais de fruição da arte por meio das exposições.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Raquel da Cruz Duran (UFMS)
Resumo: Minha proposta objetiva tratar de uma parte do meu projeto de pós-doutorado, que visa compreender as 288 coisas ejiwajegi da Coleção Boggiani, situada no Museo delle Civiltà (MUCIV), dentro da Seção de Etnografia Extraeuropeia - mas que antes pertencia ao Museo Nazionale Preistorico Etnográfico Luigi Pigorini, ambos localizados em Roma. Nesta parte, eu gostaria de enfocar estes dois contextos de guarda, organização e interpretação de objetos e coleções, destacando os agenciamentos que essas coisas produziram nos museus pelos quais passou, refletindo sobre a produção do contemporâneo e da memória nesta trajetória.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Victor Augusto Lage Pena (UFES)
Resumo: Este trabalho tem por finalidade analisar os materiais produzidos pelo Coletivo LGBT Sem Terra, como cartilhas, livro e documentário. Busca-se compreender como os objetos são utilizados pelo Coletivo, tendo como foco as atividades realizadas no Extremo Sul da Bahia. O Coletivo LGBT Sem Terra faz parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e tem por objetivo construir uma comunidade camponesa sem a presença de LGBTI+fobia. Um caminho importante para esse processo de transformação é a educação, sendo os objetivos aqui analisados produzidos com intuito de educar a população sem terra produzindo um movimento de luta pela reforma agrária que seja acolhedor para a população LGBTI+. Também consideramos que esses materiais dialogam com a construção de identidade coletiva desses sujeitos enquanto LGBT Sem Terra. Esta pesquisa possui um caráter interdisciplinar, e mescla metodologias da história, pensando na história do tempo presente, e da antropologia. Inspirado nas ideias de José Reginaldo S. Gonçalves (2007), em que trata da “antropologia dos objetos”, além de pensar em metodologias do campo historiográfico, como a análise interna e externa das fontes, buscamos analisar, além do conteúdo interno, como acontece a relação entre os camponeses sem terra e esses materiais. Foi possível perceber diferenças entre os textos das cartilhas, e do livro de memória, por exemplo. Enquanto as cartilhas têm por objetivo uma circulação interna, aparecem relatados casos de LGBTI+fobia sofrido dentro dos espaços do MST, apresentando caminhos de denúncia interna para punição dos agressores. Esse texto deixa claro que ainda há LGBTI+fobia no MST, e que precisa ser combatida. Já as narrativas do livro de memórias e do documentário, percebe-se um tom mais positivo, mostrando as conquistas do Coletivo, exemplos de pessoas LGBTI+ que vivem em assentamentos e acampamentos, representando de forma mais positiva a relação entre o MST e as pessoas LGBTI+. Há ali, um cuidado na hora de denunciar casos de LGBTI+fobia, pois não é interesse desse Coletivo difamar o MST. Portanto, mesmo havendo avanços a serem alcançados, quando se dialoga com espaços fora do movimento, o Coletivo procura representar de forma positiva o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, pois também se entendem pertencentes a tal. Para compreendermos esse diálogo entre identidades, que nem sempre são complementares, buscamos dialogar com o conceito de interseccionalidade de Patricia Hill Collins (2022) e de Kimberlè Crenshaw (2002). Essas ideias nos ajudam a compreender como esses marcadores sociais dialogam na vida desses sujeitos, e não há nenhuma intenção de apagar uma identidade em detrimento da outra, buscando caminhos para que suas vivências e lutas caminhem juntas.